Apremavi contribui para avanço no debate do extrativismo do pinhão
Nos dias 31 de março a 1 de abril, início da safra do pinhão em Santa Catarina, a Apremavi participou da Festa da Colheita do Pinhão em São Joaquim (SC). O objetivo do evento foi estimular a atuação das entidades que atuam no uso e conservação de recursos naturais para promoção do desenvolvimento da cadeia do pinhão.
Organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de São Joaquim e Região (SINTRAF) e o Centro Vianei de Educação Popular, a iniciativa possibilitou discussões sobre o extrativismo do pinhão em território catarinense que, cada vez mais, precisa estar alinhado a urgência da restauração e conservação da Floresta com Araucárias e seus ecossistemas associados.
O primeiro dia do evento ocorreu na Casa da Cultura, no centro de São Joaquim, com o Seminário da Cadeia do Pinhão. O debate apontou a necessidade de ações para o manejo e o uso sustentável do pinhão na Serra Catarinense. Nesse sentido, o fortalecimento da cadeia produtiva, o desenvolvimento de estratégias para agregar valor; organização social e produtiva da agricultura familiar e das redes de conhecimento integrando as ações de pesquisa, assessoria técnica e capacitação foram apontadas como demandas pelos participantes.
Na oportunidade Wigold Schäffer, co-fundador e conselheiro da Apremavi, ministrou uma palestra sobre a importância e conservação da Araucária angustifolia com foco nos projetos que a instituição desenvolve. Em relação ao status de conservação das florestas de Santa Catarina, Wigold destacou uma das conclusões do Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina: “O empobrecimento das florestas catarinenses decorre das constantes intervenções humanas na floresta, como a exploração indiscriminada de madeira, roçadas e, principalmente no planalto e no oeste catarinense, o pastoreio de bovinos dentro da floresta, surtiram estes efeitos”.
O segundo dia do evento contou com atividades práticas, culturais e de integração. Uma das atividades práticas conduzidas foi a Sapecada de Pinhão, tradicional preparação das sementes da araucária em fogueiras feitas com as grimpas secas dos pinheiros, herança dos tropeiros da região Sul do Brasil.
![Fala do Wigold Schäffer na festa da colheita do pinhão Fala do Wigold Schäffer na festa da colheita do pinhão. Foto: Edilaine Dick](https://apremavi.org.br/wp-content/uploads/2023/04/whatsapp-image-2023-03-31-at-161751.jpeg)
Registros de diversos momentos da Festa da Colheita do Pinhão. Fotos: Edilaine Dick e Wigold Schäffer
A Floresta com Araucárias
Cientificamente denominada como Floresta Ombrófila Mista, é uma das fitofisionomias constituintes da Mata Atlântica. Abriga uma grande diversidade de espécies, muitas delas encontradas unicamente nessa formação florestal e estão ameaçadas de extinção, como é o caso Araucaria angustifolia, endêmica e predominante desse local, conhecida popularmente como pinheiro-brasileiro.
A espécie surgiu durante o período Jurássico, há cerca de 200 milhões de anos. Nesse período eram abundantes, mas estima-se que atualmente a extensão da Floresta com Araucária em remanescentes bem conservados está reduzida a 3% em Santa Catarina e 0,8% no estado do Paraná, de sua distribuição original.
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Os povos indígenas guaranis e kaingangs, que habitavam a região Sul do Brasil antes da chegada dos europeus, já utilizavam as sementes de araucária (pinhão) como alimento, comestíveis e ricas em nutrientes. A partir da presença de imigrantes europeus no território a espécie começou a ser explorada comercialmente, sobretudo pela madeira de alta qualidade.
Além da importância para os povos indígenas, a espécie possui uma grande importância ecológica. Uma das principais é a produção de pinhões para a fauna, que são fonte de alimento para espécies de aves, roedores e marsupiais, destacando a cutia, os papagaios como o papagaio-de-peito-roxo, o papagaio charão e a gralha-azul, que além de se alimentarem desse recurso auxiliam em sua dispersão.
A gralha-azul (Cyanocorax caeruleus) é uma das principais dispersoras de sementes da Araucária. Ao coletar os pinhões para armazená-los, ela os enterra e, acaba auxiliando na germinação e origem de novos pinheiros.
Período de defeso do pinhão
O período de defeso do pinhão é um período em que é proibida a coleta e a comercialização dessas sementes. O objetivo é proteger a espécie durante o período reprodutivo, garantindo a restauração natural das florestas e a manutenção da biodiversidade local.
Além da importância para a Araucária o período de defeso é essencial para algumas espécies de animais, já relatadas anteriormente, que dependem dos pinhões como fonte de alimento. Essa proibição da coleta e da comercialização durante o período de defeso ajuda a garantir que essas espécies tenham acesso aos pinhões, contribuindo para a manutenção da cadeia alimentar e da biodiversidade local.
Ao nível federal, a Portaria Normativa 20 de 27/09/1976 emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estabeleceu a data de 15 de abril para o início da colheita, transporte e comercialização do pinhão.
Contudo, ao nível estadual, o Estado de Santa Catarina, por meio da Lei nº 15.457, de 17 de janeiro de 2011, fixou o início da colheita no dia 1° de abril, data em que a festa da colheita do pinhão foi realizada. Como as portarias têm significância inferior às leis, a data definida pela legislação catarinense é postulada como o início da colheita no estado.
Soluções possíveis em prol da conservação da Araucária
Apesar das ameaças que a espécie enfrenta e dos diversos desafios em prol da sua restauração e conservação, é notório que a restrição legal à exploração e corte de Araucária e outras espécies madeireiras, que já perdura por mais de vinte anos, vem dando uma chance para a Florestas com Araucárias, que em algumas regiões está num lento e gradual processo de recuperação de sua estrutura e biodiversidade.
Essa recuperação deve ainda levar décadas em razão do reduzido percentual de remanescentes espalhados em milhares de fragmentos isolados já altamente degradados por exploração madeireira predatória e conversão de áreas para atividades agropecuárias no passado.
Atualmente, algumas atividades econômicas são aliadas da recuperação da Floresta com Araucárias, a exemplo do turismo ecológico que está em franco desenvolvimento nas regiões serranas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e se vale do destaque dos pinheiros na paisagem como atrativo turístico. Outra atividade que contribui para a preservação da araucária é a sua semente, o pinhão, altamente nutritivo e apreciado como alimento. A coleta e venda do pinhão gera renda para muitas famílias de coletadores e também para os proprietários de terras.
Essas atividades econômicas, desde que desenvolvidas com os cuidados ambientais necessários, merecem apoio de políticas públicas e devem ser estimuladas ao mesmo tempo, em que deve ser fortemente combatida qualquer tentativa, sob qualquer pretexto, de reabrir o corte ou a exploração madeireira comercial na Floresta com Araucárias sob risco de extinção dos últimos exemplares de araucária, de canela-preta, de canela-sassafrás, de cedro, de peroba e de centenas de outras espécies vegetais e animais que ainda guardam a carga genética e permitem gradual recuperação da floresta.
Outra atividade que merece ser estimulada é o plantio e reflorestamento com araucária, erva-mate, goiaba-serrana e outras espécies, principalmente as frutíferas. Esses plantios podem ser feitos em sistema agroflorestal, permitindo também o consórcio com espécies agrícolas, ampliando a produção de alimentos nas áreas restauradas.
Restaurar é urgente!
A Apremavi atua em ações de conservação e restauração da Floresta com Araucárias. Entre os anos de 2013 e 2015 implementou o Projeto Araucária, que promoveu a restauração de 92 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal em pequenas propriedades rurais, além de plantios em zonas de amortecimento de Unidades de Conservação de Santa Catarina, como o Parque Nacional das Araucárias.
Em 2022 a Apremavi iniciou a implantação do Conservador das Araucárias, projeto em parceria com a Tetra Pak que vai restaurar 7.000 hectares prioritariamente na área de abrangência da Floresta com Araucária em Santa Catarina, no Paraná e em São Paulo.
Autores: Tatiana Arruda Correia, Wigold Schäffer e Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto e Carolina Schäffer.
Foto de capa: Registro da Pinha da Araucária em uma das atividades da Festa da Colheita do Pinhão, por Wigold Schäffer.