Como lidar com um Planeta em ebulição?

29 dez, 2023 | Mudanças Climáticas, Notícias

Cinco dias após o início do verão os termômetros da Serra Catarinense registravam 5 graus e a paisagem amanhecia coberta com uma geada típica de outra estação. Em contraste, ainda em novembro, o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) já apontava 2023 como o ano mais quente da História. Nesse intervalo de tempo, as regiões Sudeste e Centro Oeste do país enfrentavam uma onda de calor nunca antes vista com recordes de temperatura; do Norte e do Centro Oeste as manchetes traziam imagens assustadoras dos maiores rios da Amazônia sem água, enquanto o Pantanal sucumbia numa nuvem de cinzas por conta das queimadas; e no Sul, com destaque para Santa Catarina, chuvas intensas e volumosas, enchentes com recordes históricos de proporção e duração, seis tornados e um novo alerta da Defesa Civil para um ciclone extratropical, colocavam o estado no centro das atenções por conta da constante situação de risco.

O apanhado de manchetes do parágrafo anterior é um retrato real de que o clima na Terra está mudando drasticamente e isso é resultado de um Planeta em ebulição, que já apresenta registros de aumento na temperatura global de 1,32°C em comparação aos índices da era pré-industrial (1850-1900). Diante destes números e, considerando que faltam apenas 7 anos para o prazo fatal proposto pelo Acordo de Paris para limitarmos o aumento da temperatura em 1,5°C, parece pouco provável que consigamos cumprir a meta sem fazer um reajuste de rota, implementando metas mais ambiciosas e compromissos efetivos.

É claro que não podemos deixar de mencionar que o fenômeno El Niño, que surge quando há o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, agrava o cenário das mudanças climáticas, mas são as ações e omissões humanas que criaram este cenário de crise.

Aplicamos a palavra crise de forma equivocada, porque em certos dicionários ela quer dizer mudança súbita, já que as consequências que vemos hoje são causadas por décadas de negligência com o Planeta; que acúmula um excesso de gases de efeito estufa, liberados com a queima de combustíveis fósseis e a mudança de cobertura e uso do solo, e esquenta sem parar.

Além do fenômeno cíclico de nome latino, no caso de Santa Catarina, uma das ações que agrava o cenário de crise e tem colocado a população, sobretudo os mais vulneráveis, em risco, foi e continua sendo, a construção das cidades nas áreas contíguas aos rios, praticamente sobre os cursos d’água em muitos casos, e a ocupação desenfreada das áreas de preservação permanente (APPs), mesmo depois dos desastres de 1983 e 1984, que se repetiram em 2023, ter feito vários municípios do Vale do Itajaí enfrentassem as maiores enchentes da história da região.

Imagens da enchente de novembro de 2023 que devastou cidades do Alto Vale do Itajaí, deixando para trás um rastro de destruição imenso, com prejuízos ecológicos, econômicos, sociais e humanos. Fotos: Carolina Schäffer.

A pergunta que permeia a sociedade quando a enchente bate à porta infelizmente pouco tem a ver com a ocupação das áreas de risco. As populações nessas horas têm um único objetivo: sobreviver. Em algumas instâncias a crise no clima é citada, mas assim como se lava a lama que a enxurrada trouxe, parece que também são lavadas da memória da população as conversas sobre as ações que levaram todo mundo a viver aquilo.

Sabemos que as ações anti-ambientais e negacionistas trazem consequências climáticas extremas imediatas. Nesse cenário de emergência, que cidades do Vale do Itajaí viram em cinco ocasiões diferentes só em 2023, pouco se elabora sobre a omissão por parte dos governantes ao se absterem de atitudes resolutivas no longo prazo e ignorarem a legislação ambiental vigente e, para piorar, insistirem na tentativa de sanção de leis e decretos que ignoram, por exemplo nesse caso, as faixas de proteção mínima dos rios, conforme previsto pelo Código Florestal

Não é apenas investindo em grandes obras de infraestrutura, como nomenclaturas que emulam novas tecnologias eletrônicas ou baseadas no vício histórico de importar soluções estrangeiras para buscar soluções às problemáticas do Brasil – como parece ser o foco de muitos governos – que novos cenários de enchentes serão evitados; é preciso olhar para a paisagem e buscar soluções baseadas na natureza.

Essas soluções começam com a desocupação das margens dos rios e impedindo que novas construções e aterros sejam feitos nas APPs, com o planejamento de construções adaptadas para enchentes em áreas inundáveis fora das APPs e um direcionamento imediato do crescimento das cidades para áreas não sujeitas a inundações ou deslizamentos. Além disso, os especialistas têm repetido com exaustão, se soubermos manter nossas florestas bem conservadas, elas podem ser tão ou até mais importantes na minimização dos efeitos das cheias periódicas, em comparação comas barragens para a contenção de cheias, obras multimilionárias e defendidas por muitas lideranças políticas. Essas estruturas para a contenção de grandes volumes de água à jusante podem implicar em significativos impactos, como o descumprimento de direitos fundamentais e injustiças socioambientais, vistas à exaustão na região da Barragem Norte, em José Boiteux (SC).

O reajuste de rota é necessário e só assim vamos conseguir lidar com o Planeta em ebulição. É preciso garantir a conservação das florestas e trabalhar pelo envolvimento amplo da sociedade nos projetos de restauração dos ecossistemas; afinal, ambos ajudam a manter a biodiversidade e a boa formação de solos, amenizam os climas extremos, protegem as encostas contra deslizamentos de solos, conservam os mananciais, a qualidade e quantidade das águas, além de contribuírem para a harmonia paisagística e para o ecoturismo.

A realidade da emergência no clima, do nosso Planeta em ebulição e das calamidades pelos eventos climáticos extremos está posta, é inegável e cada vez mais intensa. Os seres humanos e não-humanos já estão sentindo e sofrendo graves consequências, encarando a perspectiva do ano mais quente até aqui ser também o ano mais fresco do resto das nossas vidas. Resistiremos e continuaremos buscando um futuro sustentável e equilibrado. O trabalho é árduo, mas é a única chance de proteger a vida, e essa é a missão da Apremavi. 

 

Autora: Carolina Schäffer
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto
Foto de capa: Registro da última enchente no Alto Vale (nov/2023). ©️Carolina Schäffer

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