Só sobreviveremos como espécie se a natureza puder viver
Tenho afirmado que eu ainda acredito num futuro sustentável e que ele existe, mas, para isso, precisamos ser ativistas deste futuro. Minha história se confunde com a história da Apremavi, organização que ajudei a criar. Por aqui, o lema que temos adotado – boca no trombone e mão na massa – de alguma forma tem se mostrado eficiente. Ao mesmo tempo em que nos mantemos ativistas frente às catástrofes socioambientais, tentamos mostrar que existem maneiras de proteger e utilizar os recursos naturais de forma sustentável. Isso tem ajudado a conseguir o engajamento das pessoas, mas o momento nos mostra que precisamos de muito mais. E a pandemia que estamos enfrentando indica que é necessário e urgente rever nossos conceitos e valores.
Por um lado, o enfrentamento da Covid-19 está mostrando que o mundo tem condições de se mobilizar para combater e evitar catástrofes, uma vez que a maioria dos países, de alguma forma, vem se mobilizando e grande parte da população entendeu e está participando dessa mobilização. Essa é uma boa notícia. Por outro lado, infelizmente no Brasil, temos um governo federal que nega a ciência, adota práticas antidemocráticas, não se importa com a vida das pessoas e está promovendo o maior desmonte ambiental de nossa história. Isso nos coloca diante de um desafio a mais a ser superado.
Um dos biomas que, novamente, está ameaçado é a Mata Atlântica, morada de 145 milhões de brasileiros e um dos mais ricos em biodiversidade do mundo. Considerada Patrimônio Nacional por sua importância, a Mata Atlântica é protegida por um arcabouço legal que levou décadas para ser aprovado no Congresso Nacional e no Conselho Nacional do Meio Ambiente, com a participação de toda a sociedade. É inaceitável que as iniciativas de flexibilização dessa legislação partam do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. E ele o faz com requintes de crueldade, como mostrou o vídeo da reunião ministerial, tornado público dia 22 de abril de 2020, no qual afirmou que se deveria aproveitar a oportunidade da Covid-19 para “passar a boiada” e flexibilizar tudo o que fosse possível. Salles deveria ser retirado do cargo imediatamente. Pelo bem da coletividade.
São duas as mais recentes ameaças à Mata Atlântica. A primeira, levada a cabo através do Despacho no 4.410/2020, publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 06/04/2020, dá anistia a desmatamentos ilegais e permite que os desmatadores sejam desobrigados de pagar as multas e recuperar as áreas degradadas, inclusive, áreas de preservação permanente em margens de rios e nascentes. A segunda ameaça é uma proposta de decreto que pretende excluir do Mapa da Área de Aplicação da Lei 11.428 – Lei da Mata Atlântica – os campos salinos e áreas aluviais, os refúgios vegetacionais, as áreas de tensão ecológica, as áreas de estepe, savana e savana-estépica, e a vegetação nativa das ilhas costeiras e oceânicas. Essa proposta deixa sem proteção alguma, milhares de quilômetros quadrados de vegetação nativa da Mata Atlântica. É uma proposta desprovida de legalidade e de qualquer respaldo técnico, que vai na contramão das ações necessárias para a manutenção da qualidade de vida de 70% da população brasileira. Vale lembrar que vem da Mata Atlântica a água que abastece essa população e suas atividades econômicas.
Infelizmente, os outros biomas brasileiros também estão seriamente ameaçados. Um relatório recente do Mapbiomas mostra que 99% do desmatamento realizado no Brasil em 2019 foi ilegal. Esse desmatamento atingiu todos os biomas, mas foi mais impactante no Cerrado e na Amazônia, atingindo, inclusive, unidades de conservação e terras indígenas. As projeções do desmatamento da Amazônia para 2020 também já mostram desolação, indicando que a taxa deve ser muito maior do que a de 2019.
A natureza precisa de toda a sociedade, num movimento urgente para evitar que esses retrocessos se concretizem. Somente com a proteção e restauração da Mata Atlântica e dos outros biomas brasileiros, teremos alguma chance de combater os efeitos da grave crise climática em andamento.
Por isso, diante da dura realidade que o coronavírus está nos impondo, é hora de pensar no mundo que vai emergir após a pandemia. Os mesmos atores que agora lutam para salvar vidas humanas e evitar que a economia entre em colapso, terão que trabalhar para que a retomada das relações sociais e econômicas siga um rumo muito mais sustentável e com maior empatia, colaboração, parceria, diálogo e solidariedade do que tem sido até hoje.
Acredito que todos devem e podem fazer a sua parte, seja pressionando os órgãos públicos para que não haja retrocessos ou seguindo o exemplo dos jovens para dar voz a movimentos como o “Fridays for Future”, ou ainda plantando árvores e ajudando a cumprir metas climáticas. Zerar o desmatamento é imprescindível. Outra meta é restaurar 12 milhões de hectares até 2030. Milhares de pessoas trabalhando na restauração vão ajudar a restaurar também a economia. Não é por acaso que o Fórum Econômico Mundial apresentou um plano para o plantio de um trilhão de árvores no mundo. Cada ação e cada árvore plantada fazem, sim, a diferença. Assim sendo, fica o convite: #AtivismoSim, #AtivismoJá, #AtivismoSempre.
Autora: Miriam Prochnow.
Fonte: Porém.net