Infelizmente a luta dos ambientalistas, dos mais diversos recantos do Brasil, contra a efetiva implantação da Usina Hidrelétrica de Barra Grande parece estar chegando ao seu final. E o que é pior, a um triste final. Em 5 de julho de 2005 o IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, emitiu a licença ambiental de operação (LO) para o empreendimento. Imediatamente a empresa Baesa, dona do empreendimento, iniciou o fechamento das comportas da barragem, dando inicio à inundação do reservatório que afogará cerca de 5.000 hectares de floresta atlântica com araucárias.

Todos aqueles que tomam conhecimento das entranhas desse processo de licenciamento ambiental fraudolento se revoltam, mesmo sem sequer conhecer a magnitude da região. Já aqueles que puseram seus pés na região que será inundada, e viram com seus próprios olhos a grandiosidade da floresta atlântica existente e a mega biodiversidade da região, experimentam sensações ainda piores: desolação, enorme tristeza e uma profunda indignação e descrença na "justiça dos homens".

Casos como o de Barra Grande, demonstram que o direito ambiental ainda está longe de ser efetivo em nosso país, pois é em situações como esta, de grande dimensão e magnitude que se aufere a sua real efetividade. Multar ou condenar pequenos degradadores, demolir pequenas construções irregulares, é fácil, e exemplos disso temos vários. Mas quando o caso alcança proporções infinitamente maiores, como o caso de autorizar a construção de uma Usina Hidrelétrica, orçada em mais de um bilhão de reais, lastreada em um Estudo de Impacto Ambiental fraudolento, como se mostra a efetividade do direito ambiental? A resposta, infelizmente, é uma só: não há efetividade.

No caso de Barra Grande, nem os devidos processos legais foram respeitados, eis que inúmeras ações civis públicas ainda tramitam em fase inicial e a prova maior da fraude havida no Estudo de Impacto Ambiental será destruída, pois a prova é a própria floresta e esta será inundada. Com a inundação se retira completamente a efetividade dos processos em tramitação, pois repetimos, a prova será destruída antes que se pudesse quantificar a real extensão do dano ambiental causado à sociedade brasileira, e por que não dizer, a todo o planeta.

E iniciativas não faltaram de parte de ONGs ambientalistas: inúmeras ações civis públicas, ações cautelares, mandados de segurança, recursos, pedidos de reconsideração, etc., foram interpostos, inúmeros laudos técnicos comprovando a fragilidade, tanto dos estudos realizados na região, quanto das medidas compensatórias adotadas, foram anexados aos processos. Os fatos foram levados ao conhecimento do Poder Judiciário. O direito também foi amplamente demonstrado. O direito chegou a ser reconhecido pelo Poder Judiciário, tanto é que duas medidas liminares foram concedidas na primeira instância processual. Mas claro, as conseqüências da efetiva aplicação do direito ambiental nesse caso seriam onerosas demais para o Poder Público, e assim, muito mais fácil é ver no empreendimento o seu "lado bom", maquiando nele um irreal interesse público que serviu para amparar decisões judiciais favoráveis a continuidade do empreendimento mesmo diante da fraude flagrante e reconhecida. E assim aconteceu. Em sede de recurso, junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) foram cassadas as medidas judiciais liminarmente deferidas em primeira instância processual, e a continuidade da consumação da tragédia não foi obstada, nem mesmo para que se realizasse prova pericial na área. Ou seja, subtraiu-se o direito que toda parte em um processo possui de produzir sua prova.

No caso de Barra Grande, a verdade é que a máquina estatal conspirou como um bloco monolítico contra as ações de setores da sociedade civil organizada. O Governo Federal herdou um problema, a fraude no Estudo de Impacto Ambiental e expedição das primeiras licenças ambientais, ocorreram ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, mas isso não exime o atual Governo, pois este ao invés de enfrentar o problema, optou por "jogar a sujeira pra baixo do tapete", dando continuidade ao empreendimento. E isso que temos como Ministra do Meio Ambiente a tão festejada Marina Silva.

Para o Ministério de Minas e Energia o caso Barra Grande se tornou questão de honra, afinal, precisamos infinitamente de energia, e empilhar hidrelétricas é a política energética atual, a questão ambiental é de menor ou nenhuma importância para eles.

O Ministério Público Federal, fiscal da lei, optou pelo caminho mais tranqüilo, o da compensação, e pôs sua rubrica num termo de compromisso extremamente frágil tecnicamente, se dando por satisfeito. Mesmo quando fatos novos, posteriores as medidas de compensação estabelecidas, surgiram, como a notícia de que a inundação afetaria uma unidade de conservação de proteção integral, o Parque Municipal de Encanados em Vacaria/RS, ou ainda, a descoberta de pesquisadores catarinenses de que na área do reservatório se encontram as últimas três populações da espécie de bromélia Dichya distachia e que a inundação levaria esta espécie à extinção, nada fez o Ministério Público Federal.

Mas e o que dizer do Poder Judiciário, que através do TRF da 4ª Região, rapidamente derrubou as medidas liminares obtidas pelas ONGs, e para julgar recursos movidos pelas mesmas ONGs se tornou extremamente moroso e desinteressado. Recursos que postulam a não concessão da Licença de Operação para o empreendimento ainda estão pendentes de julgamento e a licença já foi concedida!

Do lado inverso, se postaram as organizações não-governamentais, com seus militantes e advogados voluntários, setores da imprensa, estudantes, professores e pesquisadores da área ambiental, numa luta extremamente desigual em busca da efetividade do direito ambiental e da Justiça. Os inúmeros processos que ainda tramitam na Justiça Federal prosseguirão, buscando agora uma indenização pecuniária pelos danos ambientais, que também não poderá ser devidamente quantificada devido à destruição da prova, mas uma coisa é certa, o verde perdeu essa batalha e a natureza está de luto. Mas no país do mensalão e da corrupção, o que se podia esperar? Infelizmente a efetividade do direito ambiental em nosso país ainda está distante, sendo hoje um sonho que projetamos para o futuro como um filme de ficção.

Rogério Rammê é advogado Especialista em Direito Ambiental, assessor jurídico voluntário do Núcleo Amigos da Terra Brasil.

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