A história de formação dos Campos de Altitude

27 fev, 2025 | Notícias

Os Campos de Altitude são uma das fitofisionomias mais singulares e antigas da Mata Atlântica, ocupando regiões elevadas das cadeias montanhosas da Serra Geral, da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira. Essas paisagens naturais são testemunhas de uma história geológica e climática complexa, que moldou sua biodiversidade ao longo de milhões de anos.

 

História geológica dos Campos de Altitude

A origem dos Campos de Altitude está intimamente ligada à história geológica. A região onde eles se encontram repousa sobre um escudo cristalino Pré-cambriano, que sofreu intensos eventos orogênicos até o Ordoviciano. Durante o Jurássico, derramamentos basálticos cobriram a área, mas foi no final do Cretáceo, com o rompimento do supercontinente Gondwana e a formação do Oceano Atlântico, que as Serras do Mar e da Mantiqueira começaram a se elevar. Esse soerguimento continuou durante o Paleoceno e o Mioceno, moldando o relevo acidentado que hoje caracteriza a região.

Os Campos de Altitude, típicos dos pontos mais elevados dessas serras, são formados sobre rochas ígneas ou metamórficas expostas por processos erosivos que ocorreram ao longo das eras geológicas. Durante o Pleistoceno, ciclos de glaciação alternaram climas úmidos e semiáridos, influenciando a distribuição da vegetação. Nos períodos glaciais, o clima tornou-se mais frio e seco, com a formação de calotas de gelo e a redução do nível do mar. Nas serras do sudeste brasileiro, esses eventos levaram à expansão dos campos e à retração das florestas, que se limitaram a vales úmidos.

Com o fim da última glaciação, há cerca de 15 mil anos, o clima começou a se aquecer. No entanto, a umidade só retornou significativamente há aproximadamente 5 mil anos, permitindo a expansão das Florestas Ombrófilas Mistas. Os Campos de Altitude, no entanto, permaneceram como relictos da vegetação mais antiga que predominava durante os períodos glaciais, sobrevivendo apenas nos topos das montanhas, onde as condições climáticas ainda determinavam estações frias e secas mais prolongadas.

 

A paleobotânica e a biodiversidade conta a história dos Campos de Altitude

A reconstrução da história dos Campos de Altitude é possível graças a técnicas como a palinologia (estudo de pólens e esporos) e a análise de carvão vegetal, que permitem aos pesquisadores entender as mudanças na vegetação e no clima ao longo do tempo. Um estudo realizado em uma turfeira na Serra dos Campos Gerais, no Paraná, revelou detalhes sobre a evolução desses ecossistemas.

Durante o período glacial tardio, há cerca de 12.500 anos, predominavam campos diversificados com manchas esparsas de Florestas com Araucárias. O clima era 3 a 5°C mais frio e seco do que o atual, e os incêndios eram raros. No início e no meio do Holoceno (até 2.850 anos atrás), os campos continuaram dominantes nas áreas altas, enquanto as florestas tropicais se expandiam nos vales, favorecidas por um clima mais quente e úmido. A expansão das florestas de araucária para as áreas altas só ocorreu no final do Holoceno, há cerca de 1.500 anos, quando o clima tornou-se mais úmido e com estações secas menos intensas.

A biodiversidade dos Campos de Altitude também conta sua própria história. Uma pesquisa evolutiva demonstrou como a estabilidade dessa fitofisionomia gera uma diversidade maior. Foi mapeado a distribuição de espécies endêmicas de gêneros como Petunia, Calibrachoa e Adesmia. Essas espécies, altamente adaptadas às condições específicas dos campos, revelam padrões de diversidade que refletem a estabilidade climática das áreas mais altas. Durante o Último Máximo Glacial, o clima frio e seco permitiu que espécies campestres avançassem sobre áreas antes ocupadas por florestas, diversificando-se e originando novas linhagens.

 

Projeto de Lei ameaça o futuro do ecossistema

O Projeto de Lei (PL) 364/2019 ameaça os Campos de Altitude e todas as demais formações não florestais nativas do Brasil. Caso aprovado, o PL pode representar um grande retrocesso na conservação desse ecossistema sensível, expondo campos nativos e demais formações vegetais herbáceas e arbustivas, em todos os biomas brasileiros, à conversão para expansão agrícola, especulação imobiliária dentre outras atividades que comprometem a biodiversidade local, a estabilidade hídrica e intensificam a emergência climática que já administramos.

Além da evidente ameaça representada pelo PL 364/2019, iniciativas na direção de acelerar a eliminação dos Campos de Altitude já foram implementadas em Estados como Santa Catarina que, a despeito da flagrante inconstitucionalidade, modificam suas legislações ambientais. Em 2022, o Código Estadual do Meio Ambiente de Santa Catarina restringiu a proteção dos Campos de Altitude apenas às áreas acima de 1500 metros de altitude, além de alterar os parâmetros para identificação de vegetação primária e secundária com seus distintos estágios sucessionais, em claro conflito com os parâmetros definidos pelo CONAMA. Com isso, a área protegida foi reduzida para apenas 3,8% da cobertura original definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, dessa porção ínfima que restou, ainda flexibilizou regras para favorecer a supressão da vegetação campestre.

A perda desses habitats pode resultar na extinção de espécies endêmicas que dependem dessas áreas para sua sobrevivência, além de comprometer serviços ecossistêmicos fundamentais, como a regulação hídrica e o armazenamento de carbono.

 

Campanha em prol dos Campos

Essa matéria é fruto da campanha “Proteja os Campos de Altitude”, uma das iniciativas do projeto “Cuidando da Mata Atlântica: Articulação Região Sul da RMA”, executado numa articulação entre a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e Instituto Mira Serra, com o apoio financeiro da Fundação dinamarquesa Hempel por meio da Fundação SOS Mata Atlântica.

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Referências:

Behling, H. (1997). Late Quaternary vegetation, climate and fire history of the Araucaria forest and campos region from Serra Campos Gerais, Paraná State (South Brazil). Review of palaeobotany and palynology, 97(1-2), 109-121.

Behling, H. (1998). Late Quaternary vegetational and climatic changes in Brazil. Review of palaeobotany and palynology, 99(2), 143-156.

Barros, M. J., Silva-Arias, G. A., Fregonezi, J. N., Turchetto-Zolet, A. C., Iganci, J. R., Diniz-Filho, J. A. F., & Freitas, L. B. (2015). Environmental drivers of diversity in Subtropical Highland Grasslands. Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics, 17(5), 360-368.

 

Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: João de Deus Medeiros.
Foto de capa: Wigold Schäffer.

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