O último recanto de vida selvagem no Rio Grande do Sul está na região dos Campos de Cima da Serra, ainda esperando para ser descoberto pelos amantes da natureza da era moderna.
Quem primeiro desbravou este paraíso ecológico foram os tropeiros de gado no início do século 18. Por lá viviam os índios Coroados, Caigangues e Botocudos que resistiram o quanto puderam ao avanço dos brancos.
Toda beleza natural ainda está na região: rios de águas limpas e cristalinas, dezenas de cachoeiras e canyons formados há milhões de anos.
Para chegar a cada cantinho deste tesouro natural, muitas trilhas por extensos campos verdes e montanhas rochosas tomadas por florestas com araucárias, mescladas na vegetação exuberante típica da Mata Atlântica.
Na sua época, os tropeiros percorriam a região buscando o gado solto, que levavam para vender nas metrópoles de então. Eles viajavam pelo país levando os animais assim ajudaram a fundar muitas cidades. O corredor por onde passavam hoje é conhecido como Caminho dos Tropeiros.
Muito se descobriu sobre a vida desses homens que se aventuravam por entre montanhas e rios, mas o que talvez nunca se descubra era o que se passava em suas cabeças ao se depararem com as belezas da região.
Rasgado por mais de trinta canyons que parecem terem sido cortados pela mão do homem, os Aparados da Serra são a borda da Serra Geral, daí a origem do seu nome. Do nível do mar até 1.400 metros de altitude, um horizonte verde a se perder de vista.
Os seus pontos mais deslumbrantes são os canyons do Itaimbezinho (Parque Nacional dos Aparados da Serra), Fortaleza (Parque Nacional da Serra Geral), Monte Negro (ponto mais alto do RS), Pedra Furada (Parque Nacional de São Joaquim em SC) e o Campo dos Padres, de onde se avista boa parte do litoral catarinense.
A ativista Káthia Vasconcellos Monteiro, da ONG ambientalista Mira-Serra, de São Francisco de Paula, vê na região um grande potencial para o turismo sustentável: Além da importância histórica, a região apresenta rica biodiversidade que deve ser preservada e nesse sentido, o turismo sustentável pode exercer um papel fundamental.
Ela conta que a região é um tradicional reduto gaúcho onde se pode aproveitar o convívio nos bailões nos CTGs, além de rodeios, torneios de laço e cavalgadas tudo regado a chimarrão e churrasco.
Mais perto do céu
Em São José dos Ausentes fica o Monte Negro, ponto mais alto do Rio Grande do Sul. Mas apesar dos seus 1.400 metros de altitude, a caminhada é relativamente fácil. De carro dá para chegar a 300 metros do canyon, o resto se faz a pé ou a cavalo. Se a neblina permitir, a vista é magnífica.
Já para subir ao pico do Monte Negro é um pouco mais complicado porque não há uma trilha demarcada, sobe-se em meio aos arbustos e pequenas árvores, caminhada de 20 minutos.
Outro passeio imperdível é a Trilha das Cachoeiras, uma atrás da outra e que serviram de cenário para a mini-série da TV Globo "A Casa das Sete Mulheres".
Ausentes têm pouco mais de três mil moradores. Encanta pela beleza natural e pela simplicidade do povo. Seus habitantes, aliás, são um capítulo a parte. Se o gaúcho é conhecido pela hospitalidade, Ausentes tem boa parte de culpa nisso.
O pequeno município está localizado a 250 quilômetros de Porto Alegre, com acesso um bastante precário para quem vem por Cambará do Sul. Mas até mesmo essa aventura vale a pena já que o caminho é cercado por uma fechada vegetação de Mata Atlântica.
Para o empresário da área de Turismo Paulo Hafner, que atua há quase 20 anos na região, a riqueza histórica, ambiental e cultural dos Campos de Cima da Serra merece uma visita de pelo menos uma semana. São tantas belezas para contemplar que menos do que isso é um pecado.
Na parte gaúcha, Paulo cita como imperdíveis o Monte Negro, o Mirante da Rocinha, o Cachoeirão dos Rodrigues, a cachoeira da cabeceira do Rio das Antas e a Cachoeira das Sete Mulheres. Tudo isso apenas em São José dos Ausentes.
Em Cambará, recomenda os dois parques (Aparados e Serra Geral), mas não esquecendo de vê-los também por baixo, percorrendo uma trilha no rio Malacara, pelo município catarinense de Praia Grande.
É uma trilha de grau médio de dificuldade, dependendo muito das condições físicas do visitante em andar sobre as pedras do leito do rio. A trilha mais curta pode ser feita em cinco quilômetros, com direito a banho nas piscinas naturais.
Outra caminhada das boas pode ser feita pelas bordas do canyon Fortaleza, localizado no Parque da Serra Geral ele tem sete quilômetros de extensão e quase mil metros de profundidade.
Rio Pelotas
Falando em belezas naturais é impossível esquecer do Rio Pelotas e de sua importância biológica, cultural e histórica. Principal afluente do rio Uruguai, ele forma uma das maiores bacias hidrográficas do Sul do Brasil. Suas águas passam ainda pela Argentina e pelo Uruguai e mais tarde se juntam ao rio Paraná para formar o grande rio da Prata.
O Pelotas foi também lugar de passagem dos antigos tropeiros que atravessavam a mula guia amarrada numa espécie de botezinho, feito com couro de boi, ao qual davam o nome de pelota. Nessa pelota iam dois remadores. Daí para virar nome de rio foi um pulo. O Passo de Santa Vitória, na foz do rio dos Touros era o local de travessia dos tropeiros e foi também palco de um evento importante da revolução farroupilha, foi lá que aconteceu o combate de Santa Vitória, em 1839, com a presença de Anita Garibaldi lutando para derrubar as forças do império. É também um verdadeiro paraíso entre montanhas e remanescentes de Mata Atlântica para ambientalistas e aventureiros.
Ameaças reais
E toda esta beleza está seriamente ameaçada. De um lado, extensos plantios de pinus, espécie exótica que já toma conta de grandes extensões dos campos nativos e de onde deveriam ressurgir as florestas de araucárias.
Mas é uma outra ameaça que perturba o sono dos ambientalistas. Trata-se da usina hidrelétrica de Pai-Querê, a quarta em seqüência no Pelotas. Já foram construídas: Itá, Machadinho e Barra Grande, esta última afogou seis mil hectares de florestas de araucárias.
Pai- Querê
A hidrelétrica de Pai Querê faz parte do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal e está planejada entre os municípios de Bom Jesus (RS) e Lages (SC), em um desnível de aproximadamente 150 metros em um trecho de 80 km de rio. Terá capacidade instalada de 292 MW. Serão alagados cerca de 6.100 hectares da Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Em fase de licenciamento pelo IBAMA, a usina tem investimentos previstos de R$ 968,92 milhões e é um projeto controlado por um consórcio formado pelo Grupo Votorantim (80,10%), DME Energética (4,50%) e Alcoa (15,34%).
A salvação
Estando no PAC, xodó deste governo e provavelmente de qualquer outro no futuro, dificilmente a usina não será construída. A luz no fim do túnel é uma proposta do Ministério do Meio Ambiente que prevê a criação do corredor ecológico do Rio Pelotas, uma Unidade de Conservação com quase 300 mil hectares em 17 municípios, chamada de Refúgio da Vida Silvestre – menos proibitiva para os proprietários de terra, mas que poderia barrar Pai-Querê.
O problema é que o projeto do refúgio repousa na mesa do presidente Lula há meses, que bem sabe da queda de braço entre os ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia, este último sendo chefiado por Dilma Rousseff até pouco tempo.
A implantação do corredor é essencial para a preservação da região e para evitarmos a instalação de empreendimentos que possam afetar as riquezas naturais", argumenta Káthia. A ambientalista explica que o refúgio pode ser constituído por áreas particulares, de maneira a compatibilizar os recursos naturais com a utilização da terra pelos proprietários, principalmente por meio do turismo sustentável.
Fotos: Gustavo Jardim