Mortandade de macacos em Atalanta preocupa ambientalistas

15 dez, 2020 | Notícias

Até o dia 15 de dezembro foram encontrados 9 bugios mortos em 4 áreas diferentes, em duas localidades no município de Atalanta (SC). O fato tem preocupado muito os ambientalistas, que acreditam se tratar de um surto de Febre Amarela (FA), uma vez que já está comprovado que o vírus está circulando no Alto Vale do Itajaí, conforme atestado pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina (DIVE). Matéria publicada no Jornal de Santa Catarina em 23 de setembro de 2020 afirma: “o Vale do Itajaí registrou mais sete novas mortes de macacos por febre amarela, o que acende um alerta para a região, informa a Dive. Dos 86 óbitos de primatas ocorridos pela doença neste ano no estado, 53 foram no Médio Vale. Os mais recentes confirmados foram de cinco bugios de Apiúna, e dois de Aurora e Vitor Meireles”.

O município de Atalanta já deflagrou uma campanha de vacinação e pede a atenção especial de todos os habitantes que ainda não se vacinaram. A bióloga Leoiza Andrião Coelho, da Supervisão Regional de Saúde (SUPRES) de Rio do Sul, em comunicado orienta: “a febre amarela é uma doença reemergente no Brasil. O estado de Santa Catarina registrou a presença e a expansão do vírus da FA em seu território no ano de 2019 e toda a região sul do país tornou-se Área Com Recomendação de Vacina (ACRV) para a FA, sendo esta indicada a todas as pessoas a partir dos nove meses de idade, conforme as recomendações do calendário nacional de vacinação”. Ela também pede que todo caso de morte de macacos seja notificado à vigilância epidemiológica o quanto antes. Confira a íntegra da nota aqui.

 

Foto em destaque: bióloga da Supervisão Regional de Saúde (SUPRES) de Rio do Sul examina bugio morto. Demais fotos: registros de macacos mortos encontrados em Atalanta (SC). Fotos: Arquivo Apremavi.

É importante esclarecer que os macacos não transmitem a febre amarela. Eles também são vítimas. Na verdade são considerados sentinelas. Num momento tão trágico, especialmente para os bugios, é importante ampliar as ações de combate à caça e também de proteção dos remanescentes florestais, preservando seus locais de habitat.

Ana Júlia Dutra Nunes, médica veterinária no Hospital Escola Veterinário da FURB em Blumenau (SC) e responsável técnica do Centro de Pesquisas Biológicas de Indaial (CEPESPI) – Projeto Bugio em Indaial (SC), esclarece: “Todos os óbitos de primatas devem ser notificados obrigatoriamente à vigilância epidemiológica do município da ocorrência, para que os agentes da saúde possam investigar a morte. Eles coletam amostras biológicas dos órgãos dos animais e enviam para a secretaria da saúde para pesquisa e diagnóstico da febre amarela, pois os primatas são sentinelas da doença, principalmente o bugio-ruivo por ser muito suscetível a mesma e vir a óbito de forma muito aguda. Quando há morte confirmada nos primatas, causada por febre amarela, se faz a vacinação de todos os humanos que ainda não foram vacinados no entorno da localização. Os macacos são considerados nossos anjos da guarda!

Quem transmite o vírus da febre amarela são os mosquitos silvestres, tanto para os macacos quanto para os humanos. O que ocorre é que acidentalmente os humanos entram em áreas de mata e são picados por algum mosquito infectado. A doença é aguda e grave, podendo levar ao óbito. A vacina é o principal método e o mais eficaz para a prevenção nos humanos, e deve ser aplicada a partir dos 9 meses de idade.

Wigold B. Schäffer, ambientalista, fundador e conselheiro da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), fala com muita preocupação e tristeza sobre o fato: “Há mais de uma década a mata atrás de casa abriga uma família de bugios. O primeiro casal que apareceu no ano seguinte trouxe um filhote e assim, ano a ano eles apareciam com um novo filhote e todos nós comemorávamos junto a eles. Passamos muitas tardes no quintal os admirando enquanto comiam folhas de cedro ou frutinhas de chal-chal e pulavam de galho em galho. Quando eles ficavam um tempo sem vir já nos preocupávamos, achando que algum caçador da região pudesse tê-los ferido. Vê-los mortos por conta de uma doença dessas é estarrecedor, dói na alma. Eles são parte da nossa família”. Ele também chama a atenção para o fato dos bugios serem grandes dispersores de sementes, por isso são importantíssimos para a floresta: “esse resíduo com sementes já germinadas (veja fotos na galeria abaixo) é de uma das últimas vezes que dormiram aqui perto de casa”, afirma Wigold.

Bugios fotografados por Wigold B. Schäffer na mata perto da sua casa, em Atalanta (SC).

A febre que ameaça os nossos macacos, por Sérgio Lucena

No passado ocorreram surtos de febre amarela urbana no país, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, mas esta forma foi erradicada na década de 1940, por meio de vacinação, obras de saneamento urbano e controle do vetor. O que tem ocorrido atualmente no Brasil é a febre amarela silvestre, causada por um vírus transmitido pelos mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, da família Culicidae, aos macacos e, eventualmente, aos seres humanos.

A morte de macacos em reservas naturais e fragmentos florestais vem ocorrendo em grande escala na Mata Atlântica do Sul e Sudeste do Brasil desde 2016. Apesar das mortes atingirem, principalmente, os bugios, há confirmação de morte de várias outras espécies de macacos pela virose, tornando ainda mais crítica a situação daquelas já ameaçadas de extinção por outros impactos ambientais. Esse surto de febre amarela é considerado um desastre ambiental grave, por se tratar de uma das maiores mortandades de primatas da história da Mata Atlântica.

A rapidez com que a virose avança e o grande número de animais vitimados, evidenciam que temos lacunas de conhecimento importantes que precisam ser preenchidas, para que possamos nos preparar para eventos futuros. Precisamos conhecer melhor a epidemiologia da doença, que envolve, pelo menos, mosquitos, macacos e seres humanos, para que possamos tomar medidas preventivas, tanto na área de saúde pública, quanto na conservação das espécies ameaçadas.

Desde a década de 1980 a Organização Mundial da Saúde registra aumento no número de casos de febre amarela e acredita-se que o crescimento da população humana, com maior mobilidade global e as alterações no clima do planeta sejam possíveis explicações para o fato.

O controle da febre amarela passa pela preservação dos habitats naturais e suas espécies nativas. Matar macacos e desmatar não impede a circulação do vírus da doença e pode, até, piorar a situação. A redução drástica da população de macacos causa um desequilíbrio natural, pois eles participam de várias interações ecológicas. Além disso, os macacos atuam como sentinelas da doença, pois suas mortes alertam para a presença da virose numa dada região.

Podemos contar com a vacina para prevenir a doença nos seres humanos, mas ainda não temos medidas efetivas para evitar a mortandade dos macacos, que são as maiores vítimas. Por isso os esforços para proteger nossa fauna nativa do desmatamento e da caça, tornam-se ainda mais importantes, diante da ameaça dessa doença de tão grande impacto.

* Sérgio Lucena Mendes é biólogo, professor de Zoologia da Universidade Federal do Espírito Santo e Diretor do Instituto Nacional da Mata Atlântica.

Confira o importante e esclarecedor depoimento do Prof. Sergio Lucena.

Sobre a Febre Amarela

É uma doença infecciosa febril aguda, que pode levar à morte em cerca de uma semana se não for tratada rapidamente. Em ambiente silvestre, os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes transmitem o vírus, e os macacos são as principais vítimas. Os casos humanos ocorrem quando uma pessoa não vacinada entra em contato, ou mora próximo às matas, e é picada por um mosquito contaminado. No ciclo urbano, o vírus é transmitido ao homem pelos mosquitos Aedes aegypti. O Brasil não registra febre amarela urbana desde 1942.

Saiba mais sobre a doença e sobre as campanhas de vacinação aqui.

Vacine-se contra a febre amarela e ajude a prevenir a doença que ameaça tanto os humanos quanto os macacos.

Autora: Miriam Prochnow.

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