Expedição Pampa identifica ações para a conservação e valorização do bioma

22 out, 2025

Entre os dias 06 e 13 de outubro, o Observatório do Código Florestal (OCF) percorreu cerca de 1.800 quilômetros pelo Pampa em uma jornada de escuta e troca de saberes sobre a implementação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa no bioma. 

A Expedição Pampa teve como propósito dialogar com produtores rurais, comunidades tradicionais, pesquisadores, organizações sociais e órgãos públicos para compreender os desafios e oportunidades da aplicação do Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012) no bioma e buscar caminhos para fortalecer a conservação e a produção sustentável.

A ação integra um movimento nacional do OCF, que tem visitado diferentes biomas brasileiros para levantar percepções locais sobre o cumprimento da lei, fomentar a troca de experiências e contribuir com conhecimento técnico que auxilie na sua regionalização. A Apremavi acompanhou a expedição, compartilhando aprendizados das iniciativas de conservação e restauração da vegetação nativa desenvolvidas na Mata Atlântica e  ações para a valorização dos modos de vida locais que sustentam os territórios.

Um roteiro de aprendizados e conexões

Ao longo de oito dias e dez paradas, a expedição percorreu municípios emblemáticos do Pampa, reunindo representantes de diversas áreas. O primeiro encontro, realizado no Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reuniu os pesquisadores Valério Pillar, Gerhard Overbeck e Carlos Nabinger; e também a promotora de justiça Annelise Steigleder. As discussões destacaram a necessidade de maior visibilidade para a proteção e valorização das particularidades do bioma, que segue ameaçado pela conversão de áreas naturais, especialmente pelo avanço de culturas agrícolas extensivas, como  soja e silvicultura.

“Talvez uma possibilidade é que o Pampa tivesse mais Áreas de Preservação Ambiental (APAs), que permitissem conciliar a presença do gado com a conservação do território. Hoje, não temos uma legislação que realmente proteja o Pampa e sua paisagem cultural”, comenta Annelise Steigleder, promotora de justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Segundo os pesquisadores, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa não reflete bem as especificidades do Pampa, onde as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) são pequenas e não representam o ecossistema campestre. Foi apontado que muitas áreas são convertidas antes da obtenção das licenças adequadas, e que há uma defasagem significativa entre os dados declarados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a realidade mapeada por sistemas de monitoramento, como o MapBiomas.

“A partir do que foi declarado no CAR e o que consta de vegetação nativa, a conta não fecha. Foram declarados cerca de 4 milhões de hectares de áreas nativas no CAR, mas o MapBiomas mostra 8 milhões. Há um déficit evidente. Muitas pessoas foram orientadas a declarar campos com gado como áreas de uso antrópico, e por isso esses campos não aparecem como vegetação natural”, relata Valério Pillar, pesquisador do departamento de Ecologia da UFRGS.

Na sequência, a expedição passou por Tapes, visitando a Rota dos Butiazais e conhecendo a Fazenda Três Irmãos, que alia turismo rural e conservação de butiás, espécie símbolo da sociobiodiversidade do Pampa. Em São Lourenço do Sul, o grupo foi recebido pelo Kilombo Boqueirão, exemplo de resistência cultural e preservação dos saberes ancestrais. Em Pelotas, a visita à Charqueada São João resgatou a história do ciclo do charque, que moldou a economia e a cultura da região.

A jornada seguiu para Candiota, onde a equipe conheceu a Rede de Produção de Sementes Agroecológicas Bionatur, empresa de produção de sementes orgânicas mantida por grupos de assentados da Reforma Agrária.  O encontro ressaltou a importância de políticas que considerem as especificidades locais para fortalecer a agricultura sustentável frente à expansão das monoculturas. Em Bagé, na propriedade das irmãs Collares, a expedição observou na prática como o manejo pastoril adequado pode conservar biodiversidade e cultura, reafirmando o papel da pecuária familiar como aliada da sustentabilidade. A comunidade e proprietários juntamente com outros municípios buscam impedir atividades de  mineração, pretendidas na região. 

Nos últimos dias, entre Dom Pedrito e Caçapava do Sul, a equipe visitou vinhedos e olivais que demonstram como a produção de uvas e oliveiras pode coexistir com a conservação das paisagens naturais. Experiências em propriedades como Guatambu, Palomas e Olivopampa mostraram práticas que reduzem o uso de agrotóxicos, recuperam o solo e preservam a vegetação nativa. 

A Estância Guatambu retrata uma grande propriedade que, além da agricultura e pecuária, possui também o plantio de uvas. O diferencial está nas práticas sustentáveis adotadas pelo produtor, que utiliza produtos biológicos no cultivo de  soja, no arroz e nas pastagens. A propriedade conta com uma biofábrica que produz insumos a partir de bactérias e abriga uma das maiores vinícolas da região. 

O roteiro encerrou-se em locais emblemáticos, como o Parque Natural Municipal da Pedra do Segredo e as Guaritas do Geoparque Caçapava, destacando o potencial do turismo de natureza e da economia de base local.

Equipe da Expedição Pampa e membros do Kilombo Bokeirão em São Lourenço

Expedição Pampa realizada pelo Observatório do Código Florestal entre os dias 06 e 13 de outubro. Fotos: Thamara Santos de Almeida, Leandro Casanova e Manoela Meyer.

Documento técnico e recomendações

Ao final da expedição, o Observatório do Código Florestal entregou um documento técnico com recomendações e propostas de políticas públicas para a conservação e valorização do Pampa. O material foi apresentado na Assembleia Legislativa e à Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul (SEMA), em reuniões com o deputado estadual Miguel Rossetto e a secretária Marjorie Kauffmann.

O levantamento destaca a vocação produtiva do bioma, com potencial para a produção de carne de alta qualidade, vinho, azeite e lã, e aponta desafios como a perda acelerada da vegetação nativa, a baixa cobertura por Unidades de Conservação (apenas 3%), e a lentidão na análise dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR), dos quais menos de 1% foram avaliados no estado.

Entre as propostas apresentadas, estão:

  • Avançar na implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA);
  • Reconhecer os pecuaristas familiares como comunidades tradicionais;
  • Criar uma política estadual de pagamento por serviços ambientais;
  • Fortalecer o Zoneamento Ecológico-Econômico com base científica e participação social;
  • Fomentar o mercado de restauração da vegetação campestre e o turismo sustentável;
  • Estabelecer territórios livres de mineração e áreas livres de pulverização de agrotóxicos.
Por um Pampa vivo e sustentável

O documento reforça que, se o Rio Grande do Sul pretende que o Pampa seja protagonista na construção de um futuro mais justo, resiliente e sustentável, é essencial fortalecer a governança ambiental participativa, reconhecer os direitos das comunidades locais e promover uma economia de baixo carbono.

“O Pampa tem papel estratégico para o desenvolvimento inclusivo e rentável do Rio Grande do Sul. Queremos fortalecer o diálogo para que as políticas públicas considerem as realidades e potencialidades do território”, afirmou Marcelo Elvira, secretário executivo do Observatório do Código Florestal.

A Expedição Pampa foi um convite à escuta, à valorização dos saberes locais e à construção conjunta de soluções para a proteção do bioma; conservando sua biodiversidade, cultura e a identidade de quem integra essa  paisagem.

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Sobre o Observatório do Código Florestal

É uma rede de 48 organizações da sociedade civil criada em 2013 com o objetivo de monitorar a implementação bem-sucedida da Lei de proteção da vegetação nativa (Lei Federal nº 12.651/2012). Tem como propósito fortalecer o papel da sociedade civil na defesa da vegetação nativa brasileira e articular com os mais diversos atores pela proteção da vegetação nativa, produção sustentável e recuperação de ambientes naturais.

> Conheça 

Autora: Thamara Santos de Almeida e Leandro Casanova com informações do Observatório do Código Florestal
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto (Apremavi), Willian Oliveira e Carolina Duccini (Observatório do Código Florestal)
Foto de capa: Vitor Lauro Zanelatto

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