O Decênio Decisivo: chamado para enxergar as crises do mundo

19 jan, 2024 | Mudanças Climáticas, Notícias

Quanto tempo temos para salvar o futuro? O roteiro de destruição da Terra que está posto demanda uma mudança de direção nos modos de produção, consumo e exploração no nosso planeta. Este é o Decênio Decisivo. 

Quanto vale a vida humana? E a vida das outras espécies?
A natureza, intrincado e imensurável conjunto de interações entre o ambiente e as diferentes formas de vida que existem e que dependem uma das outras para existir está mais ameaçada a cada dia que passa, por conta dos rumos que a humanidade seguiu nos últimos séculos. Nem todos os humanos são responsáveis por isso, e alguns poucos são muito mais responsáveis que grande parte da população mundial. 

O valor imensurável da vida contrasta com a busca pelo acúmulo de riqueza a qualquer custo no tempo em que vivemos, gerando a maior ameaça à sobrevivência, das pessoas e de todos os seres os quais somos dependentes. No livro “O Decênio Decisivo”, Luiz Marques apresenta as diversas crises do antropoceno, um tempo de descalabros e crises múltiplas movidas pelo afastamento da nossa espécie da natureza, criando mudanças globais e locais capazes de extinguir espécies, aumentar a temperatura do planeta Terra e aumentar as desigualdades.

“É fato que o consumo de energias renováveis de baixo carbono está aumentando a taxas maiores que as de consumo dos combustíveis fósseis. Mas isso é irrelevante para a evolução do clima. O que importa para essa evolução é a quantidade de Gases de Efeito Estufa concentrada na atmosfera. Ao contrário dos humanos, o sistema climático não se impressiona com porcentagens”

O autor dedica-se em explicar de maneira acessível – ao mesmo passo que mantém um grande rigor científico – os principais catalisadores da emergência climática, desde os combustíveis fósseis até a conexão entre a crise na alimentação mundial, o uso desenfreado de agrotóxicos e a perda de insetos polinizadores nas áreas antropizadas. O estado da arte e as mudanças de paradigma necessárias para enfrentamento da emergência climática, como a transição energética, adaptação das formas de produzir e consumir e a mitigação dos efeitos da mudança no clima que já causam inúmeras consequências criam uma linha para conduzir o leitor para um diagnóstico inescapável de como as grandes sociedades contemporâneas estão ignorando a maior ameaça à vida já promovida pela sua própria espécie. 

“As emissões causadas pela pecuária somam 30% das emissões totais de metano, 27% provenientes da atividade entérica dos rebanhos. Trata-se de uma contribuição quatro vezes superior que a das emissões provenientes dos arrozais e substancialmente equivalente à das fontes de emissão de metano provenientes dos combustíveis fósseis e da mineração de carvão (33%)”

Também são apresentadas as problemáticas do consumo de carne na atualidade, produzida em escala industrial, a partir do uso de commodities para a alimentação dos animais. Amplamente danoso, o modelo produtivo de proteína animal vigente é danoso, sobretudo as áreas naturais – que são desmatadas para a produção em escala de commodities – e nas emissões de metano. Ainda nessa linha, há o crescente aumento do uso de agrotóxicos na produção de alimentos. O cenário é esmiuçado pelo autor, a leitura não é feita impunemente: busca-se promover uma reflexão de como as pessoas tem se alimentado e como ao longo do tempo os alimentos tornaram-se produtos produzidos em escala, sem levar em consideração a nutrição, o bem-estar animal ou a qualidade, mas apenas as possibilidades de lucro.

“A combinação do fator climático com todos os fatores típicos das atividades do agronegócio – desmatamento, intoxicação e morte dos organismos por agrotóxicos, aniquilação da biodiversidade, uso irresponsável de antibióticos e uso insustentável dos solos – explica por que (…) a taxa do aumento do ‘fator total de produtividade’ da agricultura começou a declinar” 

Segundo o autor, superar o capitalismo é medida-chave para frear a emergência climática. Em contraste, nem mesmo as democracias liberais do mundo se mostram ameaçadas e conflitos armados estão ocorrendo neste instante no mundo, um cenário desesperador para aqueles que acreditaram num cenário internacional globalizado, mais seguro e pacífico. A contínua perda de credibilidade da governança global climática e da eficiências das Conferências das Partes para o Clima (COPs), a ineficiência no cumprimento dos compromissos pelos países e a ausência de medidas efetivas para descarbonizar as economias e extirpar o uso de combustíveis fósseis mostram que metas oficiais estão longe da eficiência, e que a mobilização e demanda das sociedades por mudanças também precisam ser mais significativas.

“A questão não é mais, portanto, sobre quais são os limites nem sobre onde situá-los na escala de sustentabilidade. A questão é política, pois quem fala em limites deve afrontar dois problemas: (i) quem pode e deve estabelecê-los; e (ii) como garantir que sejam implantados e respeitados. Esses dois problemas nos conduzem a questão da democracia (…)”  

O Decênio Decisivo precisa de honestidade das pessoas para enxergar as crises do mundo. A mobilização, pressão e visibilidade para a urgência em que vivemos não busca promover o desespero, mas sim uma mudança no colapso indiscutível que se arranja em nosso futuro se a rota traçada no presente se manter a mesma. 

“Há um novo projeto de mundo que tem sido ofertado pelos povos originários, verdadeiros guardiões do planeta. É um projeto de descolonizar a vida e abrir caminho para a sociedade da felicidade e do amor, do bem-viver, do envolvimento. Um reencontro a partir de uma nova matriz energética, dos direitos da natureza em oposição à distopia de terra arrasada e do colapso climático”
– ‘Chamado pela Terra’, manifesto de Sônia Guajajara e outras lideranças indígenas para as eleições nacionais de 2022, destacado na abertura do capítulo ‘Propostas para uma política de sobrevivência’. 



Sobre o autor

Luiz Marques é professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde foi co-fundador do curso de pós-graduação em História da Arte. Foi pesquisador convidado no Institut Français de Florence e é autor de ensaios, livros e catálogos sobre a tradição clássica, sobretudo no âmbito da história da arte da Itália dos séculos XIII ao XVI. Entre 1995 e 1997, foi curador-chefe do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Nos últimos quinze anos, tem se dedicado à docência e a pesquisas sobre as crises socioambientais contemporâneas. 

Foi professor convidado na Universidade de Leiden, na Holanda, e publicou artigos e livros, entre os quais Capitalismo e colapso ambiental (Editora da Unicamp, 2015; publicado em inglês pela Springer, 2020), que em 2016 obteve o Prêmio Jabuti e o segundo lugar no Prêmio da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu). Entre 2017 e 2021, contribuiu regularmente com artigos para o Jornal da Unicamp. É atualmente professor sênior da Ilum — Escola de Ciência, vinculada ao Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), e membro do Coletivo 660, nascido do Fórum Social Mundial. 

 

Livro "O Decênio Decisivo"

Autor: Vitor Lauro Zanelatto
Revisão: Thamara Santos de Almeida
Foto de capa: Vitor Lauro Zanelatto

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