Litigância climática: instrumento de enfrentamento à mudança no clima
Litigância climática é um conceito jurídico que envolve processos relacionados a questões de fato ou de direito sobre a mitigação, adaptação ou ciência das mudanças climáticas. Esses casos, levados a diferentes instâncias judiciais e administrativas, buscam responsabilizar governos e empresas por ações que contribuem para o aquecimento global e seus efeitos, como a elevação do nível do mar, emissões de gases de efeito estufa e impactos no ecossistema. Além dos termos específicos como “mudança climática” e “gases de efeito estufa”, casos que não mencionam explicitamente esses conceitos, mas levantam questões relevantes, também são considerados parte da litigância climática. No entanto, processos que apenas mencionam de forma incidental o tema, sem tratar diretamente de políticas ou leis climáticas, são excluídos dessa categoria.
“A litigância climática oferece à sociedade civil, indivíduos e outros uma possível via para lidar com respostas inadequadas de governos e do setor privado à crise climática.”
Relatório Global de Litigância Climática de 2023.
O tema tem ganhado destaque globalmente, inclusive no Brasil, como uma ferramenta para responsabilizar agentes que falham em cumprir compromissos ambientais ou que promovem emissões excessivas de poluentes. Frequentemente, organizações do terceiro setor e ministérios públicos lideram essas ações, denunciando a falta de ação diante das crises ambientais que afetam diretamente a vida de milhões de pessoas, especialmente nas regiões mais vulneráveis.
Embora inicialmente associada a questões ambientais, a litigância climática também lida com os impactos sociais, econômicos e humanitários resultantes das mudanças climáticas, como desastres naturais cada vez mais intensos e frequentes, ressaltando a necessidade de responsabilização dos principais atores envolvidos.
Lançado em junho o relatório “Global Trends in Climate Litigation 2024” do Grantham Research Institute on Climate Change & the Environment mapeia os números e características das ações de litigância climática no mundo. Só em 2023 mais de 230 novos casos de litigância climática foram registrados, com foco na responsabilização de governos e empresas por suas ações climáticas. Apesar de um crescimento mais lento, observou-se uma concentração em litígios estratégicos de alto impacto. Juízes federais e Tribunais Constitucionais começaram a deliberar sobre questões climáticas, com 5% dos casos globais sendo levados a essas cortes, que têm grande potencial de influenciar os processos. Houve avanços significativos em casos contra governos, como o da Corte Europeia de Direitos Humanos.
Número de casos de litigância climática distribuído entre os países. Créditos: “Global Trends in Climate Litigation 2024” do Grantham Research Institute on Climate Change & the Environment.
O Brasil é o país do Sul Global que mais tem casos no mundo e o quarto país do mundo com maior número de ações climáticas (atrás apenas de Estados Unidos, Austrália e Reino Unido). Só em 2024 foram 80 ações, segundo a Plataforma de Litigância Climática do Brasil, desenvolvida pelo grupo de pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). A maioria das ações são oriundas da Amazônia em casos de questionamentos relativos à mudança de uso da terra e florestas, aparecendo em mais da metade das ações (47 dos 80 casos)
Histórico de casos de litigância climática no Brasil. Créditos: Panorama da litigância climática no Brasil: relatório de 2024. Rio de Janeiro: Grupo de Pesquisa em Direito Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA/PUC-Rio).
O Observatório do Clima lançou na última quarta-feira (09/10) o livro “Litígio Estratégico Climático em Rede – Experiências contra retrocessos ambientais por meio do Judiciário no período de 2020-2024”. A publicação reúne 9 artigos de advogados que atuaram na Justiça em resposta aos atos inconstitucionais do governo Bolsonaro.
Os artigos abordam, por exemplo, a batalha judicial pela participação social no CONAMA, a reativação do Fundo Clima e do Fundo Amazônia como mecanismos de proteção do orçamento ambiental e a execução efetiva da política de combate ao desmatamento na Amazônia. O livro também destaca questões sobre a violência na Amazônia no Tribunal Penal Internacional e a atuação jurídica nos casos da “pedalada climática”.
A litigância climática se consolidou como uma ferramenta essencial no combate à emergência climática e na responsabilização de governos e empresas, destacando-se pela capacidade de moldar políticas públicas e fortalecer a governança ambiental. A publicação do Observatório do Clima evidencia como as ações judiciais, especialmente no Brasil, têm sido fundamentais, reafirmando o papel da sociedade civil na proteção do meio ambiente e na garantia de direitos socioambientais.
Referências:
Araújo. S. M. V. G. (2024). Litígio estratégico climática em rede: experiências contra retrocessos socioambientais por meio do judiciário no período 2020-2024. Laboratório do Observatório do Clima (LABOC).
Burger, M., & Tigre, M. A. (2023). Global Climate Litigation Report: 2023 Status Review.
Moreira. D. A. et al. (2024). Panorama da litigância climática no Brasil: relatório de 2024. Rio de Janeiro: Grupo de Pesquisa em Direito Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA/PUC-Rio), 2024.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto.
Foto de capa: Protesto contra o clima School Strike 4 na Austrália. Imagem © Holli via Shutterstock.