Enfrentar as desigualdades sociais também é combater as mudanças climáticas

23 maio, 2024 | Notícias

Enquanto a Apremavi elaborava essa matéria, em meados de final de abril e começo de maio, mais um evento climático extremo assolava o Rio Grande do Sul. Um dos enfrentamentos necessários para a emergência climática é falar sobre desigualdades, pois o foco somente no lucro tem devastado não só o Planeta, mas toda a humanidade.

Segundo a Oxfam, desde 2020 os cinco homens mais ricos do mundo experimentaram um crescimento exponencial das suas riquezas, enquanto aproximadamente cinco bilhões de pessoas viram-se imersas em um cenário de empobrecimento progressivo. A carência de acesso às condições básicas para a dignidade humana tornou-se uma dura realidade para uma significativa parcela da população mundial, principalmente no Sul Global. As estimativas para o futuro são desoladoras: sob o atual ritmo de desenvolvimento, estima-se que serão necessários 230 anos para erradicar a pobreza, enquanto nos deparamos com a possibilidade de testemunhar o surgimento do primeiro trilionário em um período de apenas 10 anos.

 

Crescimento dos bilionários em apenas três anos. Gráfico: relatório Desigualdades S.A/Oxfam

Crescimento dos bilionários em apenas três anos. Gráfico: relatório Desigualdades S.A/Oxfam

O relatório “Desigualdade S.A. – Como o poder corporativo divide nosso mundo e a necessidade de uma nova era de ação pública”, publicado pela Oxfam Internacional, mostra como os bilionários criaram uma nova era de poder corporativo e monopolista que garante lucros exorbitantes e também controle sobre as economias dos países. Ele foi lançado durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, evento anual que reúne a elite do mundo corporativo em Davos, na Suíça.

 

Qual a relação com a desigualdade social provocada pelas empresas bilionárias e o agravamento da crise climática?

A desigualdade social está intimamente relacionada à principal emergência socioambiental atual: a mudança no clima. Essa relação também é abordada pelo relatório. O foco apenas no lucro das empresas bilionárias levou o mundo ao que hoje chamamos de colapso climático. Muitos proprietários e investidores bilionários se beneficiam quando o poder e a influência das empresas procuram bloquear os avanços a uma transição rápida e justa, negam e investem recursos na distorção da verdade sobre as mudanças climáticas e uma das suas principais causas: os combustíveis fósseis. 

Anualmente, os bilionários são responsáveis pela emissão de três milhões de toneladas de CO² por meio dos seus investimentos. Isso é mais de um milhão de vezes maior do que as emissões médias de uma pessoa pertencente aos 90% mais pobres da população mundial. Além disso, algumas dessas empresas que dizem avançar em compromissos “net zero”, na prática ainda apresentam falsas soluções que não passam de lavagem verde e não levam a reduções de emissões significativas.

Os deslocamentos causados pelas mudanças climáticas já forçam as pessoas a deixarem suas casas ao redor do mundo. Embora os bilionários estejam frequentemente ligados à crise climática não são eles que sofrem os seus efeitos, são os habitantes de países de baixa renda e aqueles em situação de pobreza que enfrentam os impactos mais severos. As desigualdades econômicas, aliadas às desigualdades de poder relacionadas a gênero, raça, etnia e idade, aumentam a vulnerabilidade aos efeitos das mudanças climáticas.

“Está claro que não é uma questão de falta de recursos para se fazer o que é preciso, mas sim de uma distribuição absurdamente desigual dos recursos existentes. Os nossos desafios para o enfrentamento da crise climática aumentaram enormemente, especialmente quando sabemos que a reconstrução das cidades terá que se dar em outras bases, precisamos de cidades adaptadas e resilientes. Só teremos alguma chance de um enfrentamento eficiente, se tivermos também o componente do combate às desigualdades“, comenta Miriam Prochnow, cofundadora, diretora e coordenadora de projetos da Apremavi.

 

Responsabilizando os autores: quais mudanças precisamos no setor privado rumo à implementação de soluções para a emergência climática?

Se por um lado a mudança no clima afeta as pessoas mais vulnerabilizadas, a responsabilidade pelo agravamento da crise socioambiental tem responsabilidade inversa: a ínfima parcela da população global rica, representada por grandes corporações – sobretudo do Norte global – que historicamente emitem altas concentrações de gases de efeitos estufa e promovem impactos ambientais em seus empreendimentos. Uma das soluções apontadas pelo relatório é a garantia de que não haja pagamento de dividendos ou recompras de ações antes de salários dignos e justiça climática. Restringir os pagamentos aos acionistas pode ser um estímulo eficaz para que as empresas cumpram suas responsabilidades sociais e ambientais, incentivando-as a priorizar salários dignos e investimentos em transição para uma operação de baixo carbono alinhada com as metas do Acordo de Paris. Além disso, as empresas devem ser obrigadas a realizar a devida diligência na identificação de riscos de impacto sobre o meio ambiente e aos direitos humanos em todas as suas operações e cadeias de abastecimento. 

Reinventar a forma como as empresas fazem negócios é possível e necessário. Já existem empreendimentos  competitivos que aliam a sustentabilidade financeira com o propósito social e ambiental. Para isso, os governos podem oferecer tributos e outros instrumentos econômicos para dar prioridade a modelos de negócios sustentáveis.

A responsabilização pelas causas das desigualdades e da atual crise climática em larga escala, em várias regiões do planeta, deve ser diferenciada entre os países do Norte e do Sul Global e dentro de cada país, entre os bilionários e a população de baixa renda. Essa conta não pode ser igual, principalmente na tributação do consumo, da renda e do patrimônio. O poder público deve exercer seu papel de fiscalização e punição de empresas poluidoras, assim como promover a transição energética justa e popular, incentivando e apoiando boas práticas que respeitem os direitos humanos, os direitos trabalhistas, a legislação ambiental, os povos e as comunidades tradicionais, comenta Selma Gomes, Coordenadora de Justiça Climática e Amazônia da Oxfam Brasil

 

Confira outros destaques do relatório:

・Um mundo cruel para muitos, mas maravilhoso para poucos: o início desta década foi marcado por uma profunda dificuldade para a maioria das pessoas, com 4,8 bilhões delas ficando mais pobres em relação a 2019, especialmente mulheres, populações discriminadas e grupos marginalizados, fazendo com que a desigualdade global tenha aumentado pela primeira vez em 25 anos. Enquanto isso, desde 2020, os bilionários aumentaram sua riqueza em 3,3 trilhões de dólares, concentrando-se principalmente no Norte Global, onde apenas 21% da população reside, evidenciando uma disparidade econômica crescente.

・Uma nova era de monopólio: o aumento da riqueza bilionária está intrinsecamente ligado ao crescimento do poder empresarial e dos monopólios, que exploram e ampliam as disparidades econômicas, de gênero, raça e etnia. A concentração do controle financeiro é evidente, com o 1% mais rico detendo 43% de todos os ativos financeiros globais, enquanto bilionários dominam como principais acionistas ou CEOs em 34% das 50 maiores empresas de capital aberto, buscando retornos crescentes às custas de todos os outros.

・Maneiras pelas quais o poder das grandes empresas alimenta a desigualdade: 1) Recompensando os super-ricos às custas dos trabalhadores; 2) Evitando o pagamento de impostos; 3) Privatizando serviços públicos essenciais; 4) Contribuindo para o colapso climático, perpetuando assim disparidades econômicas, de gênero, raça e étnicas.

・Cenário brasileiro: em média, a renda dos brancos está mais de 70% acima da renda da população negra; a pessoa mais rica do país possui uma fortuna equivalente à metade mais pobre do Brasil (107 milhões de pessoas); O 1% mais rico do Brasil tem 60% dos ativos financeiros do país.

 

A Oxfam também apresenta três mudanças principais para a mudança no paradigma que está levando a Terra ao colapso climático e social: 

・Revitalizar o Estado: implica em fortalecer sua capacidade para fornecer serviços públicos essenciais, investir em infraestrutura e explorar opções públicas em setores monopolistas, enquanto aprimora a transparência e a regulação para garantir que o setor privado atenda ao interesse público;

・Regular as grandes empresas: os governos devem conter o poder das grandes empresas, que inclui quebrar monopólios, empoderar trabalhadores, e aumentar os impostos sobre grandes empresas e indivíduos ricos para promover a justiça social e econômica.

・Reinventar os negócios: os governos devem utilizar seu poder para promover empresas que priorizem o bem-estar dos trabalhadores, das comunidades locais e do meio ambiente, oferecendo apoio financeiro e incentivos para modelos de negócio igualitários e sustentáveis

 

Sobre a Oxfam

A Oxfam Brasil é uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos e independente, criada em 2014 para a construção de um Brasil com mais justiça e menos desigualdades. Atua em quatro áreas temáticas: Justiça Rural e Desenvolvimento, Justiça Social e Econômica, Justiça Racial e de Gênero e Justiça Climática e Amazônia.

Entre as estratégias de atuação estão o trabalho em parceria e aliança com outras organizações e setores da sociedade civil brasileira, o engajamento público, a realização de campanhas e a incidência com setores público e privado. A iniciativa brasileira integra uma rede global, que tem 21 membros que atuam em 81 países pelo mundo, por meio de campanhas, programas e ajuda humanitária.

> Acesse o relatório na íntegra 

 

Autora: Thamara Santos de Almeida com informações do relatório Desigualdades S.A. da Oxfam.
Revisão: Carolina Schäffer, Miriam Prochnow, Vitor Lauro Zanelatto (Apremavi) e Selma Gomes (Oxfam Brasil)
Foto de capa: Lauro Alves SECOM RS

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