"Quando recordo o passado Nos tempos de minha infância Lembro do rio pelotasQue ficou-me na distância.Vai Rio pelotas sem pararCorrendo vai Caminhando dia e noiteVai formar o rio Uruguai”…

Estas são rimas de uma canção popular que faz parte das tradições do povo que convive com o Pelotas, rio que fica na divisa dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e que é o principal afluente do rio Uruguai, formando uma das maiores bacias hidrográficas do Sul do Brasil. Essas águas passam ainda pela Argentina e pelo Uruguai e mais tarde se juntam ao rio Paraná para formar o grande rio da Prata.

É um rio que historicamente esteve presente na vida das pessoas. Foi lugar de passagem dos antigos tropeiros, que nele tinham que atravessar suas mulas. Aliás foi desta maneira que ele ganhou seu nome. Os tropeiros atravessavam a mula guia amarrada numa espécie de botezinho, feito com couro de boi, ao qual davam o nome de pelota.

Nessa “pelota” iam dois remadores. Daí para virar nome de rio foi um pulo. O Passo de Santa Vitória, na foz do rio dos Touros era o local de travessia dos tropeiros e foi também palco de um evento importante da revolução farroupilha, foi lá que aconteceu o combate de Santa Vitória, em 1839, com a presença de Anita Garibaldi lutando para derrubar as forças do império. Mas essa é uma outra história…

A história que queremos contar aqui é sim do Pelotas, mas vista de um outro ângulo. Do ângulo de um grupo de cientistas e ambientalistas aventureiros, que mesmo tendo que enfrentar chuvas de granizo, frio intenso e fortes ventos contrários, cavalgou as corredeiras deste rio numa inédita expedição de rafting, que foi um sucesso e desvendou um rio ainda desconhecido para grande parte da população.

Foram três dias dentro de um bote, no início de setembro, remando e percorrendo 80 km de rio, acampando nas suas margens, registrando dados da fauna, da flora, das condições da água e do ambiente em geral. Os aventureiros eram ambientalistas e técnicos da Apremavi, da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses, da Ativa Rafting, da Universidade Federal de Santa Catarina e do Ministério do Meio Ambiente. O Passo de Santa Vitória, é lógico, estava no roteiro. Foi local de um dos acampamentos, porque não dava para deixar de mergulhar um pouco na história.

Os cientistas aventureiros tiveram a oportunidade de ver e conviver com uma das últimas áreas de transição das florestas ombrófila mista e estacional e também de campos naturais, fato que confere ao local um alto índice de biodiversidade. Foram identificadas árvores bem conhecidas, como a araucária, o cedro e algumas canelas, mas também outras de nomes esquisitos e peculiares daquela região, como o miguel-pintado, a carne-de-vaca, o pau-toucinho e o rabo-de-mico. Nas matas ciliares surgem majestosas as araucárias que se destacam em meio aos açoita-cavalos e branquinhos que nesta época do ano perdem suas folhas e imprimem uma visão deslumbrante à paisagem. O coqueiro jerivá e o pinheiro bravo também aparecem como bordaduras no meio da mata e ainda para enfeitar as cachoeiras dos afluentes, surgem os butiás-da-serra.

É importante ressaltar que em toda a extensão do rio foram identificadas florestas em vários estágios, desde matas virgens, em estágios médio e avançado de regeneração e também algumas em estágio inicial. Um fato impressionante é a regeneração da floresta com araucárias, que em alguns trechos parece até reflorestada. Provavelmente um trabalho feito pelas gralhas e cotias que vivem na região. Mas não é só de cotias e gralhas que vive o rio. Os aventureiros tiveram contatos inesperados com lontras, capivaras, veados e várias espécies de pássaros, que deram um toque especial aos dias passados no rio. Sem falar nas inúmeras estórias sobre os pumas da região, contadas pela população.

Inesperadas também foram as surpresas encontradas nos afluentes que surgem nas curvas do Pelotas, que com suas águas límpidas muitas vezes despencam em cachoeiras belíssimas de se contemplar. Aliás, este é outro aspecto importante do rio que com seu leito rochoso, oferece aos visitantes águas volumosas e transparentes e em vários trechos, paredões de pedra e serras. É sem dúvida um grande corredor ecológico, que pode ser apreciado tanto nos seus remansos, quanto em suas corredeiras.

Falando em corredeiras e paisagens, não podemos deixar de enfatizar que o Pelotas é um rio que tem ainda muitas oportunidades a oferecer, não somente por seu passado e sua história, mas por seu presente e futuro.

Pela primeira vez na vida, este rio viu um bote de rafting, que cavalgou suas belas corredeiras e proporcionou momentos inesquecíveis aos aventureiros que ousaram enfrentar suas águas geladas de inverno. Foi aprovado, não só pelos aventureiros, mas por profissionais que fazem do turismo de aventura o seu dia-a-dia. O comandante do bote disse em alto e bom tom que ainda não tinha visto um rio dessa magnitude para uma expedição de rafting de dois dias, fora dos limites da Amazônia. Ele é majestoso, por seu volume d’água, pela beleza dos seus afluentes e de suas margens e por suas corredeiras, que mesmo sendo de classe três, não são perigosas. Com toda certeza pode vir a ser um dos destinos mais procurados por admiradores do turismo de natureza e aventura. O comandante chegou até a dizer que com um pouquinho mais de água, quem sabe uma forte chuva, ele vira um Zambezi, o famoso rio da África, um dos paraísos do rafting.

Mas ainda não acabou, os turistas que seguirem os caminhos dos aventureiros e ao final da expedição saírem do rio exultantes mas cansados, irão encontrar a acolhida amistosa da população, poderão se aquecer e saborear uma sapecada de pinhões no fogo de chão, comer um jantar típico, quem sabe dar de cara com um pouco de neve e com sorte, apreciar um belo pôr do sol. Este é talvez um dos mais belos do mundo, quando o sol, ao bailar das curicacas, tenta se esconder por detrás das magníficas copas das araucárias.

Um rio que tem essa história, que faz nascer a cultura, que guarda um ambiente natural de alta qualidade, verdadeiro e único refúgio de vida silvestre ainda preservado naquela região e, que tem um alto potencial turístico, importante para o desenvolvimento sustentável, deve ser protegido e preservado para as presentes e futuras gerações.

Fotos: Miriam Prochnow e Edegold Schaffer

Integrantes da expedição – bote e equipe de terra: 1 – Otto Hassler Comandante e guia do bote – Ativa Rafting 2 – Miriam Prochnow Coordenadora da Rede de ONGs da Mata Atlântica e integrante da Apremavi – Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto vale do Itajaí 3 – Fábio França Gerente de Projetos da Diretoria de Áreas Protegidas do MMA – Ministério do Meio Ambiente 4 – Julio César Faria Guia da Ativa Rafting 5 – João de Deus Medeiros Dr.em botânica – UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina 6 – Rubens Onofre Nodari Gerente de Recursos Genéticos da Diretoria de Biodiversidade do MMA 7 – Edegold Schaffer Presidente da Apremavi 8 – Edilaine Dick Bióloga da Apremavi 9 – Luiz Antônio Esser Mateiro da Apremavi 10 – Daniela Freitas Guia da Ativa Rafting

Apoio Geral:
11 – Emerson Antônio de Oliveira Assessor Técnico da Diretoria de Áreas Protegidas do MMA 12 – Cosme Poleze Secretário Regional em Lages da FATMA – Fundação de Meio Ambiente de SC 13 – Representantes da Polícia Ambiental de SC 14 – Representantes do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis 15 – Representantes da Fazenda Santo Cristo – Capão Alto

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