Cenários extremos reforçam a inação do Estado sobre as mudanças climáticas

10 maio, 2024 | Notícias

A tristeza em relação ao mais recente evento climático extremo no Rio Grande do Sul é amplificada pelo descaso dos governantes em se preparar para o enfrentamento da situação. A realidade do nosso tempo está posta: será de vulnerabilidade constante e cenas como as enfrentadas pelos gaúchos agora, os capixabas no início do ano e os catarinenses no final de 2023. Escolher ignorar os efeitos das mudanças no clima é condenar a vida. 

Os modelos científicos já estão misturados à realidade de eventos climáticos – cada vez mais – extremos. Lançado nesta semana, o relatório Estado do Clima na América Latina e no Caribe 2023 da Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou que o ano passado foi de longe o mais quente registrado. O nível do mar continuou a subir a uma taxa mais alta do que a média global em grande parte da porção atlântica da região, ameaçando áreas costeiras e pequenos Estados insulares em desenvolvimento. A publicação registrou 12 eventos climáticos extremos no Brasil, sendo 9 deles considerados incomuns e 2 sem precedentes. 

O estudo evidencia o desequilíbrio em que a Terra se encontra e seus efeitos na vida das pessoas: a intensa seca de 2023 reduziu o Rio Negro, na Amazônia brasileira, para seu nível mais baixo em mais de 120 anos de observações, enquanto no município de São Sebastião (SP), 683mm de chuva se acumularam em 15 horas, desencadeando um deslizamento de terra que resultou em pelo menos 65 mortes. É preciso reforçar o que já está estabelecido: eventos dessa natureza não são casos isolados, tragédias ou desastres naturais. Afastar a responsabilidade dos que agravam a emergência climática ou são omissos às suas consequências significa agravar a crise e adiar a construção de soluções que já deveriam estar implantadas.

> Leia os destaques do relatório

Por isso, é preciso cobrar ações de adaptação e mitigação e para a resiliência de cidades e comunidades desde já, buscando atenuar os efeitos e promover assistência aos que serão afetados. Essa não é uma demanda nova, mas o aumento dos desastres socioambientais, como a tragédia em Petrópolis (RJ – 02/2022) onde pelo menos 178 pessoas perderam a vida; as últimas enchentes no Alto Vale do Itajaí (SC – 2022 e 2023) e mesmo as enchentes e ondas de calor no RS que ocorram no último ano (junho, setembro e novembro), deixando 80 mortos, mostra que estamos vivendo uma realidade para a qual não estamos preparados para agir, estamos apenas reagindo quando o caos se instaura.

Formular planos de contingência, investir em soluções baseadas na natureza para minimizar os impactos e executar obras de infraestrutura são ações primordiais para a proteção das cidades, mas tudo isso apenas reage às consequências, sem avançar sobre as causas do desequilíbrio climático e da paisagem. Ao mesmo passo que o Congresso Nacional discute agora como auxiliar financeiramente o estado do Rio Grande do Sul, estão em aprovação medidas para enfraquecer a legislação socioambiental e, dessa forma, tornar as pessoas ainda mais vulneráveis a enchentes, ondas de calor, ciclones extratropicais, deslizamentos e tantas outras consequências imensuráveis que estão no luto de quem enfrenta um evento climático extremo.

 

Eldorado do Sul (RS), 09/05/2024. Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini.


A incoerência entre discurso e ação também é observada no
Rio Grande do Sul: em 2020 o Código Ambiental do estado teve alterações em mais de 500 pontos. Entre as mudanças mais significativas está o “autolicenciamento ambiental”. Prevista como Licença Ambiental por Compromisso (LAC), a autorização para empreendimentos é concedida em até 48 horas pelo sistema online do órgão de licenciamento ambiental. Também foram promovidas flexibilizações nas normas de proteção das Unidades de Conservação estaduais.  

“A legislação ambiental foi feita para ser cumprida. Há um motivo para ela existir. Se existe uma Área de Preservação Permanente que precisa ser protegida ou restaurada é, principalmente, porque estas são áreas de risco… uma beira de rio é onde a água vai espraiar. Uma encosta de morro é APP porque existe risco de deslizamento.”
Miriam Prochnow, co-fundadora da Apremavi e coordenadora de projetos na ​​live beneficente em prol das vítimas do RS, realizada por Raony Rossetti em 08/05/2024.

A realidade do RS tem inspirado a solidariedade em todo o Brasil, e desde já deve motivar também a indignação e priorização da emergência climática nos debates e escolhas políticas. Não se trata de apontar culpados, mas de entender que pautar (ou não) os efeitos da mudança no clima é uma escolha política, e nessa escolha está a vida da população. 

Somos filhos da época
e a época é política.
(…)
O que você diz tem ressonância;
e o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.
Filhos da época – Wisława Szymborska

Autor: Vitor Lauro Zanelatto.
Revisão: Carolina Schäffer e Thamara Santos de Almeida.
Foto de capa: Eldorado do Sul (RS), 09/05/2024. Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini.

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