A Prática que queremos ver: o Código Florestal e a prevenção de ocupação em áreas de risco・Código Florestal na Prática

24 nov, 2023 | Implantando o Código Florestal, Notícias

Cerca de um mês divide duas grandes enchentes enfrentadas pelo Vale do Itajaí (SC). Entre os pedidos de ajuda da população, os discursos sem o compromisso com soluções concretas do governo estadual e a narrativa de tragédia compartilhada na mídia, causa estranhamento o silêncio sobre aquilo que deveria ser a prioridade para promover a resiliência das cidades: a recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs). 

A ameaça de inundações nas cidades do Vale do Itajaí – de modo especial o Alto Vale – é constante na vida dos moradores; muitos já viram o rio Itajaí-Açu ou algum de seus afluentes tomarem ruas, invadirem casas e comércios. Em uma dimensão imensurável, vidas humanas e não humanas são encerradas em cada novo episódio dessa crise socioambiental, e a falsa narrativa de que esta é uma realidade sem solução à região é corroída pela água, que chega mais intensa, em frequência e intensidade. Na enchente da última semana, algumas cidades da região registraram mais de 330 milímetros em 72 horas, indicando o extremo desequilíbrio de um Planeta em emergência climática, com consequências imediatas acentuadas pelo fenômeno El Niño

Para além de contabilizar os prejuízos e oferecer os necessários auxílios para a redução dos danos e traumas do evento extremo, é preciso um projeto dedicado à mitigação dos efeitos das enchentes e enxurradas no Alto Vale, buscando elaborar um planejamento sensível à urbanização das cidades, com respeito ao regramento ambiental, promoção de planos diretores que não estimulem a ocupação em áreas vulneráveis, o oposto do que tem sido observado em muitas cidades do estado. O conjunto de ações necessárias é complexo e certamente oneroso, mas torna-se irrisório quando posto ao lado dos prejuízos quiçá bilionários na soma entre o prejuízo das famílias, comércios e indústrias.

Registros da enchente no Alto Vale em nov/2023. Código Florestal na Prática

Registros das consequências enchente do Alto Vale em novembro de 2023. Fotos: Carolina Schäffer. 

#Na prática: O Código Florestal e a prevenção de ocupação em áreas de risco

O Código Florestal estabelece parâmetros claros para evitar a ocupação humana em áreas ambientalmente sensíveis, sujeitas a riscos de enchentes ou deslizamentos. É papel do Poder Público (Federal, Estadual e Municipal) estabelecer outras restrições necessárias, caso seja necessário. Projetos de planejamento ambiental e urbanismo para as cidades devem estar no centro do debate para soluções efetivas às constantes enchentes, junto da preservação das APPs e de estratégias para a desocupação das áreas de maior vulnerabilidade. 

A função das APPs é voltada não apenas à dimensão ambiental, mas também para a proteção dos espaços de relevante importância para a conservação do território, como as condições geológicas e a proteção do solo, e assim assegurar o bem-estar das populações humanas. 

Entre outras, o regramento ambiental prevê a proteção das seguintes áreas vulneráveis: 

Margens de rios – APP, com proteção mínima de 30 metros em cada margem para rios com até 10 metros de largura, variando até 500 metros no caso de grandes rios. 

Topos de morros, montes, montanhas e serras – APP no terço superior da elevação. 

Encostas entre 25 e 45 graus – áreas de uso limitado, onde se permite apenas manejo florestal seletivo e sustentável.

A interferência humana nessas áreas por vezes promove retificações e canalizações de cursos d’água, dificultando o fluxo em caso de subida dos rios e formando verdadeiros barramentos temporários, forçando a água a procurar outros caminhos e, por consequência, atingindo áreas marginais maiores. Nessas situações a velocidade da água pode ser aumentada e o potencial de destruição ampliado. 

Após os eventos extremos com deslizamentos de terra na região serrana no Rio de Janeiro (2011), uma equipe do Ministério do Meio Ambiente estudou minuciosamente as condições das áreas afetadas. Wigold B. Schäffer, um dos autores, destaca a principal conclusão do relatório produzido: “92% dos deslizamentos que ocorreram naquela ocasião tinham alguma intervenção humana, seja pela construção de moradias, estradas e terraplanagem para construção, entre outras. Apenas 8% dos deslizamentos ocorreram em áreas com vegetação nativa bem conservada”.

Eventos similares foram registrados em cidades do RJ em 2015 e 2022 com um número de mortos que chega às centenas. 

Essa ligação entre ocupações irregulares em áreas de risco e Áreas de Preservação Permanente e a potencialização dos desastres foi constatada por uma pesquisa desenvolvida por Juarez Aumond, professor da Fundação Regional de Blumenau (FURB), por conta dos eventos extremos ocorridos no Vale do Itajaí em 2008: “as alterações promovidas pelo homem na natureza foram um dos fatores determinantes dos deslizamentos ocorridos na região do Vale do Itajaí. Dois estudos apontaram um índice médio de que 85% das áreas atingidas por deslizamentos tiveram o dedo da ação humana. Isso demonstra que a maioria das pessoas que perderam suas vidas e seus pertences, moravam em áreas de risco”, conforme consta na publicação de 2009 da Apremavi o Boletim Santa e Frágil Catarina.

> Confira a publicação Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação X Áreas de Risco

Santa e Frágil Catarina: em 2009 a Apremavi elaborou um levantamento sobre a degradação das Áreas de Preservação Permanente em SC e a relação com os eventos extremos que o estado frequentemente enfrenta. Fotos: Miriam Prochnow. 

Implantando o Código Florestal

É um projeto que tem como objetivo geral reverter e reduzir a perda de florestas no Brasil. É executado por um consórcio de organizações que integram o Observatório do Código Florestal, sob a coordenação dos Amigos da Terra Amazônia. A Apremavi é uma das organizações que compõem o consórcio, e está atuando para através da produção de conhecimentos, realização de articulação com governos locais e com agentes públicos para a implementação plena do Código Florestal.

> Conheça  o projeto Implantando o Código Florestal

Autores: Vitor Lauro Zanelatto e Miriam Prochnow
Revisão:
Carolina Schäffer e Thamara Santos de Almeida
Foto de capa:
Carolina Schäffer 

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