O IBAMA conseguiu, más línguas diriam "fazer mais uma das suas", os lúcidos usariam a palavra "omissão", e quem vê e sabe o que se passou, sente no mínimo uma indignação imensa pelas atitudes dessa autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Pois é… o IBAMA conseguiu mais uma vez.

Trata-se aqui da construção da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no Rio Pelotas, na região do planalto catarinense e rio-grandense.

Voltemos no tempo… Ano 1998, foi concedida pelo IBAMA uma Licença Ambiental Prévia, apesar de haver uma liminar do Ministério Público Federal proibindo qualquer desmatamento em área de Mata Atlântica no estado de Santa Catarina. É que não se vê floresta, de tanta árvore que há. Seria uma das explicações para o fato de um EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, pré-requisitos para dar andamento às obras de construção) afirmar que só havia capoeira na região.

Afirmação esta que o IBAMA engoliu, embora bastasse dar uma olhada no mapa de remanescentes florestais do estado de SC para desconfiar que possivelmente se tratava aí de um documento fraudulento. Pelo jeito, nenhum fiscal foi ver a região, ou quem sabe se restringiram a visitar o canteiro de obras. Realmente, em meio à obra dificilmente vai haver floresta.

Tudo beleza… o IBAMA deixa, já que não há floresta… ninguém vai notar nada, isto é, ninguém vai reclamar… não fosse a tal da remoção da vegetação… raios… a empresa Baesa-Energética Barra Grande S.A. só poderá encher o lago, se a vegetação for removida… então pediu-se licença para desmatamento… Mas o IBAMA, atentem, é vivo: "peraí! Aqui neste laudo (fraudulento? nota da redação) está escrito que não há floresta, e agora pedem para desmatar 1.000.000 de m3 de madeira. De onde é que veio essa madeira toda?".

Talvez é magia, em 2001 não havia floresta, e abracadabra: final de 2003 estão querendo derrubar um milhão de metros cúbicos de madeira. Até o IBAMA conseguiu notar que alguma coisa não estava certa…

Diferente a situação das ONGs ambientalistas, que pegaram vento da história toda apenas no início de 2004 em função do pedido de desmatamento, o IBAMA teve 5 anos para não fazer nada. Que na localidade não há nenhuma ONG ambientalista que atue ou é um fato que ajudou a manter as coisas na surdina, ou é mera coincidência.

Não foi porém casualidade uma equipe da Apremavi, FEEC, o jornalista Marcos Sá Corrêa e um cinegrafista terem se encontrado nesta 6a feira dia 17.09 no aeroporto Hercílio Luz em Florianópolis, para sobrevoar de helicóptero a região de inundação do suposto lago da hidrelétrica.

Pôde-se documentar com este sobrevôo, que só pôde ser realizado graças ao apoio do WWF e da TNC, através de dezenas de fotos e com mais de duas horas de filmagem o que os órgãos ambientais não conseguiram ver: dos 8.100 ha passíveis de serem alagados, 2.077 ha são de mata primária de Floresta ombrófila mista (Floresta de Araucárias), 2.158 ha são de floresta em estágio avançado de regeneração, 2.414 ha são de floresta em estágios médio e inicial de regeneração e outros 1.100 são de campos naturais. Áreas que serão inundadas pelo lago da hidrelétrica, na região de Anita Garibaldi (SC), Lajes (SC), Capão Alto (SC), Vacaria (RS) e Pinhal (RS).

Até num mapa de escala reduzida é possível ver a floresta

Estes importantes remanescentes florestais da Mata Atlântica serão alagados e irão desaparecer num túmulo submerso, graças a uma montanha de cimento de 180 metros de altura cujo lago irá inundar essa área de mais de 8.000 ha, de cerca de 80 km de extensão.

Uma história de suspense? Uma história trágica, isso sim. Recapitulando: o IBAMA cedeu a licença ambiental de instalação em junho de 2001, com base num EIA/Rima que dizia não haver nada a inundar além de capoeirinha. Naquela época, estava em vigor a resolução 278 do CONAMA que limitava o corte de espécies ameaçadas de extinção a 15 m3 para proprietários rurais e para uso na própria propriedade. Lembrando: a Araucária (Araucaria angustifolia), bem como a Imbuia (Ocotea porosa) e a canela-preta (Ocotea catharinensis), todas espécies da Floresta Ombrófila Mista, são de acordo com lista oficial do IBAMA espécies ameaçadas de extinção.

Além disso, por tratar-se de mata primária, o IBAMA deveria de ter consultado o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente (de acordo com o Art. primeiro do Decreto 750/93).

A FEEC e a RMA entraram com ação civil pública na justiça federal em Florianópolis questionando a legalidade da obra. Pede-se na ação cívica para que a barragem seja derrubada, ou, como alternativa para isso, para que a empresa Baesa-Energética defina quotas de enchimento do lago, que não afetem a vegetação primária.

Paralelamente foi assinado, na semana passada, um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), entre o IBAMA, Ministério do Meio Ambiente, BAESA e Ministério Público Federal, que permitiu ao IBAMA conceder a licença para o desmatamento da floresta e a operação da usina. Este TAC na prática nada mais é do que uma justificativa legal para viabilizar um empreendimento que foi construido todo na ilegalidade. Pretende o TAC também apresentar medidas compensatórias para o dano a ser causado. As ONGs não foram ouvidas neste caso e ainda não tiveram acesso ao teor do documento, mas com certeza podemos afirmar que nenhuma medida é capaz de compensar as florestas que serão subtraídas das futuras gerações desta forma tão grotesca.

Assim, o jornalista Marcos Sá Corrêa encerrou sua visita ao estado de SC vendo mais um cemitério, que ao contrário da modesta memória com vistas ao futuro que a Apremavi procurou firmar, tem tudo para afogar um importante fragmento de florestas daquilo que a Unesco declarou como Reserva da Biosfera e Patrimônio da Humanidade: a Mata Atlântica.

(OBS da redação: A FEEC e RMA protocolaram junto ao ministério do meio ambiente pedido de cópia do TAC e até o momento do fechamento desta notícia não tinham conhecimento do seu conteúdo, não podendo, assim, se pocisionar a respeito).

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