Polinizando o Código Florestal ∙ Código Florestal na Prática
Os serviços ambientais fornecidos de forma silenciosa, gratuita e contínua pela natureza são imperativos para o sucesso das atividades agrícolas na propriedade rural. A polinização das culturas agrícolas pelas abelhas e outros insetos é um exemplo dessa dependência; e nem de longe é o único benefício das espécies polinizadoras. O exemplo deste capítulo vem de Palmeira (SC).
As florestas nativas existentes nas encostas de morros e áreas íngremes ajudam a evitar deslizamentos. Nas matas ciliares e nascentes, elas protegem a água, auxiliando também no controle da erosão. Ao olhar para o interior da mata, é possível ver seus moradores, responsáveis pelo fornecimento de alguns dos mais relevantes serviços ambientais.
Os serviços ambientais são classificados nas seguintes categorias:
Serviços de suprimento: aqueles que resultam em bens ou produtos ambientais com valor econômico, obtidos diretamente pelo uso e manejo sustentável dos ecossistemas, como alimentos, água e produtos florestais.
Serviços regulatórios: mantêm os processos ecossistêmicos e que garantem a regulação do clima, o ciclo hidrológico, a redução da erosão, o combate a doenças e contribuem para a polinização.
Serviços culturais: associados aos valores e a manifestação da Cultura, derivados da preservação ou conservação dos recursos naturais. Abarcam a recreação, beleza cênica e a espiritualidade.
Serviços de suporte: são os serviços que mantêm todos os outros porque garantem as condições dos recursos ambientais naturais, em especial a biodiversidade, a conservação da variabilidade genética, a formação do solo, fotossíntese e a ciclagem de nutrientes.
As abelhas são responsáveis pela polinização de grande parte das espécies. Foto: Arquivo Apremavi.
A alteração em qualquer população do ecossistema que atua de alguma forma com a promoção desses serviços traz consequências nas demais espécies e ao equilíbrio de todo o nicho ecológico. A conservação da natureza e restauração de áreas degradadas é crucial para proteger não apenas espécies, mas o balanço das relações ecológicas, estabelecidas através de dinâmicas complexas.
As abelhas são responsáveis pela polinização de 75% das culturas agrícolas, dividindo essa tarefa na natureza com outras espécies, inclusive de outros grupos, como pássaros, gambás e morcegos. Os repetidos eventos de perdas de colônias apícolas e de outros insetos polinizadores ameaçam um desequilíbrio em nível global, comprometendo grande parte dos ecossistemas terrestres.
“A falta de abelhas provocaria um efeito em cascata: se não temos sementes, não temos pasto, flores, frutas, nem animais que se alimentam de frutas. As abelhas e os demais polinizadores desempenham um papel fundamental na regulação dos ecossistemas”, Carolina Starr, consultora de biodiversidade e serviços aos ecossistemas da FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura), em entrevista à rede BBC.
No Brasil, raramente as causas das perdas de colônias de abelhas são efetivamente investigadas, mas de forma geral, ocorrem em áreas próximas à culturas agrícolas com intenso uso de agrotóxicos, seja pelo componente químico em si ou pela aplicação incorreta. A maior preocupação é em relação aos inseticidas, principalmente aqueles aplicados por aeronaves sobre as grandes extensões de monoculturas.
De 2000 a 2012, as vendas de agrotóxicos no Brasil cresceram 194,09% (Boletim de comercialização de agrotóxicos e afins, 2013). Só em 2013, foram vendidas 495.764,55 toneladas de ingredientes ativos, dos quais 11,5% de substâncias com ação exclusivamente inseticida. A situação é alarmante também pelo apagão de dados e pesquisas sobre os impactos à diversidade de abelhas nativas brasileiras, mais sensíveis do que a A. mellifera africanizada.
A proteção dos remanescentes florestais, seja através da conservação ou da restauração das áreas que foram degradadas, é também uma oportunidade para contribuir com a proteção das espécies polinizadoras. Isso pode ser realizado de diversas formas, desde a seleção de árvores com potencial melífero para o mix de mudas que será plantado até a instalação de colmeias artificiais, possibilitando a exploração futura para a retirada de mel e cera, atividade possível na Reserva Legal, por exemplo.
A apicultura é uma das formas de colocar em prática o que busca o Código Florestal: assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção da fauna silvestre e da flora nativa (Lei nº 12.651/2012, Art. 3).
#Na prática: floresta e colônias de abelhas crescem juntas
Em 2016, Bernadete Weiss e Celso Perdona decidiram que era hora de fazer uma mudança radical em suas vidas. Depois de residir por décadas em cidades movimentadas, trabalhando longas horas, queriam desacelerar. Juntos, compartilhavam o sonho de viver uma vida mais tranquila no interior.
Depois da aposentadoria deixaram Itajaí (SC) e mudaram-se para uma propriedade no interior do município de Palmeira. A comunidade local os recebeu calorosamente, e eles logo se tornaram parte ativa do grupo, participando de eventos comunitários e contribuindo para a economia local com sua produção de alimentos.
O casal vive em contato com a natureza, plantando seu próprio alimento, desde cereais como arroz, milho, lupino, até frutas nativas e vegetais orgânicos. Trabalha com a parceria de vizinhos para diversificar a produção de alimentos e divide a produção com os parceiros para consumo e venda do excedente, Bernadete destaca que desta forma garante que suas colheitas sejam sempre as mais saudáveis e abundantes.
Bernadete é uma ótima cozinheira, cuida do sítio com amor e sabedoria, é uma agricultora com muitas habilidades. Divide seu tempo entre o trabalho com a panificação, pintura artesanal, crochê e tear, e ainda realiza cursos de saboaria, panificação e voluntariamente compartilha na comunidade o que sabe fazer. Sua paixão e habilidades inspiram quem a conhece.
Para dar início na atividade de apicultura Bernadete passou por um estudo intensivo para conhecer sobre o assunto, para só a partir de setembro de 2018 dar início a implantação do primeiro apiário. Antes das abelhas, vieram as árvores: com apoio da Apremavi, Bernadete e Celso plantaram 435 mudas para enriquecimento e diversidade da floresta na propriedade; plantadas entre 2022 e 2023, buscando aumentar os remanescentes florestais e garantir alimento às polinizadoras.
A proprietária rural ressalta o que aprendeu e colocou em prática com afinco: “a apicultura é uma técnica desenvolvida na criação de abelhas com ferrão para o cultivo do mel, própolis e diversos outros produtos. De acordo com sua experiência é preciso conhecer os tipos de abelhas, entender sobre a produção, o manejo e como se forma a colônia”.
Bernadete Weiss e Celso Perdona, na propriedade rural onde estão implantando atividades de Apicultura. Fotos: Tatiana Arruda Correia.
Atualmente ela já está conseguindo desenvolver um sistema com uma diversidade de atividades dentro da propriedade em que vive, aliando à apicultura. Durante esse tempo, já foram realizadas duas colheitas de mel, o que possibilitou a criação de produtos variados para o consumo alimentício, promoveu a geração de renda e a autonomia para desenvolver novas técnicas de produção, vendas e novas experiências.
A participação da mulher na apicultura tem ganhado destaque no município de Palmeira (SC) pois promove a participação ativa na economia doméstica, a inclusão de parentes e vizinhos na atividade, muda toda a percepção ambiental e social no entorno, pelo fato de ser uma atividade que não polui, nem desmata, que agrega valor ao produto e desenvolve o respeito pela natureza. Hoje o trabalho com abelhas já é uma referência no município, e graças aos exemplos como o da Bernadete, vem despertando o interesse de outros agricultores.
Fontes consultadas:
BBC NEWS BRASIL. Por que o desaparecimento das abelhas seria uma catástrofe – e o que você pode fazer para evitar isso. 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-40220606. Acesso em: 13 out. 2023.
BRASIL. Lei Nº 12.651, de 25 de Maio de 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm#:~:text=III%20%2D%20ação%20governamental%20de%20proteção,nº%2012.727%2C%20de%202012. Acesso em: 13 out. 2023.
CAMPANILI, Maura; SCHÄFFER, Wigold Bertoldo. Mata Atlântica: manual de adequação ambiental. Brasília: MMA/SBF, 2010. 96 p.
CAMPANILI, Maura; SCHÄFFER, Wigold Bertoldo (org.). Mata Atlântica: patrimônio nacional dos brasileiros. 2. ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2010. 408 p.
SCHÄFFER, Carolina; DICK, Edilaine; PROCHNOW, Miriam (org.). Planejando Propriedades e Paisagens Sustentáveis. Atalanta: Apremavi, 2022. 147 p.
PIRES, Carmen Sílvia Soares; PEREIRA, Fábia de Mello; LOPES, Maria Teresa do Rêgo; NOCELLI, Roberta Cornélio Ferreira; MALASPINA, Osmar; PETTIS, Jeffery Stuart; TEIXEIRA, Érica Weinstein. Enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil: há casos de ccd?. Pesquisa Agropecuária Brasileira, [S.L.], v. 51, n. 5, p. 422-442, maio 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0100-204×2016000500003.
Autores: Tatiana Arruda Correia e Vitor Lauro Zanelatto
Revisão: Carolina Schäffer
Foto de Capa: Tatiana Arruda Correia