As Soluções Baseadas na Natureza na redução dos riscos de desastres climáticos

14 maio, 2024 | Mudanças Climáticas, Notícias

Nos últimos dias, frente a maior tragédia do Rio Grande do Sul, surgem dúvidas e questionamentos sobre o que pode ser feito para evitar que eventos climáticos extremos se transformem em desastres. As soluções já existem, e são baseadas na natureza.

Esses eventos climáticos extremos têm seus impactos intensificados pela ocupação territorial desordenada, em áreas consideradas de risco, como morros, encostas e nas proximidades de rios e lagos. As pessoas mais vulneráveis em tragédias como essas – que serão cada vez mais frequentes – são as que vivem em áreas consideradas de risco.

Em momentos como esse, culpar a natureza e as pessoas não resolve, serve apenas para  isentar o poder público da sua responsabilidade para o ordenamento territorial, cumprimento da legislação ambiental e utilização da ciência na tomada de decisões. Se uma área foi ocupada de forma irregular, o Estado falhou em seu dever de planejar o crescimento das cidades e em fiscalizar o cumprimento do regramento ambiental, ou ainda foi agente ativo no processo, flexibilizando a legislação ambiental ou elaborando planos diretores que beneficiam a especulação imobiliária, por exemplo.

As consequências  da ausência de iniciativas do Estado no combate à ocupação em áreas de risco foram objeto de estudo do Ministério do Meio Ambiente em 2013. Após a tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011. O relatório produzido indicava a necessidade de medidas preventivas, de controle ou de mitigação das enchentes e deslizamentos:

Constatou-se neste estudo que mais de 90% dos deslizamentos de terra estão associado a a algum tipo de intervenção antrópica, como estradas, caminhos, trilhas, terraplanagens, desmatamentos de encosta e topos de morro, degradação da vegetação nativa e áreas de pastagens degradadas. Constatou-se também que as áreas que foram mais intensamente afetadas pela tragédia são aquelas consideradas APPs (margens de cursos d’água, encostas com alta declividade e topos de morros ou montanhas). Verificou-se, por outro lado, que nas áreas com a vegetação nativa bem conservada, mesmo quando localizadas em áreas com alta declividade e topos de morros e montanhas, a quantidade de deslizamentos e rolamentos de rochas foi inferior a 10% do total desses eventos.
Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação X Áreas de Risco – MMA, 2013 (p. 85). 

A natureza é parte da solução dos problemas e precisa ser considerada como tal.  O conceito de Soluções Baseadas na Natureza (SbNs) pode ser apresentado como a busca  de soluções para a adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas nos sistemas naturais para a adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, por exemplo¹. Elas se referem à reintegração da natureza no planejamento urbano. Uma das suas abordagens é justamente a redução de riscos de desastres baseada na restauração de ecossistemas.

O trecho “Nature-based Solutions for disaster risk reduction” do livro Nature-based Solutions to address global societal challenges” (Soluções baseadas na natureza para enfrentar os desafios sociais globais) publicado em 2016 pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) trás alguns estudos de caso de como as SbNs são importantes na mitigação de desastres. Um dos exemplos trazidos é o do furacão Katrina nos Estados Unidos, onde o investimento na restauração de parques e pântanos ajudou a reduzir os danos causados. O mesmo foi visto com os impactos do Grande Terremoto no Leste do Japão, que foram minimizados pela expansão das florestas.

No contexto do Rio Grande do Sul, a restauração e manutenção das áreas alagáveis são soluções possíveis. Locais como a Fazenda do Arado resistem no extremo Sul de Porto Alegre, que são alvo de disputa e tentativas de urbanização, ajudam a regular as cheias do lago Guaíba, cumprindo um papel ecossistêmico vital de garantir a segurança da população do bairro Belém Novo.

 

Soluções Baseadas na Natureza podem ser implementadas sozinhas ou integradas com outras soluções para os desafios sociais (como soluções da engenharia ou tecnológicas). Figura: IUCN, 2016 (p. 8).

Soluções Baseadas na Natureza podem ser implementadas sozinhas ou integradas com outras soluções para os desafios sociais (como soluções da engenharia ou tecnológicas). Figura: IUCN, 2016 (p. 8).

Entre outros itens a serem considerados no planejamento das cidades estão ações como a conservação dos remanescentes de floresta que existem e a restauração ecológica de Áreas de Preservação Permanente (APPs) degradadas. APPs restauradas e conservadas protegem os cursos d’água de assoreamento, atenuam os efeitos das enchentes e evitam erosão e deslizamentos em encostas, além de promover um regramento basilar sobre a ocupação do solo em áreas urbanas.

Não há mais espaço para se negar a emergência climática e a mudança do padrão climático que estamos vivenciando aumenta exponencialmente nossos desafios. A reconstrução das cidades afetadas pelos eventos extremos precisa ser feita levando em conta o que a natureza tem a nos dizer, só isso garantirá a resiliência necessária para enfrentar e amenizar a crise“, relata Miriam Prochnow, cofundadora, diretora e coordenadora de projetos da Apremavi.

Ao adotarem abordagens baseadas na natureza nos planejamentos das cidades, os governos podem não apenas fortalecer a resiliência das cidades frente aos desafios climáticos atenuando os riscos de desastres, mas também melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes e conservar os ecossistemas locais. O momento de agir é agora, e a adoção de Soluções Baseadas na Natureza representa um investimento possível e necessário para garantir um ambiente urbano mais seguro, saudável e próspero para todos.

 

Enchente em área urbana é resultado de um século de ocupação sem visão, de uma urbanização sem planejamento, do processo de discriminação que populações periferizadas ou compostas de minorias étnicas. É resultado do desmatamento das matas ciliares, do microloteamento da terra, da canalização de rios e da impermeabilização do solo. É resultado, ainda, da falta de rede de saneamento, de coleta de lixo e de um sistema de drenagem satisfatório. Figura: (CC) arvoreagua

” Enchente em área urbana é resultado de um século de ocupação sem visão, de uma urbanização sem planejamento, do processo de discriminação que populações periferizadas ou compostas de minorias étnicas. É resultado do desmatamento das matas ciliares, do microloteamento da terra, da canalização de rios e da impermeabilização do solo. É resultado, ainda, da falta de rede de saneamento, de coleta de lixo e de um sistema de drenagem satisfatório.” Figura: (CC) arvoreagua

Autora: Thamara Santos de Almeida e Vitor Lauro Zanelatto, com base em matérias da Apremavi.
Revisão: Miriam Prochnow.
Foto de capa: Fazenda Arado Velho, no bairro Belém Novo em Porto Alegre (RS) durante a enchente de setembro de 2023. Foto: Preserva Arado/Divulgação.

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