Luto por Bruno, Dom e todos os ativistas interrompidos por defender a Natureza

17 jun, 2022 | Notícias

A manutenção dos privilégios, das atividades ilícitas e da exploração podem ser apontadas como algumas das preocupações que motivaram o assassinato de Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira, imersos na Amazônia e dedicados na proteção dos povos tradicionais que encontram lar na floresta. Aqui, a linearidade deve ser desprezada, não trata-se de um caso isolado, mas do mais recente crime associado a uma política recorrente no país, com sede de sangue ativista.

Bruno foi um dos indigenistas mais experientes do Brasil. Fez carreira na Funai e atuou como coordenador regional da entidade em Atalaia do Norte, justamente a área onde foi assassinado. Apesar do trabalho diuturno, Bruno foi exonerado do cargo em outubro de 2019, após pressão de setores ruralistas ligados ao governo Bolsonaro. Atualmente coordenava atividades na União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava).
Dom atuava no Brasil desde 2007. Escrevia majoritariamente sobre pautas ambientais. Nos últimos anos, dedicou-se a relatar a crise no meio ambiente brasileiro, bem como o assassinato de líderes indígenas. Colaborou com o The Guardian, Financial Times, New York Times e outros dentre os principais jornais do mundo.

O entendimento mútuo da importância da floresta de pé somou-se ao respeito pelos povos originários, e gerou a união potente entre o brasileiro e o britânico. Desde 2018 denunciaram e combateram juntos o garimpo e a pesca ilegais, ação de madeireiras, invasão de terras indígenas e tráfico de drogas na região.

A barbárie contra a dupla em meio à floresta e o descaso das autoridades ante o caso deixam ainda mais claro ao mundo a política ambiental nefasta do governo Bolsonaro, que sem qualquer pudor endossa a violência e atividades ilegais na Amazônia em suas falas, e promove conflitos e agressões através de ações e omissões, o que for mais conveniente para a promoção do garimpo, desmatamento e grilagem de terras.

O que se sabe sobre o caso até agora não pode ser encarado como ponto final de mais uma história escrita com sangue ativista. É preciso pressionar por uma investigação extensiva, independente e profunda; e registrar todas as condições que possibilitaram esse e tantos outros crimes contra a vida devastarem a crença de todo um país na própria humanidade.

Bruno e Dom seguirão protegendo a floresta, estão ao lado de Chico Mendes, Irmã Dorothy, Paulo Guajajara e os muitos que se tornaram alvos por defender a vida.

Charge em homenagem a Bruno, Dom e todos os ativistas que foram interrompidos por defender a Natureza. Crédito: Latuff.

Posicionamento do Observatório do Clima

Na quarta-feira (15), após a confirmação do crime pelas autoridades policiais, o Observatório do Clima publicou uma manifestação indicando algumas das condições que permitiram a escalada das agressões contra ativistas, jornalistas, populações tradicionais e outros defensores das florestas brasileiras.

Construído por dezenas de organizações ambientalistas do país, inclusive a Apremavi, o texto apresenta a indignação, estarrecimento e luto coletivo instalado há muito, e cada dia mais acentuado pelos retrocessos e políticas que servem à morte. Confira a íntegra:

É com tristeza e revolta que o Observatório do Clima recebe a notícia de que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados no Vale do Javari. Nossos pensamentos se voltam às famílias de ambos, numa dor que também é nossa, por termos tido o privilégio de conviver com a gentileza, a bondade e o profissionalismo de Dom.


O Brasil, um dos países que mais matam ativistas ambientais no mundo, vê se repetir no Javari a tragédia de Chico Mendes, Dorothy Stang, João Cláudio e Maria e tantos outros que confrontaram e confrontam os criminosos que atormentam os povos e saqueiam a floresta na Amazônia.


No governo Bolsonaro, porém, a barbárie tem cúmplices no Palácio do Planalto e nas Forças Armadas. Além de ter deliberadamente entregue a Amazônia ao crime, o regime de Jair Bolsonaro reagiu ao desaparecimento com a mesma crueldade com que tratou as centenas de milhares de brasileiros mortos na pandemia: o Exército adiou o quanto pôde o início das buscas; o presidente da Funai, que havia exonerado Pereira porque este cumprira seu dever de proteger os indígenas em Roraima, lavou as mãos; e o Presidente da República culpou as vítimas, que segundo ele haviam embarcado numa “aventura não recomendável”. A necropolítica, marca do atual governo, também está presente nas mortes de Dom e Bruno.


“Na Amazônia, a bala que mata jornalistas, ativistas e indígenas é comprada com o dinheiro da grilagem, do garimpo ilegal e da madeira roubada. Sob Bolsonaro, esses crimes aumentaram seus negócios, seu poder e sua atuação e hoje estão mais preparados do que nunca para eliminar quem atravessa seu caminho”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Pela omissão nas buscas ou pelo estímulo aos criminosos, o governo Bolsonaro tem todas as digitais impressas nesta tragédia que entristece a todos nós.” #justicaparabrunoedom

+ Confira também a nota da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA).

Ativistas em constante ataque

O crime contra Dom e Bruno deixa ainda mais evidente que o Brasil, o 4º país que mais registra assassinatos de ativistas socioambientais, jamais colocou a proteção dos defensores da vida como prioridade. Segundo o levantamento anual da ONG Global Witness, o território brasileiro é o 4º mais perigoso para ativistas. Foram 20 assassinatos em 2018, 24 em 2019 e 20 outros em 2020.

Na região da Amazônia, mais de 70% dos assassinatos estão relacionados à defesa do meio ambiente e da terra ou ligados à exploração de recursos naturais como extração madeireira, mineração e agronegócio em grande escala, garimpo ilegal, barragens hidrelétricas e outras infraestruturas. Cidadãos abnegados e militantes que decidiram dedicar suas vidas à luta contra a degradação do clima, uso indevido da terra e defesa dos direitos humanos têm suas vidas ameaçadas por atuarem onde nem mesmo o Estado não cumpre seu papel.

Em setembro de 2021, durante o Congresso Mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a Apremavi apoiou a Moção 39, um apelo para a proteção de denunciantes e defensores de direitos humanos e povos em relação ao meio ambiente. Pelo menos até 2024 o texto irá compor a agenda da rede.

Outra demanda apoiada pela Apremavi é a implementação do Acordo de Escazú, que visa promover o acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe. Embora o compromisso tenha sido aprovado pelo Brasil em 2018, o processo de ratificação está estagnado no Congresso Nacional e sem perspectiva de avanço.

A Apremavi também apoia todos os ativistas que diuturnamente trabalham por um futuro melhor. Confira o vídeo “Aos Ativistas da Mata Atlântica”, editado em 2018:

Autores: Vitor L. Zanelatto e Miriam Prochnow.

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