Pintura rupestre inédita de araucária é descoberta no Paraná
O achado arqueológico está em uma formação de arenito numa propriedade privada, no município de Piraí do Sul (PR). As figuras representam 13 araucárias e 20 representações humanas.
O Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), publicou no último mês um artigo que registra a descoberta da única pintura rupestre conhecida com representações da árvore de Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze. Toda a região dos Campos Gerais do Paraná, onde ocorreu a recente descoberta, tem vasta presença de materiais arqueológicos. Centenas de sítios que abrigam vestígios cerâmicos, materiais líticos, gravuras e pinturas rupestres, mas nunca antes uma araucária havia sido encontrada dentre as figuras.
Nair Fernanda Mochiutti, professora da UEPG, contou ao Conexão Planeta que a descoberta ocorreu de forma despretensiosa: “Estávamos cadastrando uma caverna e um colega nos chamou para contar o que tinha visto. Fomos todos juntos olhar para o painel das araucárias e lembro que mostrei o braço toda arrepiada, porque realmente foi na hora que percebemos e reconhecemos que eram as araucárias. Foi de arrepiar, bem emocionante”.
Circundado por pastagens e florestas secundárias em diferentes estágios de regeneração, uma cavidade rochosa guarda a descoberta rupestre. O painel das araucárias foi elaborado tem cerca de 0,36 m², onde é possível observar 13 araucárias e 20 antropomorfos (representações humanas). O conjunto possui continuidade e consistência, reforçando a hipótese dos autores do artigo, de que as gravuras representam uma floresta com araucárias, com ampla ocorrência na região.
Suspeita-se que a “tinta” utilizada para as pinturas era obtida a partir da trituração de hematita (óxido de ferro), minério encontrado em rochas. Fotos: Divulgação/GUPE.
Segundo os especialistas, é possível identificar o grupo que realizou as gravuras, considerando a seleção da superfície na qual os grafismos foram produzidos, a reunião de representações de espécimes vegetais e figuras humanas e o alto grau de detalhes das pinturas. Os elementos culturais e aspectos cronológicos apontam a autoria do painel pictórico rupestre à etnia Macro-Jê, grupo linguístico de povos como os Kaingang e os Xokleng, que habitaram o Paraná há ao menos 3 mil anos.
“Essas pinturas rupestres não pertencem ao proprietário das terras ou ao GUPE, mas a todo povo brasileiro, à história e à cultura. É emocionante fazer parte dessa descoberta, para que as pessoas tenham conhecimento de que já há muito tempo essa árvore é importante, desde os povos originários”, destaca a professora Laís Massuqueto, co-autora do artigo que descreveu a descoberta.
O trabalho dos pesquisadores não encerrou, pelo contrário; muitas são as questões levantadas a partir das pinturas rupestres. Uma delas é a possibilidade da araucária estar presente na região há mais de 1,4 mil anos. Datações futuras do material, estudos históricos sobre os povos que habitaram a região e atividades de educação patrimonial estão previstas. Além disso, o grupo pretende utilizar softwares de imagens para definir os limites das pinturas em meio digital, buscando restaurar as áreas deterioradas.
Projetos de pesquisa são essenciais
A descoberta arqueológica só foi possível por contas das atividades do “EspeleoPiraí: patrimônio espeleológico arenítico da Escarpa Devoniana em Piraí da Serra”, projeto promovido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) como medida compensatória aos impactos negativos irreversíveis às cavidades naturais subterrâneas de atividades de mineração. A execução das pesquisas é coordenada pelo GUPE, com ênfase na Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana.
Até o início da execução do projeto, não existiam cavidades cadastradas no Canie na área de estudo. Agora já são mais de 200 cavernas cadastradas no Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (Canie), o que corresponde a 50% do montante do estado, a região pode ser considerada um hotspot da espeleologia brasileira. Estudos preliminares no setor da APA indicam um elevado potencial para registros de novas cavidades subterrâneas.
A identificação e a caracterização de novas cavernas somarão dados e esforços para subsidiar ações de conservação e educação patrimonial, essenciais para a proteção do patrimônio espeleológico e arqueológico da região.
Mapa de localização da área de estudo do projeto, com a área do recente achado rupestre em vermelho, e áreas protegidas. Fonte: ICMBio.
Extinção ou restauração, humanos colocaram o futuro da araucária em ameaça
As grandes dimensões e formato singular da Araucária (Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze) torna a Floresta Ombrófila Mista única, impressionando pela beleza e exuberância. Ao longo do tempo a espécie foi explorada de modo extensivo para utilização da madeira, colocando a espécie na lista das espécies ameaçadas de extinção no Brasil e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Especialistas estimam que a extensão de florestas com araucária já encolheu 98%, de 182 mil km² para 3,6 mil km².
A espécie corresponde ao grupo de coníferas mais primitivo ainda vivo, tendo aparecido há aproximadamente 200 milhões de anos. Atualmente, os membros da família Araucariaceae ocorrem exclusivamente no Hemisfério Sul. A espécie foi descrita pela primeira vez em 1820 pelo naturalista europeu Antonio Bertolini, com base em uma árvore coletada do Pico do Corcovado.
Gravura a bico-de-pena por Percy Lau (Arequipa, 1903 – Rio de Janeiro, 1972). Fonte: Tipos e Aspectos do Brasil (IBGE, 1966).
A Araucária, assim como qualquer árvore nativa, tem corte proibido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) desde 2001. Contudo, existem exceções, como as obras de infraestrutura de interesse público, que muitas vezes ignoram os aspectos socioambientais no projeto e na execução. “Critérios técnicos são falhos e não há alternativas locacionais para as obras. Órgãos ambientais são coniventes com isso e licenciam o que é mais cômodo para os empreendedores. Buscar melhores alternativas de traçado reduziria impactos sociais e ambientais”, afirmou João de Deus Medeiros, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e conselheiro da Apremavi.
Além disso, iniciativas como o novo Código Ambiental de Santa Catarina, aprovado às pressas pela Assembleia Legislativa na última semana de 2021, continuam colocando em risco a Mata Atlântica. Segundo uma apresentação remetida pela Apremavi e outras 27 organizações da Sociedade Civil ao Procurador de Justiça de Santa Catarina, o novo Código Ambiental “incentiva a exploração da Mata Atlântica de forma ilegal” uma vez que as medidas compensatórias são indiscutívelmente vantajosas, em contrariedade com a jurisprudência dos Tribunais Superiores em matéria ambiental.
Ante a clara inconstitucionalidade do novo Código, o Ministério Público de Santa Catarina ajuizou cinco ações diretas de inconstitucionalidade (ADI). Num cenário onde resta tão pouco da floresta em pé, e os poucos remanescentes são alvos constantes de ameaças, zerar o desmatamento não é suficiente. É preciso restaurar o que foi degradado nas últimas décadas.
A Apremavi está atuando de forma contundente para que novas araucárias cresçam. Entre 2013 e 2015 executou o Projeto Araucária, responsável por restaurar 92 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal. E, desde 2022 está implantando o Conservador das Araucárias, iniciativa em parceria com a Tetra Pak que pretende restaurar 7.000 hectares, com ênfase na Floresta Ombrófila Mista.
> Leia mais sobre a araucária em nosso guia de espécies
Aspectos da (Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze. Fotos: Arquivo Apremavi
Referências:
BRASIL. Governo Federal. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Expedição percorre áreas do projeto EspeleoPiraí em Piraí da Serra/PR. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/centros-de-pesquisa/cecav/patrimonio-espeleologico-em-pauta-1/expedicao-percorre-areas-do-projeto-espeleopirai-em-pirai-da-serra-pr. Acesso em: 17 fev. 2023.
PONTES, Henrique Simão et al. First Rupestrian Representations of Araucaria angustifolia in Southern Brazil. Caderno de Geografia (2023), Belo Horizonte, v. 72, p. 174-201, 2023. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/article/view/29976/20593. Acesso em: 17 fev. 2023.
SUZANA CAMARGO. Conexão Planeta. Descoberta a primeira pintura rupestre de araucárias do Brasil, feita há cerca de 4 mil anos. 2023. Disponível em: https://conexaoplaneta.com.br/blog/descoberta-a-primeira-pintura-rupestre-de-araucarias-do-brasil-feita-ha-cerca-de-4-mil-anos/#fechar. Acesso em: 17 fev. 2023.
Autor: Vitor L. Zanelatto | Revisão: Carolina Schäffer e Thamara Almeida
Foto de Capa: Pintura rupestre encontrada em Piraí do Sul (PR). Foto: Divulgação/GUPE.