Carlos Nobre: “Podemos já ter atingido o 1.5°C acima da temperatura pré-industrial”

12 ago, 2024 | Mudanças Climáticas, Notícias

Referência sobre mudanças climáticas, o pesquisador Carlos Nobre alerta para a emergência climática atual, suas consequências e o que precisamos fazer.

Na última quarta (07/08) Carlos Nobre, renomado climatologista brasileiro, reconhecido internacionalmente por seu trabalho pioneiro em mudanças climáticas e seus impactos na Amazônia, ministrou uma palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nobre é membro da Academia Brasileira de Ciências e foi agraciado com diversos prêmios, incluindo o Prêmio Nobel da Paz em 2007, como integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

“Extremos Climáticos: Romper com o negacionismo, superar a crise” foi o título da palestra que ocorreu por mais de uma hora. Na oportunidade, tensão e curiosidade permeiam os sentimentos dos  presentes de forma atenta a fala no final de um dia chuvoso. Ele não apenas expôs a gravidade do cenário climático atual, mas também destacou a responsabilidade global, e particularmente brasileira, em tomar medidas urgentes e efetivas para conter o avanço do aquecimento global; enfatizou que já estamos enfrentando consequências severas, com eventos climáticos extremos se tornando mais frequentes, e que o tempo para ação é agora.

 

1,5° graus de aumento na temperatura 25 anos antes

A palestra iniciou com a explanação dos recordes globais de aumento na temperatura.  Julho de 2024 marca o 13º mês em que a temperatura global atingiu 1,5°C acima da temperatura pré-industrial. O mês ficou 1,50°C acima da média estimada de junho no período de 1850-1900, janela temporal de referência pré-industrial. Assim, o mundo já está atingindo ou superando o limite de 1,5°C firmado no Acordo de Paris.

A ciência ainda está tentando explicar se de fato já chegamos neste aumento de 1,5°C e quais os fatores responsáveis, um deles pode ser o derretimento do gelo no Oceano Antártico que foi muito rápido nos últimos anos. Esse aumento era o que não queríamos que chegasse em 2050, se ela já chegou em 1,5°C temos que torcer para que não passe de 2°C. As metas vão precisar ser muito mais ambiciosas na COP30 em Belém, por exemplo”, destacou Nobre.

 

Palestra Carlos Nobre

Apresentação sobre os dados de aumento da temperatura média no Brasil, evidenciando que 2023 foi o ano mais quente da série histórica. Foto: Thamara Santos de Almeida.

Eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes

Ondas de calor, enchentes – como as de maio de 2024 no Rio Grande do Sul – e a seca na Amazônia em 2023 e 2024 em um cenário de emergência climática serão cada vez mais frequentes. Carlos relata a disparidade das pessoas mais afetadas e como não estamos adaptados a ondas de calor: “Nós e nem nossos ancestrais não evoluíram com o clima que nós estamos vivendo no planeta, neste contexto bebês e idosos são os mais prejudicados”.

Estima-se que entre 2000 e 2018 mais de 48 mil pessoas morreram por ondas de calor no Brasil, na Europa só em 2022 foram 62 mil. Essas ondas de calor são ainda mais agravadas pela urbanização, uma vez que ambientes com cobertura vegetal conseguem absorver e reter mais calor, devido a maior quantidade de plantas disponíveis e a penetração do solo. Isso demonstra a importância de áreas conservadas e a necessidade de iniciativas nas áreas a serem restauradas nas cidades para enfrentarmos esses extremos.

 

Negacionismo científico: um grande desafio

O negacionismo científico, forma de escapar de uma verdade seja ela um fato histórico ou científico, representa um grande desafio rumo às soluções que precisamos no combate ao aumento da temperatura. Entre os exemplos podemos citar os movimentos terraplanistas e antivacinas, que acabam espalhando mentiras (fake news) com graves consequências. Negacionistas atrasam a execução de planos e ações e colocam vidas em risco.

Na oportunidade, o cientista argumentou contra algumas ideias negacionistas. Por exemplo, de que não há consenso sobre a causa das mudanças climáticas:  atualmente 99% dos cientistas concordam que as atividades humanas são a principal causa do aumento da temperatura da Terra. Além da existência de invernos desequilibrados e dias com recordes de frio. Ele comenta que apesar da existência de nevascas em algumas regiões do mundo os recordes de frio estão se tornando menos comuns do que dias recordes de calor.

 

O que precisa ser feito para evitar cenários ainda piores

Por fim, no âmbito brasileira ele relata que o Brasil tem a oportunidade de protagonizar alguns acordos, como o 60% de redução de emissões per capita por meio do desmatamento zero em todos os biomas, assim como a restauração de 12 milhões de hectares até 2030. Além disso, até 2040 é possível  ter emissões líquidas zero com 100% de energia limpa e renovável e após 2040 com emissões líquidas negativas, por meio da agricultura neutra em carbono, uso eficiente da terra e restauração em larga escala.

Confira algumas mensagens-chave de Nobre na conclusão da palestra:

  • O Brasil deve implementar suas ambiciosas metas de NDCs até 2030, e pode tornar-se o primeiro país de grandes emissões a atingir o net zero antes de 2040.
  • O Brasil deve tornar-se mais ambicioso, acelerar políticas públicas e práticas de adaptação e aumento da resiliência em todos os setores e manter o apoio à geração de conhecimento científico.
  • É preciso o aperfeiçoamento de sistemas de previsão e alertas de desastres causados por extremos climáticos e proteger as populações em áreas de risco e todas populações vulneráveis a ondas de calor.
  • As ações de prevenção e controle do desmatamento,  degradação florestal e incêndios nos biomas deve ser intensificada.
  • Urge o desenvolvimento de uma política pública de arborização urbana e investir no planejamento integrado de soluções baseadas na natureza, componentes  essenciais para resiliência urbana
  • O Brasil, com seus estados, cidades, sociedade civil, setor privado e financeiro, deve caminhar urgentemente na busca da sustentabilidade como nosso principal legado para as futuras gerações.
  • As novas gerações devem assumir a liderança na busca de trajetórias de sustentabilidade para o planeta, com ênfase em justiça social e climática, e principalmente via empoderamento dos jovens e mulheres

Carlos Nobre nos deixa um chamado urgente à ação, ressaltando que o tempo para evitar os piores cenários climáticos está se esgotando rapidamente. Já podemos estar vivenciando o marco de 1,5°C de aquecimento, um limite que se pensava distante, mas que agora exige de nós uma resposta imediata e transformadora. Frente à emergência climática, Nobre nos inspira a romper com o negacionismo e a lutar por um planeta habitável para todas as espécies, onde o Brasil, com sua vasta biodiversidade e potencial para conservação e restauração pode liderar essa mudança. As futuras gerações dependem de nossas escolhas hoje, e só através da coragem, motivação e solidariedade teremos chance de evitar os piores cenários.

 

Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto.

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