ONGs se posicionam sobre a crise do desmatamento e queimadas na Amazônia na COP 25

13 dez, 2019 | Notícias

Assinada por 110 organizações da sociedade civil, redes e movimentos sociais, entre elas a Apremavi, declaração conjunta sobre a crise do desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira é lançada na COP 25 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em Madri.

Além de apresentar uma análise crítica das tendências recentes e fatores de desmatamento e queimadas na Amazônia, bem como consequências para a crise climática global e outros impactos sociais e ambientais, a declaração também faz um apelo à ação, destinado a mobilizar a sociedade brasileira e a comunidade internacional para que adotem medidas concretas em defesa da Amazônia e dos direitos de seus povos.

Veja declaração abaixo.

 

Declaração sobre a crise do desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira

Por ocasião do seminário “Desmatamento e Queimadas na Amazônia: Tendências, Dinâmicas e Soluções” e da COP 25 da Convenção da ONU sobre as Mudanças Climáticas

1. Com 7 milhões de quilômetros quadrados (km²) compartilhados por nove países, a Amazônia abriga a maior bacia hidrográfica e a maior floresta tropical do planeta. Junto com a sua imensa diversidade biológica e cultural, uma característica da Amazônia é a sua fantástica capacidade de atuar como um gigantesco coração, bombeando 20 trilhões de litros de água todo dia para a atmosfera. Por meio da evapotranspiração, a floresta lança enorme quantidade de vapor d’água que se transforma em “rios voadores” que alcançam outras regiões, ajudando a manter equilíbrio climático do continente sul-americano e de todo planeta. Mas este coração está sendo atacado por atividades predatórias que ignoram suas consequências desastrosas para presentes e futuras gerações e para o clima do planeta.

2. Nos últimos meses, um salto nos índices de desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira (que abriga dois terços do bioma) provocaram espanto, indignação e protestos no Brasil e no mundo. Frente a esse quadro alarmante, foi realizado em Brasília, no dia 28/11/2019, o seminário “Desmatamento e Queimadas na Amazônia: Tendências, Dinâmicas e Soluções”, uma iniciativa da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados, contando com a participação de parlamentares, instituições públicas, cientistas e organizações da sociedade civil, onde foram apresentados e debatidos um conjunto de dados e análises sobre características, causas e consequências do desmatamento e queimadas na Amazônia, assim como desafios para a sua superação, sob uma ótica de justiça socioambiental.i Seguem as principais conclusões das análises e debates desse evento:

Os Números e suas Consequências:

3. De acordo com dados oficiais do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre agosto de 2018 e julho de 2019 foram desmatados 9.762 km2 na Amazônia brasileira, área cerca de 30% maior que no período anterior. Entre agosto e outubro de 2019 foram identificados mais 3.429 km² sob alerta de desmatamento, contra 1.792 km² no mesmo trimestre de 2018, um aumento de 91%!2 De janeiro a agosto deste ano foram verificados 46.825 focos ativos de queimadas no bioma amazônico, um aumento de 111% em relação ao mesmo período no ano passado. Somente em agosto de 2019, foram registradas 30.901 queimadas, um aumento de 196% em comparação a agosto de 2018 e o maior número dos últimos 9 anos. Entre janeiro e agosto de 2019, a área total afetada pelo fogo foi de 4,3 milhões de hectares, 71% maior que a média nos mesmos meses dos últimos dez anos. Verificou-se que a maior parte dessas queimadas ocorreu em áreas recém-desmatadas.3

4. No ano de 2019, as terras públicas não destinadas e áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) somaram 41% do total da área desmatada. Nas Unidades de Conservação federais, houve um salto de 84% no desmatamento em relação ao ano anterior. Isso demonstra um quadro de incentivo a grilagem de terras públicas pelo governo federal, com o descaso em proteger o patrimônio dos brasileiros, pelo qual é responsável.4

5. O aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia, em conjunto com a grilagem de terras e a exploração ilegal de madeira e outros recursos naturais, está diretamente vinculado ao 2 aumento de atos de violência contra povos indígenas, comunidades tradicionais e movimentos sociais. Violência que têm ficado impune, na grande maioria dos casos.

6. As consequências do desmatamento e queimadas na Amazônia são imensas: comprometem a manutenção do maior patrimônio dos brasileiros, o bem-estar da população e a estabilidade do clima regional e global. Em 2019, o desmatamento acumulado chegou a 800 mil km2 na Amazônia brasileira, cerca de 20% de sua área original, ponto considerado crítico por diversos cientistas. Os efeitos também são sentidos com o encurtamento da estação de chuvas em partes da Amazônia, a intensificação do derretimento de geleiras na região andina e a redução de chuvas em outras regiões do continente sul-americano, que impactam diretamente na vida da população e até mesmo na atividade agropecuária brasileira. A continuidade do desmatamento e queimadas na Amazônia e a destruição do imenso estoque de carbono armazenado nas florestas colocam em risco as contribuições brasileiras para o cumprimento do Acordo de Paris, prejudicando os esforços globais de manter o aumento das temperaturas médias abaixo de 1,5 Cº graus.

O papel do atual governo brasileiro

7. O problema do desmatamento indiscriminado na Amazônia vem de longa data, mas o agravamento desse quadro em 2019 é resultado direto de declarações, omissões e ações objetivas do governo federal. Entre os fatores de intensificação da crise ambiental amazônica produzidos pelo atual governo federal estão:

  • Declarações públicas do presidente e de alguns de seus ministros, associadas ao afrouxamento da fiscalização de atos ilegais, que deram um claro sinal de impunidade, incentivando fortemente a prática de crimes ambientais(5);
  • Desmantelamento do Ministério do Meio Ambiente e seus órgãos vinculados, e de outras instituições públicas responsáveis pela proteção ambiental, por meio de cortes orçamentários(6), perseguição a funcionários(7), eliminação e desvio de atribuições institucionais, indicação para cargos de direção de pessoas desvinculadas da agenda ambiental e muitas vezes ligadas a interesses de setores regulados pelos órgãos ambientais; A recusa em identificar, demarcar e homologar territórios de povos indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais que atuam como verdadeiros guardiões da floresta, acompanhada por iniciativas de abri-las para exploração por mineradoras, hidrelétricas e pelo agronegócio, em afronta à Constituição Federal(8);
  • Paralização da Reforma Agrária e despejo de centenas de famílias de pequenos agricultores, em lugares como a Fazenda Palotina, município de Lábrea, no sul do Amazonas e o Acampamento Nova Conquista, município de Nova Mamoré, Rondônia;
  • Iniciativas e apoio a retrocessos no marco legal de licenciamento ambiental de empreendimentos de infraestrutura, mineração e do agronegócio, de altíssimo risco e impacto ambiental(9);
  • Ações de descrédito público a instituições técnicas do governo responsáveis pelo monitoramento e divulgação de dados ambientais, como o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(10);
  • Abandono do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), lançado em 2004 e responsável, em grande parte, por 83% na queda dos índices de desmatamento entre 2004 e 2012, que deveria estar na sua 4ª fase de execução.

8. A criminalização de organizações da sociedade civil tem sido praticada pelo atual governo, ao ponto de acusá-las diretamente pelas queimadas na Amazônia, apesar do próprio presidente ter declarado no dia 30 de outubro, na Arábia Saudita, que o aumento das queimadas foi “potencializado” por ele, por rejeitar a políticas anteriores na Amazônia(11).

9. O que se constata é que o governo Bolsonaro – com a falsa justificativa de que por trás das manifestações de preocupação com a Amazônia existiriam interesses contrários à soberania brasileira na região – está colocando em curso um plano articulado de destruição da floresta, incentivando o desmatamento, as queimadas, a devastação e o saque dos seus recursos naturais por grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais, incluindo o ataque aos defensores da floresta, considerados por ele como empecilhos para o alcance de seus interesses.

10. O plano faz parte de uma escalada autoritária na Amazônia e de um ataque à democracia no Brasil que estão recrudescendo. O mês de novembro começou com a morte do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, um conhecido guardião da floresta e terminou com a prisão equivocada de brigadistas que combatem o fogo na região de Santarém – PA, acompanhada pela invasão e tentativa de criminalização de uma das organizações mais respeitadas da Amazônia, o Projeto Saúde e Alegria, que atua na bacia do Tapajós há três décadas e que, sem nenhuma acusação formal, teve sua sede invadida e seus documentos e computadores apreendidos pela Polícia do Pará. Mesmo sendo desmascarada, a controvertida prisão foi utilizada como novo ataque às organizações da sociedade civil brasileira.

Um Chamado Amazônico

11. Diante de tão dramáticas circunstâncias é fundamental que a sociedade brasileira se articule e se some aos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos para impedir a destruição da Amazônia e de seus povos tradicionais. É preciso o envolvimento dos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público Federal, governos estaduais, veículos de comunicação, organizações da sociedade como OAB, CNBB, igrejas, setores empresariais, e movimentos sociais para, além de estancar o desmatamento e as queimadas, estimule políticas e ações para uma economia com base na convivência com a natureza e não na sua destruição, que produza riqueza e bem-estar para todos, reconhecendo e valorizando o conhecimento e a sabedoria dos povos da floresta.

12. É preciso fazer entender ao atual governo, à maioria dos parlamentares brasileiros, de membros do Judiciário, de setores empresariais e da sociedade brasileira a importância fundamental da floresta, para que mudem a atual trajetória de incentivo ou de conivência com a devastação da floresta. Que o governo e outras instituições passem a adotar de forma urgente um posicionamento responsável, de respeito à Constituição, às leis e acordos internacionais firmados pelo Brasil, liderando e apoiando o conjunto de esforços de atores públicos, privados e da sociedade civil no enfrentamento desse gravíssimo problema, incluindo entre outras ações concretas:

  • Retomar o Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), com garantia de recursos financeiros adequados e da transparência e participação de entes federados e da sociedade civil;
  • Combater crimes ambientais associados à grilagem de terras públicas, desmatamento, queimadas e exploração ilegal de recursos naturais na Amazônia e nos outros biomas brasileiros, por meio da retomada da Comissão Interministerial de Combate aos Crimes e Infrações Ambientais – CICCIA, em vigor desde 2009, contemplando a retomada e recuperação de florestas de áreas griladas e sujeitas à devastação ambiental;
  • Retomar a identificação, demarcação e homologação de territórios indígenas, assim como o reconhecimento dos direitos territoriais de comunidades quilombolas e outras populações tradicionais;
  • Dar continuidade à reforma agrária e a investigação e punição dos responsáveis dos assassinatos e agressões contra assentados e defensores da natureza;
  • Retirar de pauta todos os projetos de lei, em tramitação no legislativo, que representem retrocessos na legislação vigente de proteção ambiental do país – sobre temas como o licenciamento ambiental e a exploração de recursos naturais em terras indígenas – em consonância com a proposta apresentada recentemente por seis ex-Ministros do Meio Ambiente do Brasil ao Presidente da Câmara dos Deputados;
  • Retomar as atividades do Fundo Amazônia, com a reconstituição de seu Comitê Orientador, garantindo a participação efetiva de organizações da sociedade civil;
  • Garantir o acesso aos dados oficiais do governo federal que possam auxiliar no controle e combate ao desmatamento por todos os órgãos da administração pública, incluindo estados e municípios, e também por empresas e organizações da sociedade organizada engajados na agenda de proteção da Amazônia;
  • Revisar as metas brasileiras estabelecidas pelo Acordo de Paris, de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o comprometimento com metas mais amplas na COP 25, que efetivamente contribuam para a contenção da elevação da temperatura do sistema climático global.

13. A defesa da Amazônia não deve ser só dos brasileiros e dos outros países amazônicos; a sociedade internacional que se beneficia sobretudo com a contribuição à manutenção da estabilidade climática global, também tem um papel importante nos esforços de proteção da Amazônia e dos direitos de suas populações. Sociedades de diversos países, empresas, instituições financeiras e governos de países, especialmente os mais ricos, precisam adotar, urgentemente, medidas concretas, entre elas:

  • Implementar mecanismos efetivos para garantir que as importações de commodities do agronegócio e da exploração madeireira e mineral sejam exclusivamente e estritamente legais e certificadas, evitando aquelas oriundas de áreas de grilagem de terras públicas, desmatamento ilegal e com violações dos direitos das populações locais;
  • Garantir que todos os investimentos na Amazônia contribuam para acabar com o desmatamento e fortaleçam uma economia de baixo carbono que respeite e valorize os modos de vida das populações locais; bloqueando investimentos que aumentem o risco de desmatamento e de violações dos direitos e o enfraquecimento da legislação ambiental. As medidas preventivas devem incluir a devida diligência, monitoramento transparente e divulgação de resultados de compromissos;
  • Contribuir com os esforços governamentais e da sociedade brasileira de prevenção e controle do desmatamento e queimadas, com transparência e participação, indo além dos compromissos estabelecidos no Acordo de Paris, de modo a evitar um aumento superior a 1,5o C da temperatura média global.

14. Sabemos que esses desafios somente poderão ser enfrentados e superados por meio de uma maior articulação e colaboração entre os diversos setores da sociedade brasileira e internacional. Assim, as redes, movimentos sociais e outras organizações civis abaixo assinadas conclamam os diversos níveis de governo, a sociedade brasileira e a comunidade internacional para que, com a urgência que a situação requer, seja estabelecida uma agenda de ações articuladas e efetivas – parte delas acima descritas – para reverter o processo de devastação em curso de um bioma essencial para a qualidade de vida de seus cidadãos e estratégico para a integridade do sistema climático global.

 

Para ver a íntegra do documento e também as entidades que o assinam, baixe o arquivo aqui.

Fonte: WWF.

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