Realidade do Rio Grande do Sul mostra a urgência de justiça climática
O desastre climático que tem devastado o Rio Grande do Sul evidenciou as consequências de não priorizar políticas públicas relacionadas ao clima que pautem a justiça climática.
Recentemente, ao cobrir o maior evento climático extremo do RS, talvez até do Brasil, comunicadores de diferentes plataformas – seja a grande mídia ou canais independentes – têm utilizado expressões como emergência climática, desastre climático e crise climática para descrever a situação. Não é um equívoco, no entanto, pesquisadores do Observatório das Metrópoles de Porto Alegre, argumentam que o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul é, também, um desastre social.
Esse desastre resulta da falta de ação eficiente do Estado diante de fenômenos que a ciência já havia previsto e que organizações não governamentais vêm alertando há décadas. Não é preciso recorrer a previsões científicas relacionadas às mudanças climáticas atuais para saber que, em determinados períodos, os rios tendem a aumentar seu volume de água e transbordar.
Os desdobramentos dos eventos climáticos extremos em desastres sociais, como o testemunhados no RS, são o resultado do triunfo de um projeto político que desvaloriza qualquer tipo de investimento social. Segundo uma matéria produzida pelo mesmo Observatório para o site do Brasil de Fato, o evento atual, por ter sido extremo, afetou não apenas os mais pobres e vulneráveis, mas, é nítido que impactou de forma desigual, principalmente, em maior proporção a população com menor renda.
O mapa de Porto Alegre reforça os dados socioeconômicos dos afetados, estando as pessoas mais impactadas em situação de pobreza (um salário mínimo e meio por família) e pobreza extrema (R$109,00 por família). Além disso, o nível de impacto também é maior para Pessoas com Deficiência (PCDs), principalmente os deficientes físicos. Entre os grupos afetados em maior intensidade também, estão os catadores de materiais recicláveis e as populações ribeirinhas.
O mapa mostra em primeiro plano o valor do rendimento mensal dos domicílios particulares em Porto Alegre. Em segundo plano os lugares mais impactados por alagamentos. Desenvolvido pelo Observatório das Metrópoles.
No painel informativo produzido pela prefeitura da capital gaúcha, foram apresentados dados relativos às famílias registradas no Cadastro Único (conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza) e que tiveram algum prejuízo por conta do desastre. No total, 25.065 famílias estão registradas no Cadastro Único do governo federal, representando 64% da população afetada, que somam 157 mil pessoas impactadas diretamente pela cheia histórica do Guaíba.
Painel Informativo da população econômica e socialmente mais vulnerável nas áreas afetadas de Porto Alegre. Realização: Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade da Prefeitura de Porto Alegre.
Dentre todas as pessoas pobres impactadas diretamente pelo desastre, muitas delas moram em Sarandi, bairro da região norte de Porto Alegre. À medida que o Guaíba subiu para o seu maior nível já registrado, o rompimento de um dique, ainda não resolvido na data desta matéria (31/05), agravou a situação no bairro. A jornalista ambiental e pesquisadora Lara Corrêa Ely, que está cobrindo o desastre para a imprensa, relatou em uma matéria que, só nesse bairro, 24 mil moradores permanecem fora das suas casas há 26 dias. Lara também cobriu a indignação e luta dos moradores que tentam acessar as suas casas de barco para buscarem pertences e avaliarem o que perderam.
Em entrevista para a Apremavi, Lara compartilha outros recortes: “Eu observei não apenas nos abrigos, mas também nos acampamentos, nas estradas e nas cooperativas de reciclagem, que as mulheres, as pessoas pretas, as pessoas que moram em lugares periféricos, pessoas com menor grau de instrução, são pessoas mais afetadas.”
Lara também conta que, devido a vulnerabilização pretérita dessas pessoas, muitas delas vão ter uma piora em suas condições em tempos de crise: “Elas vão piorando uma condição provisória, quando vem uma catástrofe, uma inundação, elas demoram mais tempo para se reerguerem. Além de todo o impacto econômico tem o impacto socioemocional em uma situação como essa.”
“Agora a questão é como, também, essas pessoas se recuperam, elas dependem mais de políticas sociais, de apoios externos e às vezes da solidariedade dos próprios parceiros de comunidade, porque se dependerem de um incentivo público somente, elas não vão conseguir se reerguer. Numa lógica de desenvolvimento sustentável, entender que soluções temos para essas pessoas e qual o empoderamento necessário para que elas consigam ter resiliência, é imprescindível”, comenta Lara sobre a importância de políticas públicas frente a desastres como esse.
As casas ainda permanecem, principalmente das pessoas mais pobres, por quase um mês inundadas no bairro Sarandi, em Porto Alegre (RS), registro feito no dia 30 de maio de 2024. Foto: Lara Corrêa Ely
Todos esses fatos recentes no Rio Grande do Sul, ilustram o que os ativistas climáticos clamam há algum tempo: precisamos de justiça climática.
A justiça climática, derivada da justiça ambiental, destaca os impactos desproporcionais das mudanças climáticas em grupos sociais específicos. Ela analisa os impactos climáticos como impactos ambientais sob a lógica da justiça ambiental aplicada ao clima. Propõe a responsabilização daqueles que causaram o desequilíbrio climático e que têm mais capacidade de enfrentá-lo, principalmente países e empresas do Norte Global. Esses atores não devem compartilhar a responsabilidade pelos danos climáticos com todos, especialmente com aqueles menos responsáveis historicamente, evitando a socialização dos ônus climáticos e a privatização dos bônus. As medidas contra as mudanças climáticas devem considerar as desigualdades nas capacidades de defesa contra os impactos do aquecimento global e a necessidade de novas respostas para proteger os direitos das pessoas vulnerabilizadas.
O movimento da justiça climática sublinha que mulheres e meninas, especialmente no Sul Global, são grupos fortemente impactados, enfrentando múltiplas desigualdades que devem ser analisadas através da interseccionalidade. A crise climática é vista como mais um eixo de opressão, somando-se a questões como pobreza, educação, acesso a recursos naturais e violência sexual, criando situações de profunda desigualdade. Nesse sentido, o movimento visa visibilizar essas questões e aprofundar a discussão sobre as diferenciações que tornam certos grupos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.
Painel Informativo da população econômica e socialmente mais vulnerável nas áreas afetadas de Porto Alegre. Realização: Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade da Prefeitura de Porto Alegre.
A luta por políticas públicas em prol da justiça climática
É pela luta em prol da justiça climática que organizações do terceiro setor, como o Observatório do Clima (OC), rede que a Apremavi ajudou a fundar e faz parte, existem. Uma das organizações que também integram o OC é a EmpoderaClima, que tem como foco as questões de gênero relacionadas ao clima.
“As parcerias formadas por organizações da sociedade civil são fundamentais para o avanço da pauta da justiça climática. Só no coletivo que adquirimos força para expandir advocacy e lutar por políticas públicas. No caso da EmpoderaClima, temos foco em equidade de gênero e avançamos sempre por meio de parcerias em projetos, pesquisas e advocacy”, relata a jornalista, pesquisadora e voluntária da Empodera, Cândida Schaedler, em entrevista para a Apremavi, sobre a importância desse trabalho coletivo.
A Apremavi espera e atua diariamente, em parceria com diversas organizações, para que eventos climáticos extremos e seu desdobramentos em catástrofes socioambientais incidam no desenvolvimento de políticas públicas de clima, com ações de adaptação e mitigação, sempre com um olhar interseccional e que pautem também a justiça climática.
Autora: Thamara Santos de Almeida, com informações do Observatório das Metrópoles de Porto Alegre, Brasil de Fato, Metrópoles, Observatório do Clima e EmpoderaClima.
Revisão: Carolina Schäffer, Vitor Lauro Zanelatto (Apremavi) e Cândida Schaedler (EmpoderaClima).
Foto de capa: Registro de uma das áreas inundadas em Porto Alegre, em 05/05/2024. Foto: (CC) Gustavo Mansur/Palácio Piratini.