Monitoramento de fauna em áreas restauradas no Caminho da Mata Atlântica
Em 1992 foi postulada a “A Síndrome da Floresta Vazia” (do inglês The Empty Forest) para descrever os fatores relacionados ao esvaziamento e empobrecimento da fauna nas florestas. Algumas florestas, principalmente as tropicais, têm sido denominadas como florestas vazias, pela ausência de diversidade de espécies de animais em seu interior causada por impactos humanos de longa data.
A presença de remanescentes florestais na paisagem não são garantia da existência de uma fauna diversa, pois impactos históricos, como a caça e o desmatamento podem ter levado a dizimação das populações viáveis nessas regiões. Quando não ocorre a dizimação, o paradigma da Floresta Vazia nos mostra que pode haver substituição e eliminação de algumas espécies de topo de cadeia, como os felinos, para um aumento de espécies de médio e pequeno porte, como os roedores.
Dentro desse contexto, a conservação e a restauração devem andar juntas com ações em prol da redução das ameaças e promoção da conexão entre fragmentos florestais, aliado ao investimento no monitoramento. Por meio do monitoramento, é possível compreender quais espécies existem nos locais que estão sendo restaurados e como está a fauna ao longo do tempo, a fim de elucidar se, como e onde essa fauna está e se está voltando.
No contexto da Mata Atlântica, felizmente um estudo mostrou que a extinção local de predadores do topo da cadeia alimentar foi evitada pela existência de grandes áreas florestais ao longo das serras montanhosas da Serra do Mar e da Serra Geral, mas ainda é uma lacuna compreender como ações de conservação e restauração do bioma beneficiam a fauna e, consequentemente, a restauração ecossistêmica.
O Caminho da Mata Atlântica (CMA) tem se dedicado ao monitoramento da fauna em áreas restauradas. Um dos projetos mais recentes do CMA com o Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) é o “No Caminho da Mata Atlântica: restaurando paisagens e fortalecendo cadeias produtivas locais no Mosaico Central Fluminense (CMA-MCF)” que inclui diversos objetivos, sendo um deles, o monitoramento de fauna em áreas que receberam ações de restauração.
O projeto já tem resultados promissores para a fauna, segundo os resultados do projeto publicados no site do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS-Rio). Ao longo de 19 meses, a partir de janeiro de 2022, foram registradas 29 espécies de mamíferos nas áreas de restauração do projeto, sendo 25 espécies nativas da Mata Atlântica e quatro espécies exóticas/domesticadas. Dentre as espécies registradas, destacam-se as espécies ameaçadas de extinção como o sagui-da- serra-escuro (Callithrix aurita), gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi), gato-do-mato-do-sul (Leopardus guttulus), gato-maracajá (Leopardus wiedii) e anta (Tapirus terrestris).
A Apremavi, a fim de saber mais e se inspirar por esse trabalho, que tem consonância com a atuação da instituição, entrevistou os pesquisadores Andre Monnerat Lanna e Carlos Eduardo de Viveiros Grelle, do Laboratório de Vertebrados (LabVert) do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), responsáveis pela coordenação do monitoramento das áreas com ações de restauração do CMA.
Entrevista com pesquisadores de fauna em áreas restauradas no CMA
1) Apremavi: queremos saber mais sobre a história do projeto e o que motiva vocês no trabalho de monitoramento de fauna.
Pesquisadores: O Caminho da Mata Atlântica (CMA) é uma iniciativa fundada por um conjunto de órgãos gestores de unidades de conservação, federações de montanhismo, ONGs e diversos outros parceiros, e hoje é liderada pelo Instituto Caminho da Mata Atlântica . O CMA surgiu com o objetivo de trabalhar com o turismo de base comunitária em trilhas de longo percurso. Entretanto, com o decorrer do projeto vimos que era necessário monitorar a biodiversidade.
O CMA vai desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul, compreendendo a Serra do Mar até a Serra Geral. A importância do CMA vai além de uma trilha, é uma iniciativa de conservação de paisagem em grande escala, queremos abranger também a diversidade geológica e conectar a biodiversidade com esse caminho. Além disso, temos componentes sociais e econômicos, como fortalecer a cadeia produtiva do trecho. Recentemente, estamos tentando entender como a restauração influencia grandes grupos de mamíferos, principalmente na sua abundância na Serra do Mar.
O que nos motiva é trabalhar para que a fauna seja parte fundamental dos protocolos de monitoramento da restauração, por enquanto ela ainda é uma novidade nos projetos. Além disso, precisamos expandir esse monitoramento para 10-15 anos, abarcando também estudos de interações interespecíficas, ecologia da paisagem, e pensar em outros grupos, para além dos mamíferos, como aves e invertebrados.
2) Apremavi: desde quando vocês monitoram a fauna em áreas restauradas?
Pesquisadores: O início do monitoramento de fauna em áreas restauradas foi com o projeto “No Caminho da Mata Atlântica: restaurando paisagens e fortalecendo cadeias produtivas locais no Mosaico Central Fluminense (CMA-MCF)”, apoiado pelo Funbio, em janeiro de 2022. Ele teve a duração de dois anos, a partir daí também incluímos o monitoramento de fauna em outro projeto de restauração em parceria com a WWF.
3) Apremavi: qual a importância da realização do monitoramento de fauna em áreas restauradas?
Pesquisadores: A restauração ecológica precisa focar na restauração ecossistêmica, a floresta não vai funcionar adequadamente sem a fauna. O grande desafio é monitorar para além de somente a vegetação e carbono, e para isso sabemos que precisamos de políticas públicas, recursos, equipe capacitada e projetos de longo prazo. É preciso compreender que esse monitoramento da fauna não é tão fácil quanto monitorar a vegetação, leva mais tempo e custa mais, porém é primordial para observarmos os efeitos da restauração.
4) Apremavi: como o trabalho ocorre na prática? Quais são as principais ferramentas e métodos?
Pesquisadores: usamos armadilhas fotográficas e ficamos em cada área por períodos de amostragem.
Nosso foco são os mamíferos médios e grandes e a compreensão do retorno deles ao longo dos anos. Queremos entender como a vegetação mudou e como a fauna está mudando ou não e qual a relação da fauna com a vegetação, para isso avaliamos padrões ecológicos como a ocorrência, riqueza, composição da comunidade e a abundância.
5) Apremavi: quais os principais resultados que vocês têm encontrado e quais os desafios?
Pesquisadores: temos o resultado do marco 0 da biodiversidade, ou seja, a linha de base de como a fauna está antes da restauração. A ideia é compreendermos como o incremento de vegetação vai aumentar ou mudar essa comunidade de mamíferos.
Já temos alguns dados interessantes como exemplares de cateto (Pecari tajacu) se movimentando entre dois fragmentos, o que é uma surpresa, pois normalmente ele ocorre em áreas conservadas maiores, então temos algumas ideias iniciais desse movimento da fauna na paisagem. A longo prazo, pretendemos conseguir financiamento para dar continuidade ao monitoramento.
As armadilhas fotográficas possibilitam também o registro de possíveis ameaças com o monitoramento, como cachorro doméstico, gado, caça e fatores de degradação. Além disso, elas geram muitas fotos e vídeos que podem ser utilizados em ações de comunicação e educação ambiental, mostrando o valor da floresta em pé e das áreas restauradas.
6) Apremavi: quais as principais indicações para a realização de monitoramentos dessa natureza?
Pesquisadores: depende da ambição e do recurso, aqui começamos com os mamíferos pelo tempo que tínhamos (2-3 anos) e dos recursos. O ideal é um monitoramento a longo prazo que aborde tanto vertebrados quanto invertebrados, como polinizadores, se puderem, a exemplo de aves e abelhas.
Além disso, é importante fazer uma linha de base comparável entre áreas, por exemplo, comparar áreas restauradas em diferentes estágios com áreas de referência (conservadas) para compreender se a diversidade está próximo do que se espera e com áreas controle (degradadas), como pasto e agricultura extensiva, por exemplo.
Os pesquisadores Andre Lanna e Carlos Eduardo em campo pelo projeto do Caminho da Mata Atlântica e algumas espécies registradas (cutia, cateto e puma) por meio do monitoramento de áreas restauradas. Fotos: Andre Lanna para o Caminho da Mata Atlântica.
O Caminho da Mata Atlântica
O Caminho da Mata Atlântica é uma trilha de mais de 4 mil km que percorre a Serra do Mar e um trecho da Serra Geral, abrangendo vários estados do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul. Seu limite norte é no Parque Estadual do Desengano (RJ) e se estende até os cânions do Parque Nacional dos Aparados da Serra (RS).
Inspirada na Appalachian Trail norte-americana, a trilha atravessa mais de 130 áreas protegidas, comunidades tradicionais e terras indígenas, conectando trilhas históricas como o Caminho do Itupava (PR), os Caminhos do Mar (SP), o Caminho de Mambucaba (SP/RJ) e as travessias Petrópolis-Teresópolis e Lumiar-Sana (RJ). Passa também por paisagens de ilhas como Santa Catarina (SC), Ilha do Mel (PR), Ilhabela (SP) e Ilha Grande (RJ), promovendo o montanhismo, ecoturismo, desenvolvimento local e conservação da biodiversidade em um dos biomas mais ameaçados do mundo.
Conheça os resultados do projeto CMA-MCF:
Referências:
Bogoni, J. A., Pires, J. S. R., Graipel, M. E., Peroni, N., & Peres, C. A. (2018). Wish you were here: How defaunated is the Atlantic Forest biome of its medium-to large-bodied mammal fauna?. PloS one, 13(9), e0204515.
Bogoni, J. A., Percequillo, A. R., Ferraz, K. M., & Peres, C. A. (2023). The empty forest three decades later: lessons and prospects. Biotropica, 55(1), 13-18.
Redford, K. H. (1992). The empty forest. BioScience, 42(6), 412-422.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Carolina Schäffer (Apremavi) e Andre Monnerat Lanna e Carlos Eduardo de Viveiros Grelle (Caminho da Mata Atlântica e Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Foto de capa: Puma (Puma concolor), registrado no Caminho da Mata Atlântica por Andre Lanna.