Por que a Mata Atlântica é tão diversa?

25 jun, 2025

A Mata Atlântica é um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta. Apesar de sua extensa degradação, abriga uma alta diversidade de espécies, muitas delas endêmicas, que ocorrem apenas no bioma. O que explica tamanha diversidade?

A resposta pode ser encontrada em uma área de estudo chamada biogeografia: interseção entre clima, relevo e história evolutiva. A biogeografia estuda como os seres vivos se distribuem pelo planeta ao longo do tempo, buscando entender por que certas espécies ocorrem em alguns lugares e não em outros, e como fatores como o clima, o relevo, os eventos geológicos e a evolução moldaram essas distribuições.

No caso da Mata Atlântica, dois caminhos científicos ajudam a explicar sua diversidade: a Teoria dos Refúgios e a Hipótese da Mata Atlântica.

 

A Teoria dos Refúgios: quando a floresta encolheu

Inspirada em uma hipótese inicialmente usada para a Amazônia, a bióloga brasileira Ana Carolina Carnaval e o australiano Craig Moritz refinaram e aplicaram o conceito dos “refúgios climáticos” à Mata Atlântica, usando modelagem paleoclimática, genética e dados ecológicos.

Segundo a teoria, durante as eras glaciais do Quaternário, quando o clima do planeta se resfriou, a Mata Atlântica retraiu-se a pequenos núcleos florestais mais úmidos e estáveis, chamados refúgios. Nessas áreas, a fauna e a flora permaneceram isoladas por milhares de anos, evoluindo separadamente. Quando o clima voltou a esquentar, as florestas se expandiram novamente, levando ao surgimento de novas espécies a partir dos refúgios.

Refúgios foram identificados em regiões como o sul da Bahia, o norte do Espírito Santo, o trecho litorâneo entre o Rio de Janeiro e São Paulo e o litoral de Pernambuco. Essas áreas coincidem com os atuais centros de alto endemismo da Mata Atlântica, locais onde ocorrem espécies únicas, que não existem em nenhum outro lugar do mundo.

 

A Hipótese da Mata Atlântica: quando a floresta avançou sobre o mar

Uma teoria mais recente, liderada por Yuri Leite e Leonora Costa, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), propõe um modelo alternativo e complementar a Teoria dos Refúgios. A hipótese sugere que, durante o Último Máximo Glacial (há cerca de 21 mil anos), a Mata Atlântica não retraiu, mas expandiu-se especialmente em direção à plataforma continental, hoje submersa.

Naquela época, o nível do mar era até 120 metros mais baixo, expondo vastas áreas costeiras. Modelos genéticos e demográficos de pequenos mamíferos não mostraram sinais de colapso populacional, o que seria esperado se as espécies tivessem ficado isoladas em refúgios. Em vez disso, os dados sugerem expansão para áreas mais quentes e baixas, compatíveis com a plataforma então exposta.

 

Um mosaico de histórias

As teorias não são contraditórias, mas sim, demonstram a complexidade da vida. Como aponta o pesquisador Henrique Batalha-Filho, co-autor do artigo sobre a Hipótese da Mata Atlântica, em entrevista à Fapesp: “a Mata Atlântica parece ser um mosaico de histórias evolutivas”. Algumas espécies podem ter seguido o padrão dos refúgios; outras, o padrão de expansão. Ecologia, altitude, barreiras naturais e tolerância ao frio influenciaram como cada linhagem respondeu às mudanças climáticas. 

A Mata Atlântica, portanto, não tem uma única história, tem muitas. E cada espécie nos conta uma parte dela. Tanto os antigos refúgios quanto a antiga costa submersa parecem ter sido cruciais para que essa floresta se tornasse uma das mais biodiversas do mundo. A cada nova pesquisa, uma peça do quebra-cabeça se encaixa. E com isso, compreendemos melhor o porquê de valer tanto a pena restaurar e conservar o bioma.

 

Referências:

CARNAVAL, Ana Carolina; MORITZ, Craig. Historical climate modelling predicts patterns of current biodiversity in the Brazilian Atlantic forest. Journal of Biogeography, v. 35, n. 7, p. 1187-1201, 2008.

LEITE, Yuri LR et al. Neotropical forest expansion during the last glacial period challenges refuge hypothesis. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 113, n. 4, p. 1008-1013, 2016. 

THOME, Maria Tereza C. et al. Barriers, rather than refugia, underlie the origin of diversity in toads endemic to the Brazilian Atlantic Forest. Molecular Ecology, v. 23, n. 24, p. 6152-6164, 2014.

Autora: Thamara Santos de Almeida
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto
Foto de capa: © Wigold Schäffer

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