O processo de instalação e implantação da da Usina Hidrelétrica de Barra Grande está se tornando uma jóia rara de exemplos feios de descasos ao meio ambiente e à legislação ambiental vigente.

Como se já não bastasse o alagamento de cerca de 6.000 ha de floresta com araucárias (Araucaria angustifolia) em diversos estágios de regeneração, e o consentimento conivente por parte do IBAMA com a extinção da Bromélia Dyckia distachya, descobriu-se agora que mais uma espécie considerada rara no Paraná e praticamente extinta no Rio Grande do Sul, habita a floresta que neste momento continua sendo cortada e inundada pela barragem da UHE Barra Grande: o gavião-de-penacho Spizaetus ornatus.

Apesar de ser uma espécie amplamente distribuída, ocupando originalmente todo o território nacional, no sul do país esta espécie vem sofrendo com a perda de habitat, o que a levou a uma drástica redução de sua população nessa região. Trata-se de uma ave de rapina de 140 cm de envergadura, ocupando lugar no topo da cadeia alimentar é essencial para o equilíbrio de um ecossistema. Alimenta-se este gavião de outras aves menores, pequenos mamíferos e répteis.

Sabe-se da presença desta ave na região da UHE de Barra Grande desde 1998, conforme afirmações de biólogos que atuaram na região a serviço da empresa Bourscheid S.A. Engenharia e Meio Ambiente. Foi a Bourscheid que efetuou os estudos de fauna para o empreendimento hidrelétrico executado pela BAESA – Energética Barra Grande S.A.

Estudos de fauna são um dos pré-requisitos para obter o licenciamento de obras impactantes ao meio ambiente e integram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), estudo este que deve de ser apresentado ao Ibama para a obtenção da Licença de Implementação. Curiosamente, o gavião-de-penacho não é listado nesse EIA. Apesar, ou talvez justamente por constar da lista oficial do Ibama de Aves ameaçadas de extinção, bem como do apêndice II da Convenção Internacional Para a Proteção de Espécies Ameaçadas (CITES), da qual o Brasil é signatário. Nesse apêndice constam as espécies que poderiam estar "globalmente ameaçadas, se não se promovem medidas de proteção para seu habitat".

Mais uma irregularidade que se junta às demais feito pérolas numa corrente de omissões. Além da floresta que não se conseguiu ver, não se "viu" essa ave.

É uma ave enorme e tão bela, que vendo sua foto, muitos podem pensar que ela nem existe de verdade. De tão bonito que o bicho é, nem existe. Pelo menos não quando se trata de liberar uma obra de tamanho porte.

Recapitulando os fatos: o Ministério do Meio Ambiente (MMA) assiste inerte à liberação da Licença de Operação (LO) por parte do Ibama , que autoriza definitivamente o alagamento e destruição de um dos últimos e melhores fragmentos de floresta com araucárias e conseqüentemente a extinção da bromélia endêmica Dyckia distachya. Pela primeira vez na história deste país, se extingue (comprovadamente) uma espécie de forma consciente, ou seja, apesar de detalhadas informações prévias e a despeito de insistentes avisos de cientistas sobre a iminente ameaça de extinção. Se fossem outros órgãos que não aqueles que deveriam zelar pelo patrimônio natural, o MMA e Ibama, seria menos triste e revoltante vermos liberar uma obra como essa e pôr literalmente por água abaixo tamanha riqueza natural. Dessa forma, desse jeito deliberado, é imperdoável.

Que a Engevix Engenharia SA (contratada pelas empresas interessadas em construir a hidrelétrica, e que posteriormente viriam a formar o consórcio Baesa realizou o EIA e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) omitindo a existência dessas espécies, agindo com isso aparentemente de má fé (10), pode estranhar a alguns… Assim como é curioso que o presidente do Ibama, Sr. Marcus Barros, que tem por obrigação cuidar do meio ambiente do país, não tenha visto nem a bromélia, nem o gavião nos inúmeros documentos mencionados.

Falsificar documento público é crime punido com até cinco anos de cadeia pelas leis brasileiras.

Até agora ninguém foi preso ou punido, a não ser as araucárias que estão sendo cortadas, a bromélia que está sendo afogada e o nosso gavião-de-penacho, que vai ter que procurar outro lugar pra morar… Porém, sabemos que não existe outro lugar. É por isso que ele se encontra nessa região, que não tem como ser compensada com um reflorestamento (previsto em Termo de Referência que procura dar legitimidade a todas essas ilegalidades) uma vez que um plantio não conterá toda a biodiversidade de fauna e flora necessária para que esta espécie consiga sobreviver. Biodiversidade esta que é resultado de um processo evolutivo de milhões de anos e que o homem nunca vai conseguir reconstruir de forma equivalente.

* Carlos é biólogo voluntário da Apremavi e mestrando em Ecologia e Conservação na Universidade Federal do Paraná.

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