Para homenager o dia da Terra, a Apremavi inaugura esta nova seção: "Amigo da Natureza". Serão contadas histórias de pessoas que fizeram e fazem sua parte em prol do nosso Planeta. Histórias que inspiram novas ações em prol do bem comum. Histórias que precisam ser divulgadas. Histórias que são verdadeiros exemplos de vida.

Você pode sugerir nomes de pessoas e histórias para esta seção. Entre em contato pelo email: info@apremavi.org.br  e faça sua contribuição.

O primeiro Amigo da Natureza da seção é Daniel Pedro Schaffer.

Daniel Pedro Schaffer

“Ao longo da vida eu fiz muitos amigos e sempre consegui o respeito e a ajuda destes amigos. Respeitar as pessoas, manter amizade com todos, negros, brancos, pobres, ricos, crianças ou idosos, é a melhor coisa da vida…”

Daniel Pedro Schäffer nasceu no dia 24 de março de 1933 na localidade de Rio Caeté, atual município de Alfredo Wagner (SC), aos pés do Campo dos Padres, uma região de grande diversidade ambiental. Era o caçula entre 8 filhos de Pedro e Carolina Schäffer.

Ao repórter Caco Barcellos, em 1999, o “Seu Daniel”, como era popularmente conhecido, resumiu o que pensava em relação à natureza: “Eu não me considero dono de terra, apenas aluguei um pedaço de 25 hectares. O meu contrato de aluguel é de 90 anos e estou procurando fazer tudo o que posso para entregá-lo tão bem, ou melhor, do que o encontrei, para os filhos, netos e as gerações futuras… Se eu ajudei a cortar 1.000 árvores, quero deixar plantadas pelo menos outras 1.000, para quem vier depois de mim”.

Ainda pequeno, com apenas 6 anos de idade, seus pais se mudaram para o Distrito de Serra Pitoco, atual município de Atalanta(SC). Corria o ano de 1938 e o mundo começava a se envolver na segunda grande guerra. A guerra dos agricultores de Santa Catarina era outra, não menos cruel, contra a Mata Atlântica e os índios, seus primitivos habitantes, considerados obstáculos ao desenvolvimento. Daniel já fazia parte da quarta geração de família de alemães que haviam aportado no Brasil em 1858 e se estabelecido no atual município de Rancho Queimado(SC). A mudança para Serra Pitoco representava a busca de um novo “eldorado” ou nova “terra prometida”, a terceira, visto que as terras em Rancho Queimado e Alfredo Wagner, depois de desmatadas e queimadas diversas vezes, já não produziam o bastante para sustentar toda a família.

A viagem de aproximadamente 100 km de Alfredo Wagner a Serra Pitoco, em meio à mata virgem, foi feita num carretão puxado por 4 cavalos e durou 8 dias, visto que as estradas de terra eram precárias e em alguns trechos inexistentes.

Daniel contou essa história muitas vezes; “ao chegar aqui na Serra Pitoco o que encontramos foram as florestas densas, repletas de madeiras nobres e que pareciam inesgotáveis. Aqui, a primeira atitude de meus pais e irmãos mais velhos foi iniciar a derrubada da floresta para dar espaço para agricultura e pastagem…  Hoje eu lamento porque as florestas foram derrubadas e em seguida impiedosamente queimadas, transformadas em cinzas, até mesmo as madeiras mais nobres como cedro, canela, peroba, ipê e muitas outras eram queimadas ou jogadas nos grotões e riachos… Nascente d´água e margem de rio ninguém respeitava, eram os primeiros lugares a serem derrubados para fazer pasto para o gado…Muitas vezes as pessoas derrubavam as grandes árvores no topo dos morros só para ver o tombo e ouvir o barulho da queda…nada era aproveitado da madeira…ninguém sabia quais podiam ser as consequências, ninguém tinha qualquer preocupação .. a natureza parecia inesgotável e a ordem era desmatar…derrubar tudo…chegávamos a derrubar imensos pés de ingá-macaco ou cortiça (araticum) apenas para comer os frutos…ninguém lembrava que seria a última vez… que no próximo ano não haveria mais pés de ingá e nem frutos…”.

Em média cada colono, como são ainda hoje conhecidos os pequenos produtores rurais de Atalanta e região, tinha uma gleba com 25 hectares de terra. Todos os anos faziam novas roças, popularmente chamadas de “coivara”, desmatando e queimando 1 ou 2 hectares, os quais eram utilizados para o plantio do milho, feijão, abóbora, batatas e outras culturas utilizadas para consumo das pessoas e dos animais. Na época da colonização da região quase não havia comércio, era necessário produzir primeiro para sobreviver e depois para trocas de mercadorias ou produtos entre vizinhos. Apenas alguns produtos não perecíveis como feijão ou charque eram vendidos para atravessadores ou diretamente nas vendas das vilas mais próximas. Essas novas roças podiam ser plantadas por três ou no máximo quatro anos, aí a terra ficava esgotada e já não produzia o bastante, necessitando ser abandonada e ficar em “pousio” por um período de no mínimo uns 6 a 10 anos, quando voltava o ciclo de cortar e queimar. No segundo ciclo a terra já produzia bem menos do que no primeiro e aos poucos, após sucessivas queimadas, ia esgotando toda a camada fértil

Na vida e no trabalho Daniel assumiu muitos desafios. Aos 16 anos de idade perdeu o pai, cabendo a ele assumir os trabalhos e a administração da casa e do terreno de 25 hectares. Teve três filhos e com a ajuda da sua esposa Anita, mais tarde ajudou também a cuidar dos netos e de muitas outras crianças, que o adoravam, pois ele sempre tinha algo interessante para contar e ensinar. Era determinado, transmitia confiança e obtinha a admiração das pessoas que com ele conviviam. Foi agricultor, marceneiro, carpinteiro, suinocultor e piscicultor. Foi também o barbeiro e fotógrafo da comunidade, ajudou na escola, na igreja, no clube de bolão e na Apremavi. Foi ainda vereador em Atalanta.

Uma das histórias que contava é que já na década de 1950 percebeu que algumas práticas agrícolas não poderiam continuar da forma como vinham sendo realizadas. Observara que algumas propriedades da região, onde o desmatamento já tinha consumido praticamente todas as florestas, começavam a apresentar sinais de diminuição da água nas nascentes e pequenos riachos e perda da fertilidade do solo. Isso fez com que percebesse que o tesouro mais importante de seu imóvel eram algumas nascentes de água as quais precisavam ser preservadas.

Desde logo decidiu que aquela área com aproximadamente 3 hectares, incluindo todo o morro no entorno das nascentes deveria permanecer com a cobertura da floresta primitiva, apesar de estar localizada no meio do terreno, onde estavam também parte das terras mais férteis.  A decisão de manter preservadas as nascentes foi importante, pois na década de 1960 ele tornou-se carpinteiro e marceneiro, construindo uma pequena marcenaria cujas máquinas eram movidas com roda d´água. Muitas pessoas da região ainda tem móveis por ele fabricados. A água proveniente das nascentes que ficavam a menos de 200 metros tocava também um pequeno gerador e produziu por muitos anos a energia elétrica para a sua casa, antes da chegada da energia elétrica da rede pública em 1978.

Ainda hoje, mais de 70 anos depois, ali ainda brotam algumas das mais importantes nascentes do rio Dona Luiza, um dos afluentes do rio Itajaí do Sul, da mesma forma como ele e seus pais as encontraram quando chegaram para colonizar a terra, enquanto que outras nascentes da região estão destruídas e chegam a secar em períodos de estiagem.

Frequentou a escola por apenas 3 anos, mas leu muito, viajou e buscou as informações e conhecimentos dos quais precisava. Antes de assumir um novo desafio na vida, procurava ouvir, pesquisar e observar. Era um perfeccionista, queria sempre o melhor resultado, não gostava das coisas mal feitas ou feitas pela metade. Tinha o hábito de se orientar por exemplos bem sucedidos, nem que para isso tivesse que viajar centenas de quilômetros e investir alguns dias. Passava horas conversando com pessoas que sabiam fazer coisas novas ou diferentes.

Mesmo tendo exercido diversas atividades Daniel nunca deixou de ser agropecuarista. Já no final da década de 1960 abandonou de vez a roça de “coivara” e “pousio”, pois chegou à conclusão que era uma prática agrícola que empobrecia cada vez mais o solo e em consequência trazia mais dificuldades à sobrevivência dos pequenos produtores. Passou a planejar as atividades agroflorestais observando a paisagem e as características do terreno. Nas áreas com maior declividade implantou reflorestamentos e plantou espécies frutíferas. Nas áreas mais planas manteve as atividades agrícolas mais intensivas, sem esquecer da adubação orgânica, da adubação verde e da cobertura do solo.

Sempre procurou fazer coisas novas, algo diferente que pudesse melhorar a qualidade de vida e a qualidade do meio ambiente. A diversificação das atividades, o cuidado com o solo, a proteção das nascentes, o pioneirismo em reflorestar com espécies de árvores nativas e outras práticas agrícolas inovadoras para a época o levaram a ser premiado por duas vezes como “Produtor Modelo” pelo Ministério da Agricultura. Já na década de 1990, sempre com espírito inovador, iniciou a primeira criação de trutas da região do Alto Vale do Itajaí, atividade que também só foi possível graças às nascentes preservadas e protegidas muitos anos antes.

O maior legado por ele deixado foram as experiências com conservação e recuperação da Mata Atlântica. Foram dele, as primeiras experiências da região com enriquecimento de florestas secundárias, plantando espécies nativas nobres no meio das capoeiras. Foi ele também o primeiro plantador de palmito-juçara (Euterpe edulis) e um dos primeiros a plantar pinheiro brasileiro (araucaria angustifolia) no município de Atalanta, inclusive, consorciando estas duas espécies constantes da lista de espécies ameaçadas de extinção. Plantou também espécies exóticas como eucalipto e pinus, em pequenos blocos, e os enriqueceu com espécies nativas como o palmito.

Vale aqui mencionar um comentário feito pelo Dr. Paulo Nogueira Neto, um dos maiores especialistas em conservação da biodiversidade e proteção dos ecossistemas naturais do Brasil e do mundo, quando em visita ao local em 2007: “Esta aqui é uma das melhores e mais bem sucedidas experiências de Sistema Agroflorestal (SAF) que eu já vi, aqui tem resultados concretos e palpáveis que devem ser difundidos para outras regiões, resultados que mostram que na pequena propriedade bem administrada tem espaço para produzir e preservar ao mesmo tempo”. E olha que o “Seu Daniel” jamais mencionou e talvez nem soubesse o conceito de SAF, fizera tudo intuitivamente e observando os erros e acertos dele e dos outros.

Suas experiências serviram e ainda servem de exemplo e modelo para grande parte dos projetos da Apremavi. Na década de 1980 ao coletar mudinhas na mata para replantar em áreas desmatadas ou para enriquecer capoeiras, percebeu que os resultados não eram os esperados. Muitas mudinhas morriam em função das raízes danificadas e outras, obtidas de áreas sombreadas, não se adaptavam a ambientes com luz do sol. Como não havia viveiros e nem mudas nativas para adquirir na região começou também a coletar sementes e sugeriu que se começasse um viveiro próprio. Surgia assim o Viveiro Jardim das Florestas da Apremavi que atualmente tem capacidade para produzir aproximadamente um milhão de mudas de mais de 120 espécies nativas da Mata Atlântica.

“Seu Daniel” partiu em 2003 aos 70 anos de idade, deixando como maior legado exemplos que mostram claramente que é possível preservar a natureza e produzir ao mesmo tempo. Sobre a atividade agropecuária sempre dizia que a única forma do pequeno produtor rural se manter na roça e viver bem é através da diversificação de atividades sem deixar de cuidar da preservação do solo, da água, dos animais e das florestas.

Inúmeras são as pessoas do Brasil e do mundo que atualmente passam por lá. Algumas ficam hospedadas na casa da “Oma Anita”, onde funciona uma modesta hospedaria. Ela sempre se dedicou aos trabalhos na agropecuária e a manter um belo jardim com muitas flores. O jardim, assim como os plantios de araucária, de palmito e as áreas de eucalipto enriquecidas com espécies florestais nativas deixadas pelo “Seu Daniel” deixam os visitantes admirados e lhes trazem grandes inspirações para aplicar alguns dos exemplos em suas regiões.

As pessoas que lá passam, podem observar que a integração entre Homem e Natureza é possível. Podem também descansar, tomar um delicioso chimarrão e prosear à sombra de uma majestosa figueira plantada há 35 anos pelo “Seu Daniel”, local onde com sua inseparável cuia de chimarrão, recebia amigos, contava histórias, cativava pessoas e cultivava amizades…

Por tudo isso, o Seu Daniel é para a Apremavi  um "Amigo da Natureza".

Fotos: Miriam Prochnow e Wigold Schaffer

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