Campos de Altitude seguem ameaçados e no centro de disputa judicial

1 set, 2025

Biodiversidade, proteção dos recursos hídricos, beleza cênica, cultura e potencial para o turismo sustentável. Os Campos de Altitude, fitofisionomia única da Mata Atlântica, representam uma inestimável riqueza natural. Mesmo assim, continuam sob ameaça constante, agora intensificada por retrocessos legislativos em Santa Catarina.

Retrocesso na legislação estadual 

Embora a legislação federal brasileira reconheça e proteja os Campos de Altitude como parte da Mata Atlântica, a revisão do Código Estadual do Meio Ambiente de Santa Catarina, em 2022, reduziu drasticamente essa proteção. A nova redação passou a considerar Campos de Altitude apenas as áreas acima de 1.500 metros de altitude, ignorando décadas de definições científicas.

Segundo a Procuradoria Geral da República, essa restrição trazida pela lei de Santa Catarina é inconstitucional, pois contraria normas federais como a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006) e a Resolução CONAMA nº 10/1993, que incluem vegetações campestres situadas em altitudes variáveis, bem abaixo do limite imposto pelo estado. A própria Resolução CONAMA nº 423/2010, baseada no Mapa de Vegetação do Brasil (IBGE, 1988) e no Mapa da Área de Aplicação da Lei da Mata Atlântica (IBGE, 2008), reconhece que os Campos de Altitude ocorrem em ambientes montanos e altomontanos, a partir de 400 metros de altitude em determinadas regiões do país.

Com a mudança trazida pela Lei de Santa Catarina, 96% dos campos naturais catarinenses perderam proteção legal, restando apenas 3,8% do território antes reconhecido. O impacto é direto: a abertura de brechas para a conversão desses ecossistemas em monocultivos agrícolas e de espécies florestais exóticas, como o pinus e o eucalipto, prática já denunciada por cientistas e organizações ambientais.

Conversão acelerada e alerta científico

Em julho de 2025, uma carta publicada na revista Science alertou para o risco que essa interpretação estadual representa para um dos ecossistemas mais ricos e ameaçados do Brasil. Segundo o texto, os Campos de Altitude do sul do país abrigam 1.620 espécies catalogadas de flora, sendo até 25% endêmicas, e fauna singular.

Apesar da importância desse ecossistema, agropecuaristas e empresas do setor florestal têm se aproveitado da definição restritiva do Código Estadual para expandir monocultivos agrícolas e plantações florestais sobre áreas de campos naturais em Santa Catarina, indevidamente desprotegidas pela legislação estadual. Ainda segundo a carta, entre 2008 e 2023, quase 50 mil hectares de campos foram convertidos. Essa conversão de Campos de Altitude gerou autuações do Ibama, as quais estão sob contestação na Justiça Federal e recurso ao Supremo Tribunal Federal, que suspendeu temporariamente as penalidades até decisão sobre a legislação estadual. O Prof. João de Deus Medeiros, um dos coautores da carta publicada pela Science, comenta: “Na publicação fica ressaltada a importância do ecossistema de Campo de Altitude e a ausência de qualquer embasamento técnico-científico para a restrição da sua ocorrência aos terrenos com altitude superior a 1.500 metros, como determinado na lei catarinense”.

Ação Direta de Inconstitucionalidade

A Justiça Federal, em decisão liminar, suspendeu as autuações e sanções do Ibama nas áreas de Campo de Altitude de Santa Catarina, entendendo como válidos os dispositivos da lei catarinense (Lei nº 14.765/2009), que restringem a ocorrência dos Campos de Altitude a áreas com altitude superior a 1.500 metros. O Ibama recorreu à decisão no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tendo o relator da matéria proferido voto que retira a efetividade dos dispositivos da lei estadual.

Entretanto, inicialmente por um pedido de vistas, e posteriormente por decisão cautelar do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, a pedido do Estado de Santa Catarina, restaram suspensos todos os processos que discutam dispositivos da norma catarinense que trata da vegetação dos Campos de Altitude. Essa decisão cautelar do STF, emitida às vésperas da retomada da análise do processo por parte do TRF4, decorre do ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.811/2025, ajuizada pelo Procurador Geral da República, e foi referendada pelo pleno do STF em 22 de agosto de 2025. A suspensão foi determinada, segundo o Ministro do STF, para evitar que decisões judiciais sejam proferidas antes do posicionamento conclusivo do STF sobre o tema.

Linha do tempo resumida dos avanços e retrocessos dos Campos de Altitude. Foto: Wigold Schäffer

Linha do tempo resumida dos avanços e retrocessos dos Campos de Altitude. Foto: Wigold Schäffer

Informações distorcidas

Após o ingresso da ADI, diversos artigos de opinião divulgaram informações distorcidas na imprensa, abrangendo dados falsos sobre as perdas do PIB Estadual e inviabilidade econômica caso prevaleça a aplicabilidade da Lei Nacional sobre o Código Ambiental de Santa Catarina. 

Entretanto, na contramão das falácias, o que prevalece é a veracidade dos fatos científicos: segundo o IBGE, os Campos de Altitude originais ocupavam 11,6% da área de Santa Catarina (11.122 km²). Em 2010, os remanescentes já haviam caído para 1,16%. Hoje, estima-se que apenas 0,64% do território catarinense ainda conserve vegetação nativa desse ecossistema, conforme artigo publicado por João de Deus Medeiros no site do Conselho Regional de Biologia de Santa Catarina.

Esses números ressaltam a importância da conservação dos remanescentes dos Campos de Altitude para evitar a extinção do ecossistema e de suas espécies associadas.

Um compromisso estratégico

Os poucos remanescentes dos Campos de Altitude estão apenas em parte protegidos em Unidades de Conservação ou em áreas pouco favoráveis a outras atividades econômicas. Além disso, práticas como a pecuária extensiva e o turismo sustentável são compatíveis com a conservação, mostrando que a proteção não inviabiliza usos econômicos responsáveis. Proteger os poucos remanescentes que ainda temos precisa ser visto como compromisso estratégico.

A Apremavi corrobora o pedido feito pelos especialistas na carta divulgada pela Science de que o Supremo Tribunal Federal reconheça a inconstitucionalidade da restrição estadual e restabeleça a proteção integral dos Campos de Altitude conforme a legislação federal. Organizações independentes de certificação florestal também são chamadas a revisar seus protocolos para garantir que empresas respeitem, de fato, a legislação ambiental mais protetiva. 

A conservação dos Campos de Altitude é urgente e depende de ação coordenada entre o Judiciário, órgãos ambientais e a sociedade civil para evitar a perda irreversível da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

 

Coxilha Rica

Coxilha Rica (Lages/SC), uma das áreas de Campos de Altitude, convertidas de forma ilegal e que estão no centro da disputa judicial. Foto: Wigold Schäffer.

Autora: Thamara Santos de Almeida com informações obtidas em artigos publicados por João de Deus Medeiros.
Revisão: Carolina Schäffer e Wigold Schäffer.
Foto de capa: Wigold Schäffer.

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