Populações de mico-leão-dourado crescem 30% depois do surto de febre amarela

17 ago, 2023 | Notícias

O mais recente censo populacional de mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) estimou uma população de 4.800 indivíduos. Realizado pela Associação Mico-Leão-Dourado, é a primeira vez que o estudo registra um crescimento da população desde o surto de febre amarela em 2017.

Cerca de 200 micos viviam na natureza no início da década de 1960. Endêmica do Rio de Janeiro, a espécie foi dizimada pelas intervenções humanas no território, como a fragmentação do habitat; doenças e competição de espécies invasoras no mesmo nicho ecológico, como os saguis Callithrix jacchus e Callithrix penicillata. Além disso, os micos foram por muito tempo alvos do tráfico de animais, sobretudo para o envio à Europa.

Naquela época, o primatólogo Adelmar F. Coimbra Filho estabeleceu as bases para um programa de salvamento do mico-leão-dourado, através de esforços de organizações nacionais e internacionais para preservar, proteger e estudar a espécie e seu habitat, através do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ). Desde 1992, esse trabalho é liderado pela Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD) e conta com uma rede de parceiros. 

Através da técnica de Avaliação da População e Viabilidade do Habitat (PHVA), os pesquisadores do projeto concluíram que é necessário existir 2.000 micos-leões-dourados na natureza para que a espécie seja considerada salva da ameaça de extinção. Utilizada na área de ecologia de populações, a avaliação determina também outros índices para a conservação de uma espécie ameaçada in situ, ou seja, a conservação do animal em seu habitat natural. No estudo do nicho ecológico do mico-leão-dourado foi identificada outra necessidade para a preservação da espécie: a existência de pelo menos 25.000 hectares de florestas, protegidas e conectadas.

Com base nos estudos, a AMLD desenvolveu iniciativas que buscam enfrentar as principais ameaças à conservação da espécie. Logo no início dos esforços de conservação, uma coalizão de instituições brasileiras e de outros países promoveu a repatriação de indivíduos que estavam em zoológicos do exterior. Ao todo, 146 animais retornaram ao Brasil e foram reintroduzidos na natureza. Um trabalho de alto risco e de muito sucesso, reconhecido mundialmente como uma experiência importante para salvar uma espécie da extinção. 

A falta de florestas e perda de conexão entre as áreas é o principal desafio atualmente. Iniciativas de restauração ecológica, como o plantio de mudas nativas e monitoramento das áreas, estão viabilizando o processo de restauração de mais de 440 hectares de floresta. Unidades de Conservação foram criadas, buscando preservar grandes áreas florestais para o refúgio dos animais.

A conexão entre as áreas têm sido promovida através de investimentos em infraestrutura, para possibilitar a travessia dos animais nas rodovias que cortam áreas naturais. Em 2020 foi inaugurado o primeiro viaduto vegetado em rodovia federal no Brasil, na BR 101, conectando a Reserva Biológica de Poço das Antas ao local que hoje é a sede da Associação Mico-Leão-Dourado. Outras 10 passagens do tipo copa-a-copa das árvores e 15 túneis para a fauna terrestre foram implantados.

 

Viaduto vegetado construído na BR 101. Crédito: Arteris/reprodução Agencia Brasil.

Estudos com foco nas metapopulação, a conservação e restauração dos habitats o desenvolvimento de atividades de educação ambiental e a forte incidência nas políticas públicas socioambientais na Mata Atlântica, resultaram em conquistas não apenas para os pequenos primatas, mas também para o desenvolvimento sustentável do território, avanços na legislação ambiental e na consciência social acerca dos impactos da espécie humana na biodiversidade. Em 2002 a espécie passou a estampar as cédulas de vinte reais, e nessa mesma época a população de micos crescia timidamente, mas de forma constante nas florestas do Rio de Janeiro. Foi assim até 2017.

 

Uma nova ameaça à espécie

Entre 2016 e 2018, eclodiu um surto de febre amarela que dizimou diversas populações de primatas da Mata Atlântica, como ocorreu com os bugios-ruivos (Alouatta guariba clamitans) no Vale do Itajaí (SC). Os macacos não transmitem a febre amarela, são infectados pelos mosquitos gêneros Haemagogus e Sabethes, da família Culicidae, assim como ocorre com os humanos. Em grande parte dos casos, os indivíduos acometidos pela doença não resistem.

Quase um terço da população de micos-leões-dourados foi afetada, reduzindo a estimativa da população de 3.700 para 2.500 indivíduos. Foi a primeira regressão no número de indivíduos da espécie desde que teve início o programa de conservação. Uma estratégia ousada e ambiciosa foi delineada para conter as mortes: a produção de uma vacina contra a febre amarela – amplamente utilizada em humanos, presente no ciclo vacinal do SUS – adaptada aos pequenos primatas. 

O desenvolvimento da vacina foi coordenado pela Fiocruz Bio-Manguinhos, em parceria com universidades e outros centros de pesquisa. A iniciativa já imunizou mais de 300 animais e é um dos poucos casos de vacinação de uma população de animais selvagens no mundo.

1. Mico-leão dourado sendo vacinado. 2. Filhote de mico-leão dourado. 3. Área em processo de restauração ecológica, buscando promover a conexão entre as florestas. 4. Família de micos-leões-dourados. Crédito: Associação Mico Leão Dourado (1,2 e 4); Carolina Schäffer  (3).

Novo censo populacional: a boa notícia

Lançado em julho de 2023, o mais recente censo populacional do mico-leão-dourado revelou que existem cerca de 4.800 micos-leões-dourados na Bacia do Rio São João, no interior do Rio de Janeiro. É o maior número já registrado, e representa um aumento de 29,7% em relação ao número de micos antes da febre amarela, em 2014.

O crescimento mostra o sucesso da vacinação dos micos, mas também evidencia a importância do trabalho consistente ao longo das décadas para a conservação da espécie. Esse progresso, possibilitado por pesquisas e estudos, investimentos e muito trabalho, é exemplo para a conservação de outras tantas espécies ameaçadas. Esse não é um final feliz. Os esforços precisam avançar, para que no futuro a extinção de fato não seja mais uma ameaça.  

O trabalho no presente vai de encontro com a Década da Restauração de Ecossistemas, na proteção e restauração de florestas: a restauração permite conectar os fragmentos florestais e é uma estratégia indispensável para garantir a sobrevivência do mico no longo prazo. O olhar sentinela à legislação socioambiental se mantém oportuno, sobretudo no que tange às propostas que buscam enfraquecer as regras de proteção de Unidades de Conservação no Brasil.

> Saiba mais sobre a Associação Mico-Leão-Dourado

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Mico-leão dourado observado na Reserva Ecológica de Guapiaçu, 2022. Foto: Carolina Shäffer. 

Autor: Vitor Lauro Zanelatto | Revisão: Carolina Schäffer e Thamara Santos de Almeida
Foto de Capa: Micos-leões-dourados observados na Reserva Ecológica de Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu (RJ), em outubro de 2022. Crédito:©️Carolina Schäffer

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