Mata Atlântica

A Mata Atlântica é um dos Biomas mais ricos em biodiversidade do mundo e também o segundo mais ameaçado de extinção. 70% da população brasileira mora em seu domínio. Por isso, viver na Mata Atlântica é um grande privilégio, mas também uma grande responsabilidade.

Desde que o homem se viu impelido a buscar novos territórios além das savanas abertas, a floresta se constituiu em novo desafio à sua sobrevivência. Fruto de uma história evolutiva desvinculada da floresta, o homem precisou manejá-la, já que era mais rápido transformar a floresta do que aguardar um distante e incerto processo de co-evolução homem-floresta, o que de fato nunca ocorreu. Ao dominar o fogo, a inteligência humana se rende ao imediatismo, procurando então recriar suas pequenas savanas, as clareiras nas florestas. Um pouco mais tarde essa mesma inteligência também criou o machado, e as savanas foram se ampliando mundo afora.

Avançando para o norte gelado, a necessidade vital de calor cria uma nova condição propicia ao manejo da floresta: retirar dela o lenho que alimenta as chamas da sobrevivência. E o homem sobreviveu e evoluiu. As florestas se mostravam ora como obstáculo, gerando temeridade e pavor, ora como objeto de certa valia ao pragmatismo utilitarista.

No imaginário humano, a floresta sempre se mostrou como local escuro, perigoso, desconhecido, desafiador. Crescemos enquanto civilização, deliberadamente, distanciados da floresta. Nossos núcleos de convivência, desde os primeiros tempos, eram ambientes construídos, desnaturalizados. Por certo a complexidade da floresta, inviabilizando a sensação de domínio e controle, tão essenciais ao animal humano, foi uma determinante importante nesse processo de intolerância. Destruir a floresta era essencial para o desenvolvimento das sociedades humanas e, mais tarde, com a estabilidade dos primeiros povoamentos, sinônimo também de posse e domínio da terra. O avanço tecnológico propiciou oportunidades novas, encorajando o homem a avançar a passos largos sobre o território selvagem, desbravando-o. Bravos eram os pioneiros que enfrentavam a floresta. Esse modelo de manejo sequer pode se associar à exploração de recursos naturais, já que pouco ou quase nada era aproveitado. O objetivo maior era abrir espaço para a civilização. A civilidade não se compatibiliza com a floresta, dualismo quase perenizado no paradoxo da evolução humana.

A natural inabilidade humana com as florestas fez com que as áreas de florestas tropicais se mantivessem quase intactas até passado recente. Historicamente se observa um paralelo entre grandes civilizações e áreas abertas e, mais recentemente, com áreas de florestas temperadas, estruturalmente menos complexas, portanto mais fáceis de “manejar”. A história nos mostra também que o ciclo de crescimento e declínio de todas as ditas grandes civilizações associa-se diretamente ao esgotamento dos recursos naturais por elas explorados de forma predatória. A história trata dos feitos, ambições e frustrações humanas, a natureza, se muito, se insere na história como cenário. As florestas tropicais não fugiram a essa regra na sua “convivência” com os humanos. Mesmo na América do Sul, o último rincão a ser invadido pelo homem, como relata Warren Dean, “os que tombaram ainda jazem insepultos e os vencedores ainda vagueiam por toda parte, saqueando e incendiando o entulho”.Mais uma vez a história da floresta é um relato de exploração e destruição.

No contexto das florestas tropicais, a Mata Atlântica é um exemplo da eficiência destruidora da espécie humana. Há cerca de 65 milhões de anos, as angiospermas, que dominam as florestas tropicais, chegaram ao dossel e, nos últimos 50 milhões de anos, a diversificada teia de vida da Mata Atlântica tem evoluído sem a pressão de grandes transtornos geológicos. Contudo, a chegada do homem às planícies sul-americanas há cerca de 13 mil anos inicia um processo de interferência sem precedentes, mais devastador do que as próprias “catástrofes” geológicas. Um dos resultados mais imediatos, aventa-se, foi a onda de extinção da megafauna. Na seqüência, avança o homem sobre a floresta, criando distúrbios que, de certa forma, se diluíam na efervescência de formas de vida e na magnífica favorabilidade das condições desse último período interglacial. Isso ajudou a construir o mito do “bom selvagem”. Essa condição mais uma vez é abruptamente rompida com uma nova leva de colonizadores. Aportando suas naus numa costa ampla e exuberante, o colonizador europeu logo colocou a desserviço da floresta toda a sua tecnologia. A eficiência foi tamanha que em cinco séculos “manejando” a Mata Atlântica, com o providencial apoio da metalurgia, o invasor europeu conseguiu subverter a lógica natural e num ambiente com todos os requisitos necessários para a exuberância, reduziu tudo a “paisagem” e a “espaço”.

Texto de João de Deus Medeiros, do Departamento de Botânica (CCB-UFSC) e do Grupo Pau-Campeche

Entrando na Mata

A história da Lei da Mata Atlântica

A luta pela preservação da Mata Atlântica sempre incluiu a busca de uma legislação eficiente para sua proteção, desde o capítulo do meio ambiente da Constituição em 1988, o advento do Decreto 750 de 1993, até a aprovação da Lei em 2006, passando também por muitas resoluções do CONAMA.

A Lei da Mata Atlântica foi aprovada após 14 longos anos de discussão no Congresso Nacional.

Acompanhe um pouco essa história:

Outubro de 1992:

o deputado federal Fabio Feldmann (SP) apresenta à Câmara dos Deputados o PL nº 3.285, que trata da utilização e da proteção da Mata Atlântica, com apenas 12 artigos.

Fevereiro de 1993:

é encaminhada à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias (CDCMAM), única comissão de mérito indicada para se pronunciar sobre o assunto. A deputado Rita Camata (ES) indicada relatora da Comissão. Porém, a matéria fica sem ser apreciada até o fim da legislatura 1991- 1994, quando é arquivada.

Fevereiro de 1995:

reeleito deputado por São Paulo, Fabio Feldmann solicita o desarquivamento do PL nº 3.285/92, que passa a ser o texto principal sobre o tema no âmbito da Câmara dos Deputados.

Fevereiro de 1995:

a fim de restringir o alcance do Decreto nº 750/93 – então o mais eficaz instrumento legal de proteção à Mata Atlântica -, o deputado Hugo Biehl (SC) apresenta o PL nº 69/95, por meio do qual limita a abrangência da Mata Atlântica ao domínio da floresta ombrófila densa e às formações pioneiras com influência marinha (restingas) e com influência fluviomarinha. O PL nº 69/95 é anexado ao PL nº 3.285/92.

Março de 1995:

o texto é encaminhado à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias (CDCMAM) e tem como relator o deputado Wilson Branco.

Junho de 1995:

apresentado o PL nº 635/95, de autoria do deputado Rivaldo Macari (SC), que exclui dos limites da Mata Atlântica as florestas ombrófilas mistas, ou florestas de araucária, uma das mais ameaçadas no país. É também anexado ao PL nº 3.285/92.

Agosto de 1995:

a CDCMAM aprova a proposta de seu relator, deputado Wilson Branco, com o acréscimo de nove emendas ao PL original. São rejeitadas integralmente as teses contidas nos PLs nº 69/95 e nº 635/95, dos deputados Hugo Biehl e Rivaldo Macari. Coordenada pelos deputados Fabio Feldmann e Sarney Filho (MA), presidente da comissão, a aprovação suscita reação furiosa de madeireiros e ruralistas.

Setembro de 1995:

inconformado com a aprovação do PL na CDCMAM, os deputados Paulo Bornhausen (SC) e José Carlos Aleluia conseguem que o PL seja enviado à Comissão de Minas e Energia (CME), impedindo que a matéria seguisse para a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR). Em sua justificativa, Bornhausen, que assume a relatoria do PL na CME, afirma que o texto aprovado na CDCMAM afeta a geração e o consumo de energia, uma vez que restringe a produção de lenha.

Outubro de 1997:

no dia 22, a CME aprova o substitutivo ao PL nº 3.285/92, de autoria do deputado Paulo Bornhausen. Os deputados Luciano Zica (SP) e Octávio Elísio (MG) apresentam voto em separado, alegando que o substitutivo “subverte os propósitos do PL 3285/92, ao invés de proteger a Mata Atlântica, vai permitir a destruição dos exíguos remanescentes dessa floresta”. No mesmo dia, o deputado Luciano Zica apresenta recurso à presidência da Câmara dos Deputados, solicitando a rejeição do substitutivo, sob a justificativa de ter havido desrespeito ao Regimento Interno da casa, já que a Comissão abordou questões que não eram de sua competência. A armação é denunciada também em plenário pelos deputados Zica e Octávio Elísio. Na mesma sessão, o relator do substitutivo, Paulo Bornhausen, reconhece o equívoco do procedimento por ele conduzido na Comissão.

Novembro de 1997:

o presidente da Câmara, Michel Temer decide em favor do recurso apresentando pelo deputado Luciano Zica, sob o argumento de que a Comissão de Minas e Energia “extrapolou os limites regimentais de sua competência” ao aprovar o substitutivo do deputado Paulo Bornhausen. A matéria é devolvida à CME, com a orientação de que seu parecer seja reformulado.

Dezembro de 1997:

um acordo entre líderes partidários resulta em uma proposta que é enviada para votação no plenário da Câmara dos Deputados em regime de urgência. Porém, diante do temor de ambientalistas quanto aos possíveis efeitos de algumas das mudanças promovidas no âmbito dessa negociação, a proposta é retirada da pauta.

Junho de 1998:

o deputado Odelmo Leão, da bancada ruralista, solicita a inclusão da Comissão de Agricultura e Política Rural entre as comissões habilitadas a apreciar a matéria; seu pedido é negado.

Fevereiro de 1999:

com o fim da legislatura 1995-98, o PL nº 3.285/92 é arquivado. Fabio Feldmann não se reelege e o deputado Jaques Wagner (BA) apresenta um novo texto sobre o tema, tomando como base a proposta negociada no final de 1997, que recebe o nº 285/99. No mesmo mês, porém, uma nova interpretação do Regimento Interno da Casa permite o desarquivamento do PL nº 3.285/92, a fim de restabelecer a tramitação de um dos projetos a ele anexados.

Junho de 1999:

os ruralistas solicitam, pela segunda vez, a inclusão da Comissão de Agricultura e Política Rural entre aquelas habilitadas a emitir parecer sobre o PL nº 285/99. A solicitação, que tinha como objetivo alterar pontos que contrariavam os interesses do setor rural, especialmente os limites do domínio da Mata Atlântica, é negada mais uma vez.

Agosto de 1999:

a Comissão de Minas e Energia (CME) decide pela “incompetência para se pronunciar sobre o PL nº 3.285/92”.

Dezembro de 1999:

após meses de debate e de pressão da sociedade civil, a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias aprova o substitutivo do deputado paranaense Luciano Pizzatto ao PL nº 285/99, do deputado Jaques Wagner. O texto aprovado, com 66 artigos, tenta superar o conflito em torno da configuração geográfica da Mata Atlântica adotando o conceito de “Ecossistemas Atlânticos”, sob o qual mantém a descrição contida no texto original. O substitutivo aparece dividido em seis títulos, um dos quais (Título IV) defende que o Poder Público “estimulará, com incentivos econômicos, a proteção e o uso sustentável dos Ecossistemas Atlânticos”, o que suscitará um novo front de oposição ao projeto.

Abril de 2000:

o substitutivo ao PL nº 285/99 é anexado ao PL nº 3.285/92, que reassume seu estatuto de texto principal. Com isso, a proposta do então deputado Fabio Feldmann passa a ter três PLs anexados – além do substitutivo, os PLs nº 69 e nº 635.

Maio de 2001:

o relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ), Fernando Coruja (SC), assina parecer no qual considera o PL nº 3.285/92 “inconstitucional” por “invadir a seara normativa do Presidente da República ao atribuir uma série de competências a órgãos e entidades integrantes da estrutura do Poder Executivo”. Porém, decide pela “constitucionalidade, juridicidade e boa técnica” do substitutivo ao PL nº 285/99, ao qual propõe modificações por meio de subemenda substitutiva, e dos PLs nº 69 e nº 635. Curiosamente, as mudanças do relator ao PL nº 285 apresentam problemas de redação, que interferem no mérito da proposta.

Maio de 2002:

A CCJ aprova proposta do deputado Inaldo Leitão que dá nova redação ao parecer pelo deputado Fernando Coruja, corrigindo os problemas anteriormente identificados.

Junho de 2002:

um novo acordo de lideranças permite levar os PLs à votação no plenário da Câmara. Porém, um requerimento da bancada ruralista acaba por retirá-lo da pauta. Na ocasião, circulam informações de que a área econômica do governo também tinha restrições ao capítulo que trata dos incentivos econômicos para a proteção da Mata Atlântica, que desrespeitaria a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Fevereiro de 2003:

o PL nº 285/99 é, mais uma vez, incluído na pauta de votação do plenário da Câmara dos Deputados. Porém, resulta em nova retirada do texto da pauta, já que o governo recém-empossado ainda não havia apreciado a matéria.

Março 2003:

um acordo entre a liderança do PT na Câmara, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Fazenda resulta em parecer favorável, por parte do governo federal, à aprovação do PL da Mata Atlântica. O texto aguarda nova oportunidade para ser incluído na pauta de votação da Casa.

Dezembro de 2003:

Finalmente o projeto é aprovado na Câmara dos Deputados.

Fevereiro de 2006:

O projeto é aprovado no Senado Federal, com emendas, o que significa que deve voltar para a Câmara.

Novembro de 2006:

O projeto foi aprovado na Câmara Federal e seguiu para sanção presidencial.

22 de Dezembro de 2006:

A Lei foi sancionada numa cerimônia pública, pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

A Lei da Mata Atlântica

A importância da Mata Atlântica passou a ser amplamente reconhecida no final da décadade 1980, quando foi declarada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988. Alguns anos depois, o Conama apresentou uma minuta de decreto que definia legalmente o domínio desse bioma e a proteção de seus remanescentes florestais e matas em regeneração. A partir das diretrizes desse Decreto Federal 750/93 foi formulado o Projeto de Lei da Mata Atlântica, apresentado em 1992 pelo ex-deputado Fábio Feldmann.

O PL, que gerou muitas discussões entre ambientalistas e ruralistas, tramitou no Congresso Nacional por quatorze anos e finalmente foi aprovado e sancionado em 22 de dezembro de 2006, sob o número 11.428. A Lei da Mata Atlântica, como é conhecida, deverá garantir a conservação da vegetação nativa remanescente porque determina critérios de utilização e proteção, além de impor critérios e restrições de uso, diferenciados para estes remanescentes, considerando a vegetação primária e os estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração.

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