Talvez o escândalo em torno da Usina Hidrelétrica de Barra Grande ainda não tenha atingido a divulgação necessária e merecida porque até o momento não foram divulgados alguns valiosos números que podem dar uma pequena dimensão do dano ou melhor, da perda que advirá com o desmatamento dos mais de 5.000 ha de florestas primárias e em diversos estágios de regeneração da Mata Atlântica.

De acordo com os dados apresentados ao IBAMA pela própria BAESA no "Projeto de supressão de vegetação para o AHE Barra Grande (Maio de 2003)", existem na área a ser inundada, 500.000 metros cúbicos de lenha e 442.000 metros cúbicos de madeira das mais variadas espécies, muitas delas nobres e ameaçadas de extinção, como araucárias, imbuias, canelas, cedros e grápias. Com estes números em mãos e levando em conta os preços praticados pelo mercado é fácil fazer a conta. Só de lenha, considerando um valor de aproximadamente 10 dólares por metro cúbico, serão mais de 5 milhões de dólares. Já o preço do metro cúbico da madeira de espécies nobres e ameaçadas de extinção varia no mercado entre 150 e 600 dólares, dependendo da espécie e da qualidade.

Só para exemplificar, no caso da Araucaria angustifolia, que é a espécie predominante nos 2.077 hectares de matas primárias e tem presença também significativa nos 2.158 hectares de vegetação em estágio avançado de regeneração, o preço da madeira de primeira qualidade varia no mercado entre 500 e 600 dólares. Ressalte-se que as araucárias a serem cortadas são em sua absoluta maioria, centenárias, com tronco cilíndrico e reto, portanto, darão madeira considerada de primeira qualidade. Para que não me chamem de exagerada, vou fazer um cálculo usando um valor bem abaixo da média. Então, se considerarmos um valor médio de 200 dólares para os 442.000 metros cúbicos de madeira, chegaremos a um valor superior a 88 milhões de dólares.

Estes são os custos ambientais diretos, facilmente calculáveis, que não incluem o valor intrínseco da biodiversidade e os serviços ambientais da floresta, os quais são incalculáveis, ainda mais em se tratando da área de maior diversidade genética da araucária em Santa Catarina, espécie ameaçada de extinção, cujo ecossistema natural está reduzido a menos de 3% de sua área original.

Este valor será usurpado do meio ambiente e da sociedade brasileira e pior, passará para o bolso da BAESA, caso seja mantido o Termo de Compromisso da forma como foi assinado e admitido pelos próprios representantes do IBAMA durante a reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente na quarta feira desta semana, em Brasília. Desta forma não há como recriminar quem diga que o crime compensa. Além disso, valores deste tipo nunca foram avaliados em obras como esta, porque se assim fosse, deixariam de alardear por aí que a energia gerada pelas hidrelétricas é uma das mais baratas e com menor custo ambiental.

Talvez estes números também não tenham chegado ao conhecimento do Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas, que no dia 05 de novembro,suspendeu a liminar dada pelo Juiz Federal Osni Cardoso Filho, alegando basicamente aspectos econômicos de gastos já realizados e do prejuízo que seria demolir a obra construída, reforçando a tese do fato consumado. Neste caso, não nos esqueçamos que as licenças foram concedidas com base em um EIA/RIMA fraudado. Outro fato que talvez ainda não deve ter chegado ao conhecimento da justiça é o de que a BAESA descumpriu a determinação da liminar, quando esta estava em vigor, permitindo que seus funcionários continuassem o desmatamento mesmo assim. Como é que se pode confiar que uma empresa que não cumpre a determinação de um juiz federal vá cumprir a contento, um Termo de Compromisso?

Também não é plausível o argumento do Desembargador de que todos os atores interessados na questão foram ouvidos e, da mesma forma, a fala do Procurador da República Mário Guisi, na última reunião do Conama, de que já é tarde para as ONGs ambientalistas se manifestarem. Se todos os atores tivessem sido devidamente ouvidos, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina não teria entrado como litisconsorte na ação civil pública apoiando a Rede de ONGs da Mata Atlântica e a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses.

Isso sem falar nas centenas de famílias de agricultores, muito bem organizadas através do MAB, que ainda não tiveram suas situações resolvidas e que, enquanto bravamente tentavam impedir o desmatamento, constataram crimes ambientais que estão ocorrendo na região, decorrentes do desmatamento em curso. Segundo os agricultores, o desmate está sendo feito exatamente em época de procriação da fauna, comprometendo a sobrevivência dos filhotes. Além disso, animais ameaçados de extinção estão sendo caçados e abandonados. Enfim, a água ainda não começou a tomar conta da região, mas os animais já estão sendo mortos e desalojados de suas casas.

Para falar um pouco mais das deficiências do Termo de Compromisso, poderíamos citar também a questão da recuperação das áreas de preservação permanente que está tratada de forma insuficiente para uma obra deste volume. Outro ponto importante é que os responsáveis pela elaboração do Termo de Compromisso não previram a formação de uma comissão, que deveria ter também a participação da sociedade civil, com o objetivo de acompanhar a execução das atividades previstas no próprio termo.

Entretanto numa coisa eu concordo com os que falam que é impossível demolir a obra. O que se faria com tanto lixo? Para mim o mais simples a fazer é nunca encher o lago, utilizando o paredão de concreto para se plantar orquídeas e bromélias, e que ele fique para a posteridade como o maior monumento em homenagem aos processos de licenciamentos ambientais conduzidos dentro da ética e da legalidade.

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