Entre o Congresso Mundial de Conservação da Natureza e a COP26 do Clima: expectativas e resultados

8 out, 2021 | Notícias

Há pouco menos de um mês para o início da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26, que será realizada em Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro, as expectativas estão altas. De um lado a sociedade civil se organiza para continuar fazendo pressão com apoio dos cientistas, do outro lado os governos se preparam para colocar as cartas na mesa e ver quanto vai custar a conta. Será que finalmente as negociações vão ser finalizadas para colocar o Acordo de Paris em prática?

Lembramos que o Brasil se encontra numa situação bem complicada. Em artigo publicado nesta terça-feira (5/10), o portal especializado em clima, The Carbon Brief, confirma que o Brasil é o quarto país que mais contribuiu para as emissões históricas de CO2, depois de EUA, China e Rússia. O Brasil é responsável por cerca de 5% das emissões no período 1850-2021, principalmente por causa do desmatamento descontrolado. Assim sendo, com que cara vamos participar desse evento mundial do clima?

Nesse clima de expectativa, e também de vergonha, ainda ressoa em nós a grandeza e os resultados do Congresso Mundial de Conservação da Natureza, que se encerrava há pouco mais de um mês com a publicação do Manifesto de Marselha, documento que reflete a preocupação que os mais de 1.500 membros da IUCN expuseram durante o Congresso e ressalta mensagens-chave para solucionar a crise da biodiversidade e a emergência climática, que estão intrinsecamente conectadas e que precisam ser endereçadas imediatamente.

Organizado pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês para International Union of Conservation of Nature), o Congresso foi sediado na França e, ao longo de nove dias, recebeu 6.000 participantes e cerca de 25 mil visitantes que impulsionaram ações pela conservação da natureza com painéis científicos, stands temáticos e eventos de exposição, bem como interagiram e promoveram um debate, aprofundado em questões que vão desde a vida nos oceanos, áreas protegidas, negócios sustentáveis, mudanças climáticas até os direitos humanos, no âmbito do Fórum e das Cúpulas da Juventude, dos Povos Indígenas, de CEOs e de Ação Local

O Congresso da IUCN se concentrou em três temas principais: a estrutura de conservação da biodiversidade no pós-2020, a ser adotada pela Convenção da Biodiversidade; o papel da natureza na recuperação global pós-pandemia; e a necessidade de transformar o sistema financeiro global e direcionar os investimentos para projetos que beneficiem a natureza.

Bruno Oberle, Diretor-Geral da IUCN, mencionou que os membros da IUCN aproveitaram o Congresso para enviar uma mensagem poderosa para Glasgow: “o momento para uma mudança fundamental é agora e as decisões tomadas aqui em Marselha podem impulsionar as ações para enfrentar as crises de biodiversidade e climática sobretudo na década crucial que está por vir”.

Painel sobre a Década de Restauração de Ecossistemas. Foto: Carolina Schaffer.

Resultados que influenciam as tomadas de decisões na COP

No Congresso Mundial de Conservação os 91 estados, 212 agências governamentais, 1.213 ONGs, 23 organizações de povos indígenas e 52 membros afiliados da IUCN se comprometeram, entre outras coisas, a apoiar novas coalizões para implementar de forma eficaz e responsável soluções baseadas na natureza que combatem a crise da biodiversidade e do clima.

Além disso, reconhecendo a importância de iniciativas como a Glasgow Finance Alliance for Net Zero, o Congresso enfatiza a necessidade de mobilização de financiamentos, das mais variadas fontes, para alcançar um desenvolvimento resiliente ao clima, conforme refletido no Acordo de Paris

 

Resoluções e recomendações aprovadas

148 resoluções e recomendações foram discutidas e aprovadas pelos membros da IUCN, sendo 109 por meio de votação online antes do Congresso e 39 delas, as mais controversas, foram levadas para apreciação e aprovação pela Assembleia de Membros durante o evento.

Entre os destaques estão a moção 039, co-proposta pela Apremavi, que faz um chamamento para que a IUCN e seus membros passem a ter um olhar sobre os assuntos que envolvem os defensores e ativistas, seus direitos e suas lutas; a moção 003, que estabelece a criação de uma nova comissão de especialistas na IUCN, a Comissão de Mudanças Climáticas; e a moção 129, ansiada por todos os participantes da Cúpula dos Povos Indígenas, que recomenda a proteção de 80% da Amazônia até 2025 para evitar o ponto de não retorno.

Um ponto importante sobre a moção 039, é o fato do Brasil ser atualmente o quarto país que mais mata ativistas ambientais no mundo e ainda não ratificou o Acordo de Escazú, um acordo de cooperação internacional para promover a participação pública, acesso à informação e justiça em questões ambientais na América Latina e Caribe.

Estas resoluções e recomendações, apresentadas sob a forma de moções, são o mecanismo pelo qual os membros da IUCN influenciam e orientam a política e o programa da IUCN. Como o único fórum internacional de conservação que reúne governos, sociedade civil e organizações de povos indígenas na mesma mesa, a Assembleia de Membros da IUCN exerce um mandato poderoso para a política de conservação global da natureza.

Resultado final da votação da Moção 003, que estabelece a criação de uma Comissão de Crise Climática na IUCN. Foto: Carolina Schaffer.

Manifesto de Gênero

O Congresso também foi palco de um debate mais aprofundado sobre equidade de gênero no âmbito da União. O debate foi incitado após a divulgação dos resultados de uma pesquisa conduzida pela Força Tarefa em Gênero coordenada pelo Conselho da IUCN, e pelas publicação de um “Manifesto de Gênero” pelo Comitê Nacional da IUCN da França.

O manifesto, endossado pela Apremavi, ajudou a mobilizar membros de todo o mundo; sua principal recomendação é a preparação de uma estratégia de gênero apropriada partindo do pedido de que os representantes eleitos no período 2021-2024 se comprometam a fazer da igualdade de gênero uma prioridade em seus mandatos e se comuniquem mais amplamente sobre essa importante questão.

O manifesto e a pesquisa levaram à recomendação de um Plano de Ação que, entre outras coisas, crie um mecanismo para garantir maior participacão feminina nos espaços de liderança. Após uma votação, a Assembleia de Membros aprovou o Plano de Ação.

As expectativas agora são altas, já que pela segunda vez na história da IUCN, quem presidirá a União pelos próximos 4 anos é uma mulher, Razan Al Mubarak, dos Emirados Árabes. A frente dos Comitês Regionais, Nacionais e das Comissões também se vê uma maior representatividade feminina, ainda que o jogo não seja muito equilibrado (17/36).

 

Lista Vermelha de Espécies

A última atualização da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, divulgada durante o Congresso de Marselha, noticiou a recuperação de quatro espécies-chave de atum graças à aplicação de cotas de pesca regionais na última década. Por outro lado, a lista apontou a crescente pressão sobre outras espécies marinhas, com 37% dos tubarões e raias do mundo agora ameaçados de extinção devido à pesca excessiva, agravada pela perda e degradação do habitat e pelas mudanças climáticas.

Além disso, um estudo apresentado informou que mais de 70 parentes selvagens de algumas das plantações mais importantes do mundo estão ameaçados de extinção. Essas plantas, nativas sobretudo do México, Guatemala, El Salvador e Honduras, fornecem recursos genéticos necessários para produzir safras em todo o mundo com maior resiliência às mudanças climáticas, pragas e doenças, bem como para melhorar a produtividade.

 

Articulações do Comitê Brasileiro da IUCN

Atualmente o Brasil conta com 18 instituições-membros da UICN que fazem parte do Comitê Nacional e se reúnem periodicamente para pensar em estratégias de potencialização de seus trabalhos em prol da conservação da natureza. 

Representando os membros brasileiros, seis instituições estiveram presentes no Congresso de forma presencial: a Apremavi, o Ipê, o Imaflora, o ISPN, o Direito por um Planeta Verde e a Arpemg.

Entre as articulações feitas pelo Comitê Brasileiro, estão o lançamento do Manifesto Brazil Matters, uma reunião com a presidente recém eleita da União, a condução de reuniões com os membros do Comitê Sul-Americano e conversas bilaterais com os presidentes das Comissões. Estas atividades consolidam os esforços do Brasil de fortalecer seu espaço institucional, seus membros e a presença da UICN no país e são também combustível para uma influência positiva nas resoluções das COPs que virão por aí.

Autora: Carolina Schäffer com informações da IUCN.

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