Papagaio-de-peito-roxo: o embaixador da conservação na Floresta de Araucárias

21 out, 2025

O papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) é uma das aves mais emblemáticas e ameaçadas do Brasil, e pode ser observado como um símbolo de resistência da biodiversidade na Mata Atlântica.Ocorre principalmente no Sul e Sudeste do Brasil, com pequenas populações remanescentes no Paraguai e na Argentina. Sua história é marcada por cores vibrantes, revoadas sonoras e pelos desafios à sobrevivência em meio à perda de habitat e ao tráfico ilegal.

Uma espécie dependente das Florestas com Araucárias

O papagaio-de-peito-roxo tem forte ligação com a Floresta Ombrófila Mista, também conhecida como Floresta com Araucárias. Com cerca de 30 cm de comprimento, plumagem verde e peito arroxeado – que explica o nome popular – a espécie se alimenta de frutos e sementes, especialmente do pinhão, semente da araucária, que abre com o bico robusto e curvado.

Ao se alimentar dos pinhões e de frutos de espécies como a juçara (Euterpe edulis) e a canela-preta (Ocotea puberula), o papagaio atua como dispersor de sementes, contribuindo com a restauração das florestas. Os pinhões bicados por esses papagaios germinam com mais sucesso, reforçando o papel ecológico da espécie.

O período reprodutivo ocorre entre setembro e janeiro, quando as fêmeas escolhem cavidades naturais em árvores de grande porte para depositar entre  dois e quatro ovos. A perda dessas árvores, essenciais para a reprodução, é hoje uma das principais ameaças à espécie, junto ao desmatamento e ao tráfico de filhotes.

Pesquisas recentes estimam que existam menos de 9 mil papagaios-de-peito-roxo em vida livre, distribuídos de forma descontínua pelos fragmentos da  Mata Atlântica. Contagens realizadas entre 2016 e 2017, utilizando modelos estatísticos que corrigem falhas de detecção, apontaram uma população global de cerca de 8.000 indivíduos, sem sinais de crescimento ou declínio expressivo.

Extinção local e reintrodução no Parque Nacional das Araucárias

No Parque Nacional das Araucárias, entre Passos Maia e Ponte Serrada (SC), o papagaio-de-peito-roxo chegou a desaparecer na década de 1980. O desmatamento e a captura ilegal levaram à extinção local de uma espécie que, historicamente, coloria os céus do Oeste Catarinense.

Desde 2010 um projeto de reintrodução pioneiro, liderado pelo Instituto Fauna Brasil, está contribuindo para reverter essa história. A iniciativa teve início com a determinação da pesquisadora Vanessa Kanaan, que começou o trabalho ainda durante o doutorado, ao perceber que muitos papagaios resgatados do tráfico não tinham destino após a reabilitação durante um estágio no Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas): “o que começou como uma tentativa acabou crescendo. Conseguimos reverter uma extinção local e contribuir para a conservação da espécie. Quando vimos os papagaios voando e vocalizando, entendendo a vida em liberdade, aquilo nos tocou profundamente”, relatou Vanessa em entrevista à Apremavi.

O processo envolve reabilitação, treinamento comportamental, adaptação em viveiro de soltura e monitoramento por meio de dispositivos eletrônicos e observações de campo, muitas delas com o apoio de cidadãos cientistas.

Desde o início do projeto, cerca de 250 indivíduos já retornaram à natureza. Paralelamente, o Instituto desenvolve ações de educação ambiental, promove o evento “Vem Passarinhar” para observação de aves e já executou o projeto Amigos do Roxinho, que gera renda e fortalece o vínculo entre a comunidade e o parque. “Antes, era comum ver papagaios em gaiolas. Hoje, isso praticamente não acontece mais em Passos Maia. O papagaio-de-peito-roxo virou um símbolo do parque e um embaixador da conservação”, comenta Vanessa.

Monitoramento científico e cooperação internacional

No Paraná, a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) desenvolve desde 2018 um programa de monitoramento e conservação da espécie. O projeto envolve a anilhagem de filhotes, o acompanhamento de ninhos naturais e artificiais e a coleta de dados populacionais nas regiões de Campina Grande do Sul e Bocaiúva do Sul (PR).

Um mini documentário, lançado pela SPVS e disponível gratuitamente no YouTube, mostra o cotidiano do trabalho de campo e reforça a importância da conservação da espécie.

O papagaio-de-peito-roxo está hoje classificado como “Em Perigo” na Lista Vermelha da IUCN e “Vulnerável” na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção. A espécie se tornou um símbolo de esperança e restauração da Mata Atlântica e sua biodiversidade. Sua presença na Floresta com Araucárias mostra que, com ciência, dedicação e envolvimento comunitário, é possível reverter histórias de perda.

Monitoramento papagaio-de-peito-roxo_no Parque Nacional das Araucárias

Ações de reintrodução e monitoramento do papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) realizadas pelo Instituto Fauna Brasil. Fotos: Vanessa Kanaan/Instituto Fauna Brasil.

Papagaio-de-peito-roxo

Nome científico: Amazona vinacea.

Família: Psittacidae.

Habitat: Matas secas, pinheirais e orlas de capões. Espécie considerada endêmica da Mata Atlântica.

Dieta: frugívoro.

Hábito de vida: vive em bandos que podem variar em tamanho.

Distribuição: Sudeste e Sul do Brasil, oeste do Paraguai e nordeste argentino.

Ameaças: tráfico ilegal e degradação ou fragmentação do habitat.

Status de conservação: ‘Em Perigo’ pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) e ‘Vulnerável’, segundo o  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

 

Referências consultadas:

BirdLife International (2017). Amazona vinacea. The IUCN Red List of Threatened Species 2017: e.T22686374A118954406. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2017-3.RLTS.T22686374A118954406.en. Accessed on 21 October 2025.

Kilpp, J. C., Prestes, N. P., Pizzol, G. E. D., & Martinez, J. (2015). Dieta alimentar de Amazona vinacea no sul e sudeste de Santa Catarina, Brasil. Atualidades ornitológicas, 183(6).

Silveira, L.F.; Lima, D.M.; Dias, F.F.; Ubaid, F.K.; Bencke, G.A.; Repenning, M.; Somenzari, M.; Cerqueira, P.V.; Dias, R.A.; Alquezar, R.D.; Costa, T.V.V. 2022. Amazona vinacea (Kuhl, 1820). Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade – SALVE – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio. Disponível em: https://salve.icmbio.gov.br DOI: 10.37002/salve.ficha.24277 – Acesso em: 21 de out. de 2025.

Zulian, V., Müller, E. S., Cockle, K. L., Lesterhuis, A., Júnior, R. T., Prestes, N. P., … & Ferraz, G. (2020). Addressing multiple sources of uncertainty in the estimation of global parrot abundance from roost counts: A case study with the Vinaceous-breasted Parrot (Amazona vinacea). Biological Conservation, 248, 108672.

WikiAves (2021). A Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: http://www.wikiaves.com.br.

Autora: Thamara Santos de Almeida
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto
Foto de capa: Vanessa Kanaan/Instituto Fauna Brasil

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