Educação climática nas escolas: o futuro começa aqui
“Chegamos a este ponto: as crianças precisam pedir aos adultos que sejam adultos. Que tenham limites e se responsabilizem” – Eliane Brum.
A emergência climática é um tema complexo e desafiador de ser comunicado. As múltiplas faces do tema, desde sua origem pelas diversas formas de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), aspectos sociais e políticos da responsabilidade histórica das emissões, acordos internacionais pela redução das emissões e as consequências nos territórios devem ser abordadas com assertividade, buscando empoderar mais pessoas para discutir o tema e defender mudanças de paradigma que contribuam para o controle da temperatura global e suas consequências.
Há muito, a questão transborda as discussões na esfera ambiental. Cada vez mais, os debates e estudos sobre racismo ambiental [política, prática ou diretiva que afete de forma diferenciada ou prejudique – intencionalmente ou não – indivíduos, grupos e comunidades com base na raça ou cor]; justiça ambiental [conjunto de princípios e práticas que asseguram que nenhum grupo social suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas] e as intersecções entre gênero e clima têm demonstrado a necessidade de mudar o eixo das discussões e promover diversidade nos espaços de decisão sobre a emergência climática.
Neste cenário, a inclusão da educação climática como componente dos currículos escolares da educação básica é um esforço necessário, não apenas na busca por uma maior participação social na temática. O avanço ocorre também no desenvolvimento de ambientes escolares conectados com o presente e com os territórios, capazes de escutar os estudantes, seus saberes prévios e inquietações sobre como na prática, a mudança no clima afeta a vida cotidiana, e promovendo ambientes onde as pessoas sejam também cidadãos; ativos no enfrentamento das mudanças climáticas.
Se impõe não apenas um tema de relevância incontestável para todos os estudantes, mas o desafio de imaginar uma nova epistemologia, capaz de promover conexões, não apenas entre as disciplinas, mas entre saberes valiosos para imaginar o futuro, como o profundo conhecimento dos povos da floresta para a conservação da biodiversidade e o reconhecimento das contribuições da natureza para as pessoas, imprescindíveis para enfrentar a crise climática.
No Dia Internacional da Juventude de 2021, 12 jovens de 16 a 24 anos lançaram o Manifesto Pela Educação Climática nas Escolas, partindo das próprias experiências como jovens estudantes para pensar uma outra experiência escolar, capaz de debater e formular respostas às crises locais e globais. As propostas do manifesto buscam, de forma integrada, garantir que as discussões sejam pautadas pelos conhecimentos científicos e pela experiência dos alunos em seus territórios:
Propostas por uma educação climática no Ensino Básico Brasileiro:
∙ Implementar educação climática em todas as escolas do Ensino Básico do Brasil, sejam elas públicas ou privadas;
∙ Garantir que os planos didáticos incluam conteúdo científico atualizado, desenvolvendo habilidades para além do foco no vestibular;
∙ Incentivar os alunos a se tornarem protagonistas de suas vidas, através de engajamento com atividades extracurriculares conectadas a suas localidades e integradas aos movimentos mundiais;
∙ Promover formação aos professores e à comunidade escolar nos temas relacionados à crise climática e sustentabilidade e incentivá- los a incluir as pautas em diversas disciplinas, já que este é um assunto complexo e multidisciplinar;
∙ Aproximar os alunos com o meio ambiente, através de vivências escolares que os conectem com outros espaços em sua comunidade, buscando desenvolver esse contato e preocupação com a natureza;
∙ Preparar os ambientes físicos das escolas para se adaptarem às novas realidades climáticas como alagamentos, calor, falta de luz, insegurança alimentar e tantas outras.
Gabriel Adami, co-autor do manifesto, relatou os avanços na jornada para a transformação da proposta em política pública: “O manifesto foi criado por 12 jovens de diversas visões diferentes, sob um eixo principal: a defesa e a garantia de uma educação interseccional entre os tópicos das mudanças climáticas e a crise gerada através dela, sendo entregue para diversas autoridades em eventos internacionais e nacionais”.
O jovem ativista fez uma análise nos avanços após a publicação do manifesto, como a aprovação da implementação da educação climática no município e no estado do Rio de Janeiro, e a apresentação de um novo projeto de lei na Câmara dos Deputados para incluir a educação climática como base da educação escolar (PL 2964/2023), de autoria da deputada Duda Salabert e dos deputados Pedro Campos e Amom Mandel, ainda em estágio inicial de tramitação.
Após a aprovação de uma legislação dedicada ao tema, será preciso muito trabalho para preparar aulas que de fato conectem-se a realidade dos estudantes, conforme destaca Adami: “Defendemos a implementação de uma educação climática voltada para as vivências regionais, pelas especificidades de cada estado e da urgência de uma conscientização e posterior enfrentamento da crise climática a partir da base educacional. A crise climática torna urgente o papel desse Manifesto em todas as instâncias de poder do Brasil, de modo que possamos cada vez mais avançar nessa política tão essencial à vida dos jovens“.
Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento em vigor atualmente no para o estabelecimento dos conteúdos a serem pautados em sala de aula, a temática das mudanças climáticas é mencionada somente três vezes, de forma genérica e nada propositiva. O necessário processo em curso de mudanças nas diretrizes e bases da educação nacional é momento oportuno para apensar ao currículo os debates que a todos nós pertencem sobre a mudança no clima.
Atividade do Grupo Plantando o Futuro em Atalanta, 2019. Foto: Arquivo Apremavi.
A contribuição da Apremavi: ações em centros de ensino catarinenses
Além de receber estudantes e outros grupos em sua sede para contribuir na troca de saberes sobre conservação e restauração ecológica, defesa de políticas públicas e produção de mudas nativas, sempre que possível a Apremavi antende os convites para ir até a sala de aula e conduzir momentos formativos sobre as temáticas que defende em sua atuação. No mês de outubro, três atividades foram realizadas, colocando no centro do debate a emergência climática.
Mudança no clima, temperatura e calor: temas para falar com o Ensino Médio
Na última semana a Apremavi esteve na E.E.B. Dr. Frederico Rolla para trocar ideias com os estudantes sobre as mudanças climáticas, com ênfase nos efeitos sobre as cidades e comunidades. A apresentação da co-fundadora da Apremavi, Miriam Prochnow, integrou o circuito do projeto ‘Temperatura e Calor’, desenvolvido pela professora Margaret Dalabeneta e pelos estudantes da 2ª Série, que seguem o currículo do Novo Ensino Médio (NEM).
O objetivo principal do projeto desenvolvido na escola de Atalanta (SC) é conceituar, diferenciar e reconhecer os efeitos e as causas da temperatura e do calor em nossas vidas e no nosso cotidiano, utilizando para isso associações com “assuntos quentes” em debate na sociedade. Por isso, o diálogo sobre a emergência climática nas escolas é tão oportuno.
A professora Margaret, que atua há muitos anos na E.E.B. Dr. Frederico Rolla, explica a motivação para este, que é o mais recente dos muitos projetos elaborados por ela para relacionar o conteúdos dos livros didáticos com a percepção da vida cotidiana: “Os efeitos causados pelas mudanças climáticas tão presentes em nosso dia a dia e o aquecimento global que está trazendo a ocorrência de fenômenos naturais cada vez mais desastrosos é, com certeza, um dos principais pontos a ser levado em consideração para se discutir, em sala de aula o tema proposto: Temperatura e Calor”.
O tema do projeto vai de encontro com os conteúdos de termodinâmica estudados na grade curricular de Física. Nesse sentido, trazer a discussão para a sala de aula e levar os alunos a se perceberem como agentes possíveis de transformação e de mudança de hábitos é essencial para uma formação conectada com os desafios globais e locais da atualidade, que são tão frequentes e destruidores. Segundo a professora, esse é o ponto de partida para incentivar os alunos a pesquisar e investigar o que o município de Atalanta já vem fazendo sobre o assunto.
Margaret ainda explica o convite para a Apremavi contribuir no projeto: “Para essa discussão a presença da Apremavi é a nossa maior referência. Assim, a ambientalista e também pedagoga, Miriam Prochnow foi convidada para abordar o tema Calor e o Meio Ambiente, trazendo para os alunos dados e imagens impactantes sobre as mudanças climáticas que ocorrem em todo planeta, e que, infelizmente, estão cada vez mais próximo de nós. Penso que através da pesquisa nos três pontos levantados com o tema em questão que são, o calor na indústria, o calor na construção civil e o calor no meio ambiente, os alunos poderão perceber o quão importante e urgente é a busca por soluções visando amenizar esses efeitos”
Os estudantes foram desafiados a relacionar teoria e prática: com um olhar atento para além dos muros da escola, eles devem identificar as principais indústrias emissoras de gases de efeito estufa, relacionando-as com ilhas de calor, além de demonstrar como o controle adequado do calor é importante na construção de residências, escolas e escritórios. Dessa forma, as disciplinas das Ciências Exatas podem ser exploradas de forma conectada.
A capacidade de adaptação e resiliência dos ambientes antrópicos também esteve em discussão, já que um dos objetivos do projeto busca a identificação dos pontos de “áreas verdes” (áreas arborizadas em adensamentos populacionais), relacionando-os ao combate às ilhas de calor. Miriam apresentou dados que mostram a gravidade do aumento da temperatura no planeta e como isso está trazendo consequências cada vez mais dramáticas para a vida de todas as espécies.
Miriam também falou do trabalho desenvolvido pela Apremavi, preservando e restaurando florestas, especialmente em propriedades rurais, mas que também apoia o plantio de bosques em praças, parques e outras áreas arborizadas em cidades, e destacou a importância desse diálogo: “O projeto que está sendo desenvolvido na escola mostra como o trabalho com os conteúdos curriculares pode ser integrado com a realidade. Esse tipo de abordagem pedagógica deveria ser cada vez mais utilizada porque estimula o envolvimento dos alunos na resolução de um problema concreto. Isso também desenvolve nos alunos um sentimento importante de cidadania”.
> Conheça as orientações da Apremavi para plantios em cidades, no livro ‘No Jardim das Florestas’
Palestra ministrada por Miriam aos estudantes de Atalanta. Foto: Margaret Delabeneta.
Apremavi mostra na prática como a restauração ecológica é realizada em aula na Unesc
No dia 27 de outubro a Apremavi ministrou uma aula para a disciplina de Restauração Ecológica do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense.
Durante a transmissão foram contextualizadas algumas das crises socioambientais que as sociedades enfrentam, como a emergência climática e a perda da biodiversidade, bem como as consequências para todas as formas de vida. Também foram apresentadas metas nacionais e globais de restauração e a importância do cumprimento do Código Florestal no contexto da Mata Atlântica. Por fim, a história, a atuação, o trabalho e os projetos da Apremavi foram divulgados como um exemplo de aplicação da restauração ecológica, na prática.
A aula foi conduzida por Miriam Prochnow, co-fundadora, diretora e coordenadora de projetos da Apremavi, e por Thamara Santos de Almeida, bióloga, pesquisadora e comunicadora na instituição. “Restaurar ecossistemas é uma das formas mais eficientes de se combater os efeitos das mudanças climáticas e o envolvimento da academia em ações concretas é fundamental para que se alcancem as metas nacionais estabelecidas“, comenta Miriam.
Após a explanação, os alunos realizaram diversos questionamentos, como por exemplo sobre as possibilidades de mudanças no Código Florestal e ataques à legislação, os efeitos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade e a articulação de movimentos sociais, além de parabenizar a atuação da Apremavi na luta pela restauração e conservação da Mata Atlântica.
“Eu acredito que a Apremavi desenvolve um dos trabalhos mais importantes que temos na nossa região, que é degradada. O trabalho de vocês me reacendeu a vontade de continuar na Biologia, no meu mestrado aborda a temática de restauração por conta da Apremavi”, compartilhou André Gustavo Francisco de Moraes, pesquisador de mestrado em Ciências Ambientais da Unesc na sessão de perguntas da aula aberta.
O professor Carlyle Torres Bezerra de Menezes, responsável pela disciplina, relatou a importância de momento como esses para os alunos: “A aula aberta se revestiu de uma grande importância no contexto da formação acadêmica dos alunos, pois possibilitou um diálogo e conhecimento das ações, experiências e projetos que estão sendo desenvolvidos por uma instituições mais importantes no Brasil no campo da Restauração Ecológica, além de abrir possibilidades de intercâmbio e estágios e parcerias futuras em ações concretas em pesquisas básicas e aplicadas”.
Registro da aula ministrada pela Apremavi. Figura: Equipe de comunicação da Apremavi.
Debate com futuros educadores
Atendendo um convite da Professora Kátia Raquel Testoni Longen, no dia 30 de outubro Miriam Prochnow esteve no Polo da Uniasselvi de Agrolândia (SC), conversando com as formandas do Curso de Pedagogia. O objetivo era falar sobre ações de Educação Ambiental, com ênfase na emergência climática. A ação vai de encontro com o objetivo de formar professores capacitados para promover a educação ambiental com crianças da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental de forma contínua.
Miriam iniciou a apresentação falando sobre os desafios ambientais globais e a importância de que educadores estejam bem informados e bem preparados quando trabalharem esses assuntos com crianças e jovens: “é fundamental obter dados de fontes seguras e confiáveis, como por exemplo os relatórios do IPCC, quando se trata de mudanças climáticas”, ressaltou Miriam. Também se debateu a necessidade de que a questão ambiental seja abordada de forma transversal, em todo o currículo e não apenas como uma matéria específica, para que sejam obtidos resultados mais concretos e efetivos.
Segundo Kátia, que coordena os cursos de licenciatura no polo da faculdade, as trocas foram muito proveitosas: “Foi um bate papo extremamente produtivo e esclarecedor, onde as acadêmicas puderam perceber o quão importante é trabalhar este tema com alunos da educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental sempre que se fizer necessário, buscando atuar interdisciplinarmente, constantemente, partindo do seu entorno, do seu espaço até chegar ao planeta Terra, sentindo-se pertencente a ele e responsável pela sua continuação.
Kátia ainda compartilhou que uma das teses do Patrono da Educação Brasileira foi rememorada durante a palestra: Paulo Freire defende a teoria de que somos inacabados e vivemos num constante vir-a-ser, transformando-nos todos os dias e transformando o local onde moramos. A consciência de nosso inacabamento, que nos difere dos animais, é o que nos torna pessoas com compromissos éticos em relação ao mundo em que vivemos.
A experiente professora sintetizou sua fala aos docentes em formação com um provérbio indígena: “Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, que as pessoas vão perceber que não podem comer dinheiro”.
> Materiais educativos para falar de crise climática com crianças
Ao final, os participantes do debate receberam publicações da Apremavi e mudas de árvores nativas. Foto: Divulgação/Uniasselvi polo Agrolândia.
Fontes Consultadas/Leituras Recomendadas
BRUM, Eliane. As crianças tomam conta do mundo. 2019. El País Brasil. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/27/opinion/1551290093_277722.html. Acesso em: 30 out. 2023.
GRANDISOLI, Edson. Educação climática: respostas para o presente e futuro. 2021. Porvir. Disponível em:https://porvir.org/educacao-climatica-respostas-para-o-presente-e-futuro/. Acesso em: 26 out. 2023.
FUENTES, Patrick. Racismo ambiental é uma realidade que atinge populações vulnerabilizadas. 2021. Jornal da USP. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/racismo-ambiental-e-uma-realidade-que-atinge-populacoes-vulnerabilizadas/. Acesso em: 26 out. 2023.
FRIDAYS FOR FUTURE & CLIMATE REALITY PROJECT BRASIL. Manifesto Jovens Pela Educação Climática. 2021. Climate Reality Project. Disponível em: https://www.climaterealityproject.org.br/manifesto-pela-educacao-climatica. Acesso em: 26 out. 2023.
HENRIQUES, Ricardo. Mudanças educacionais e climáticas são urgentes. 2023. O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/ricardo-henriques/coluna/2023/10/mudancas-educacionais-e-climaticas-sao-urgentes.ghtml. Acesso em: 30 out. 2023.
LOUBACK, Andréia Coutinho (org.). De Onde Partimos: justiça ambiental e racismo ambiental. In: LOUBACK, Andréia Coutinho (org.). Quem Precisa de Justiça Climática no Brasil? Brasília: Observatório do Clima, 2022. Cap. 1. p. 28-34.
STEVENSON, Robert B.; NICHOLLS, Jennifer; WHITEHOUSE, Hilary. What Is Climate Change Education? Curriculum Perspectives, [S.L.], v. 37, n. 1, p. 67-71, abr. 2017. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s41297-017-0015-9.
Autor: Vitor Lauro Zanelatto | Revisão: Carolina Schäffer
Colaboração: Miriam Prochnow, Thamara Santos de Almeida, Kátia Raquel Testoni Longen, Margaret Delabeneta e Gabriel Adami.
Foto de capa: Atividade associada ao movimento Fridays For Future promovida pelo grupo Plantando o Futuro, em parceria com a Apremavi (2019). Foto: Arquivo Apremavi.