Apaixonar é urgente: causas e soluções possíveis para combater a negligência com as plantas
Observe a foto a seguir:
Qual espécie você viu primeiro na foto? Primeiro o papagaio e depois a araucária ou então o todo: o ecossistema da Floresta de Araucárias?
Geralmente as pessoas tendem a ver os animais primeiro, observando as plantas apenas como um cenário na foto sem identificar qual espécie se trata. Em muitos casos, também não conseguem identificar a relação entre as espécies e seu ambiente.
Essa incapacidade ou tendência em não perceber ou ignorar a presença das plantas e sua relação ecológica, seja em uma foto ou ao nosso redor, fez surgir o termo “Cegueira Botânica”, introduzida nos anos 2000 pelos pesquisadores estadunidenses James H. Wandersee e Elisabeth E. Schussler.
A cegueira botânica é um grande obstáculo para o enfrentamento da crise da perda da biodiversidade e das mudanças do clima; uma vez que, uma menor apreciação pelas plantas pode levar a uma menor preocupação com a conservação e a preservação delas, tornando-as vulneráveis à exploração e à degradação do habitat.
Alteração do termo cegueira botânica para impercepção botânica
Em 2020, a pesquisadora Kathryn Parsley, que possui deficiência visual, chamou atenção para a inconveniência do termo “Cegueira Botânica”, uma vez que tem a conotação capacitista. Capacitismo é a discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência, que muitas vezes resulta da crença de que as pessoas com deficiências são inferiores ou incapazes de realizar as mesmas tarefas que as pessoas sem deficiências.
Assim, no ano passado, pesquisadores brasileiros propuseram o termo impercepção botânica para o português, que é mais apropriado. Tanto porque as pessoas cegas também podem perceber e identificar as plantas por outros sentidos, como o tato e o olfato, quanto porque nós enxergamos as plantas, mas percebemos menos a existência delas em comparação com os animais que se movem. Assim, vamos tratar do assunto daqui para frente utilizando o termo impercepção botânica.
Causas da impercepção botânica
Educação
A impercepção botânica pode ter muitas causas, uma das principais inicia ainda no ensino fundamental e pode permanecer durante toda a vida, até mesmo durante a formação dos biólogos. O ensino de botânica na maioria das escolas e universidades é considerado limitado, desestimulante e pouco conectado com o cotidiano dos alunos, ainda muito focado em memorização e nomenclatura, com pouca prática.
Urbanização
A falta de acesso às áreas verdes e a natureza também contribui para a negligência com as plantas, uma vez que, em áreas rurais ou pouco urbanizadas as pessoas percebem mais a existência delas. Possivelmente isso acontece porque nos centros urbanos os alimentos já chegam processados nos supermercados, assim como as frutas e legumes já estão prontas para serem consumidas, inviabilizando a vivência com as plantas que estamos ingerindo.
Limitações visuais
Uma pesquisa evidenciou que a percepção visual das pessoas tende a detectar mais animais do que plantas em sequências de fotos apresentadas rapidamente, como o exemplo que ilustra o início dessa matéria. Apontando assim que uma das causas da negligência botânica é biológica, mas não excluindo as causas culturais apontadas anteriormente.
Psicologia
Por fim, pesquisas na área da psicologia evidenciam que as pessoas têm mais empatia por seres mais semelhantes a sua espécie e com características em comum, não é à toa que programas de conservação que tem espécies de animais silvestres carismáticos recebem muita atenção e engajamento.
Soluções possíveis para superarmos a impercepção botânica
Uma das principais soluções começa pela educação, seja em espaços formais como escolas e universidades, ou espaços não formais, como a educação ambiental em uma trilha, por exemplo. Algumas estratégias são indicadas por pesquisadores, como investir na formação de professores ao oferecer cursos que abordem experiências práticas, inovadoras e que estejam aliadas à realidade dos alunos, utilização de conteúdos que chamem a atenção das pessoas em meios de comunicação e oferecer materiais atualizados para professores.
Outra sugestão apontada recentemente é para projetos de conservação, que podem promover práticas diretas com as plantas enfatizando algumas semelhanças delas com as pessoas e sua importância, além de utilizar a arte para promover a empatia e a contação de histórias.
O trabalho da Apremavi
Na Apremavi acreditamos que apaixonar as pessoas pela biodiversidade, em todas as suas dimensões, é urgente. Por isso, há 35 anos já executamos as ações que os pesquisadores recomendaram em artigos recentes, sempre buscamos produzir conteúdos atualizados e interessantes sobre as plantas para todos e oferecemos vivências práticas com elas por meio das visitas no Viveiro Jardim das Florestas e na Trilha da Restauração.
Buscamos tornar as plantas mais conhecidas em todos os projetos que executamos e produzimos matérias mensais no guia de espécies com foco nas espécies de plantas da Mata Atlântica
Referências:
BALAS, Benjamin; MOMSEN, Jennifer L. Attention “blinks” differently for plants and animals. CBE—Life Sciences Education, v. 13, n. 3, p. 437-443, 2014.
BALDING, Mung; WILLIAMS, Kathryn JH. Plant blindness and the implications for plant conservation. Conservation Biology, v. 30, n. 6, p. 1192-1199, 2016.
HERSHEY, David. Plant blindness:” we have met the enemy and he is us”. Plant Science Bulletin, v. 48, n. 3, p. 78-84, 2002
PARSLEY, Kathryn M. Plant awareness disparity: A case for renaming plant blindness. Plants, People, Planet, v. 2, n. 6, p. 598-601, 2020.
PIASSA, Gabriel; NETO, Jorge Megid; SIMÕES, André Olmos. Os conceitos de cegueira botânica e zoochauvinismo e sua consequências para o ensino de biologia e ciências da natureza. Revista Internacional de Pesquisa em Didática das Ciências e Matemática, v. 3, p. e022003-e022003, 2022.
SALATINO, Antonio; BUCKERIDGE, Marcos. Mas de que te serve saber botânica?. Estudos avançados, v. 30, p. 177-196, 2016.
THOMAS, Howard; OUGHAM, Helen; SANDERS, Dawn. Plant blindness and sustainability. International Journal of Sustainability in Higher Education, v. 23, n. 1, p. 41-57, 2022.
URSI, Suzana; SALATINO, Antonio. Nota Científica-É tempo de superar termos capacitistas no ensino de Biologia: impercepção botânica como alternativa para” cegueira botânica”. Boletim de Botânica, v. 39, p. 1-4, 2022.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto.