A decisão da Justiça Federal de Blumenau, suspendendo os efeitos do Decreto que criou o Parque Nacional da Serra do Itajaí, configura-se em mais um duro golpe nos esforços de conservação da Mata Atlântica, sabidamente um dos biomas mais ameaçados do planeta. Reflete o grau de dificuldade que ainda encontramos na sociedade brasileira na administração dos conflitos gerados no confronto da defesa dos direitos difusos com os interesses econômicos particularizados.

O fulcro central da contestação ao ato de criação do Parque Nacional da Serra do Itajaí, reside na crítica ao processo de consulta pública, matéria sobejamente esmiuçada na legislação pertinente, senão vejamos:
A Lei Nº 9.784/99 estabelece, em seu artigo 31, que quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de CONSULTA PÚBLICA para manifestação de terceiros. O parágrafo 2º desse mesmo artigo determina que o comparecimento à Consulta Pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da administração, resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.

A Lei 9.985/00, que estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, por sua vez, determina que a criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade (Art. 22, § 2º). Fica estabelecido ainda que no processo de consulta de que trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.

O Decreto 4.340/02, que regulamenta artigos da Lei 9.985/00, também trata do assunto, determinando que compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública (Art. 4º). A finalidade dessa consulta pública é subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade (Art. 5º). A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas (§ 1º, do Art. 5º). O Decreto ainda determina que no processo de consulta pública, o órgão executor competente deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da unidade proposta.

Essas considerações são apresentadas para que se analise com a devida criticidade à decisão do juiz substituto da 2º Vara Federal de Blumenau, Edilberto Barbosa Clementino, concedendo liminar que suspende os efeitos do Decreto que criou o Parque Nacional da Serra do Itajaí. A ação popular foi proposta por sete proprietários de imóveis localizadas em áreas abrangidas pelo Parque Nacional. O magistrado aceitou a alegação dos autores de que, em seis dos nove municípios atingidos pelo decreto, não teriam sido realizadas audiências públicas para que a população pudesse se manifestar. O magistrado alega ainda que a consulta pública realizada em municípios vizinhos não atendeu à determinação legal: "A população rural está, via de regra, excluída do acesso às informações de além dos limites do seu círculo de convivência, além de não integrar a grande teia de informações que é a internet".

O magistrado apresenta uma linha de argumentação subjetiva, até certo ponto preconceituosa, e inconsistente. Não existe determinação alguma exigindo que a consulta pública, no caso de criação de unidades de conservação, seja realizada em todos os municípios abrangidos pela UC. Há que se entender que obedecendo, princípios de racionalidade e razoabilidade, o planejamento dessas consultas públicas possa e deva ser feito de modo a viabilizar a participação dos interessados. Até mesmo outras formas de oitiva da comunidade, que não reuniões públicas, são facultadas pela legislação. Onde portanto, reside a ilegalidade de um processo que promoveu três consultas públicas, em três cidades diferentes, contando todas com ampla e profícua participação popular?

Uma consulta mais atenta as atas dessas audiências públicas pode melhor retratar esse panorama. É de se destacar que, salvo informação em contrário, até o momento não se viu contestação por conta do licenciamento ambiental de empreendimentos, cuja audiência pública tenha sido realizada apenas em um dos municípios atingidos pelo mesmo. E essa tem sido a regra, o que não limita críticas ao carácter excessivamente burocrático desses procedimentos.

A internet é uma ferramenta que esta se disseminando rápida e eficazmente, e mesmo no meio rural são constantes os relatos da crescente utilização da mesma. Mas tudo isso é irrelevante, visto que o MMA-IBAMA promoveu ampla divulgação das consultas públicas, e as mesmas foram realizadas através de reuniões públicas, em locais acessíveis e, como já mencionado, em três municípios distintos da região. A consulta pública, é bom esclarece, não foi efetuada pela rede de computadores. Se o fosse, ainda que passível de críticas, não seria ilegal, visto a previsão do artigo 5º do Decreto 4.340/02. Não obstante, seria oportuno verificar se, efetivamente, os sete proprietários de terra que questionam o Decreto estão excluídos da internet???

A carência de fundamentação legal para sustentar a decisão do magistrado, associado ao uso de argumentação equivocada e descabida cria uma justificada inquietação naqueles que, enquanto parte de uma sociedade civil organizada, que externaliza e sustenta conflitos com o intuito de prover a defesa e a melhoria contínua da qualidade da vida, nas suas mais diversas manifestações, sempre tiveram no Poder Judiciário uma referência para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.

* João de Deus Medeiros é professor da UFSC, Presidente do Grupo Pau Campeche e Segundo Secretário da Apremavi.

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