Bradesco e seus investimentos ambientais

Em pleno horário comercial começou o alarido do megafone. Cidade de Porto Alegre, às 14:30 horas reuniram-se cerca de 60 pessoas em frente ao Bradesco, na Agência na Rua General Câmara.

Ao Movimento SOS Rio Uruguai juntaram-se manifestantes do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), NAT (Núcleo Amigos da Terra Brasil), AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), Greenpeace e Mira Serra.

Um ou outro transeunte assustou-se com o volume amplificado da voz que esclarecia às centenas de pessoas que pararam e quiseram ouvir, quão contraditória é a visão de proteção e investimento ambiental do Grupo Bradesco. É com palavras impactantes como "Pé quente Bradesco" que esse grupo empresarial vincula na Internet, o quanto gosta da Mata Atlântica.

Pelo menos quando se trata de dinheiro, já que é com a frase "quem preserv a natureza não sonha apenas com uma vida melhor para todos. Também tem sonhos pessoais", que se procura ganhar investidores para um fundo de capitalização voltado a correntistas desse banco.

No caso de Barra Grande o tipo de investimento é outro, e os sonhos tornaram-se pesadelo.

Pelo menos para a Mata Atlântica, já que o Grupo Bradesco assina mais de 20% do investimento total montante nesse empreendimento entre as divisas dos estados do RS e SC, disfarçado de "geração de energia limpa": a Usina Hidrelétrica de Barra Grande, o maior escândalo ambiental do Sul do Brasil.

O recado passado nesta 3a feira, em pleno centro da capital gaúcha, foi claro. A noção de investimento ambiental do Bradesco irá causar um dano irreparável justo àquilo que alegam querer proteger: a Mata Atlântica.

Entre faixas, cartazes e música, entregou-se ao Sr. Júlio Cezar Lesnik, gerente daquela agência, carta esclarecendo a situação das Mega-Hidrelétricas da Bacia do Rio Uruguai, solicitando a retirada do grupo Bradesco desses empreendimentos.

Destacando o descontentamento da sociedade com "investimento" que irá alagar mais de 6.000 ha (60 km²) de florestas fraudulentamente omitidas em seu Estudo de Impacto Ambiental, devolveu-se simbolicamente um cheque no valor do investimento.

Que provem essas empresas, se ignoram o que ali se tornou público.

Confira a íntegra da carta a seguir…

    Ao
    Conselho Diretor do Grupo Bradesco

    Prezados(as) Senhor(as),

    As alterações climáticas atuais estão diretamente relacionadas com a diminuição de áreas com florestas. Aqui, na região Sul, as florestas responsáveis pela manutenção da qualidade ambiental vêm sofrendo, paulatinamente, graves agressões que resultam na diminuição alarmante de sua área original. A Mata Atlântica e seus ecossistemas associados é um dos biomas mais seriamente ameaçados do Brasil, principalmente aqui, na região sul. Dos seus ecossistemas associados, a Floresta Ombrófila Mista ou Floresta com Araucárias é o mais comprometido e em vias de extinção, pois restam menos de 2% de florestas originais.

    Atualmente, a maior ameaça a este precioso ecossistema é o Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Barra Grande, do qual o Grupo Bradesco (Companhia de Investimentos Bradespar S.A.) é empreendedor, através da CPFL Energia. Esta, por sua vez, tem participação acionária de 26% no grupo BAESA S.A. que é responsável pela hidrelétrica em questão. O grupo Bradesco também tem participação direta ou indiretamente nas demais hidrelétricas da bacia hidrográfica do rio Uruguai, como o AHE Foz do Chapecó e o AHE Campos Novos. Não apenas os impactos pontuais causados por tais empreendimentos, mas também o efeito cumulativo de vinte e quatro barragens ao longo do rio Uruguai, condenarão este corpo d’água à extinção de seu sistema e, por fim, à falência da flora e fauna associadas a ele.

    Alertamos que estas eminentes catástrofes ambientais trarão prejuízos sócio-econômicos irreversíveis e incalculados, uma vez que o valor dos serviços ambientais proporcionados pelos ecossistemas que os senhores estão, no momento, ajudando a extinguir não foi, ainda, quantificado. Chamamos a sua atenção também para o fato de que o sul do Brasil vem enfrentando sérias estiagens nos últimos anos, reduzindo drasticamente o nível de todas as represas na região bem como sua potência energética.

    Causa-nos espanto tamanha negligência ao patrimônio ambiental brasileiro, uma vez que a escolha dos investimentos realizados pelo grupo Bradesco comprometerá definitivamente um dos mais ameaçados ecossistemas da Terra. Somente a UHE Barra Grande devastará 5740 hectares de Mata Atlântica, dos quais quase 3000 hectares são compostos por florestas primárias, virgens, verdadeiros santuários da Natureza que não devem ser obliterados sob hipótese alguma. Como os senhores devem saber, a destruição desse patrimônio coletivo, inalienável e imprescindível à nação brasileira, especialmente protegido pela Constituição Federal, foi aprovado pelo IBAMA com base num Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) reconhecidamente fraudulento. Também nos espanta que o grupo Bradesco, ao mesmo tempo em que investe na educação do Brasil, esteja investindo na destruição do meio ambiente – em uma flagrante e lamentável contradição ética.

    Outro argumento que nos leva a lamentar a supressão de um ecossistema tão importante em escala global é o retorno econômico de bens e serviços prestados à humanidade. Para que os senhores tenham uma idéia de como a conservação da Natureza rende recursos financeiros, somente nos Estados Unidos o turismo relacionado à observação da vida silvestre gera 85 bilhões de dólares anuais (fonte: National Wildlife Federation, fevereiro de 2005). Isso sem falar nos valores resultantes dos serviços ambientais prestados pela natureza, como a polinização e o fornecimento de água e ar puros.

    Caros senhores, ainda há tempo para suspender a destruição total das preciosas florestas situadas nas encostas do rio Pelotas, bem como do Parque Municipal dos Encanados em Vacaria/RS. A Mata Atlântica mais conservada ameaçada pelo empreendimento ainda não foi retirada, sendo possível evitar a maior catástrofe ambiental da atualidade no sul do Brasil.

    Entendendo que a qualidade e quantidade dos remanescentes de Mata Atlântica é vital para a manutenção da qualidade de vida e para a sobrevivência das gerações atuais e futuras, e que grande parte dessas florestas na região sul encontram-se na bacia do rio Uruguai, em especial na área diretamente afetada pelo AHE Barra Grande, solicitamos a suspensão imediata do desmatamento das encostas do rio Pelotas e afluentes para a implantação da usina. Solicitamos também o cancelamento de todas as participações do grupo Bradesco nos demais empreendimentos hidrelétricos planejados e em funcionamento na bacia hidrográfica do rio Uruguai, lembrando que esses "aproveitamos hidrelétricos" na bacia em questão foram projetados na década de 70 com base numa visão arcaica, ultrapassada e distorcida sobre a utilidade e o valor dos nossos rios e águas, os quais geram benefícios coletivos e perenes quando fluem livres de grandes barragens, que por sua vez devastam a natureza de forma irreversível e expulsam as comunidades do campo, condenando muitas delas à miséria e provocando o inchaço das favelas.

    Sem mais,

    Movimento S.O.S. Rio Uruguai
    Núcleo Amigos da Terra do Brasil
    APREMAVI
    AGAPAN
    Movimento dos Atingidos por Barragens
    Greenpeace

Apremavi no V Forum Social Mundial

A Apremavi esteve presente no V Fórum Social Mundial em Porto Alegre, participando da Oficina Barra Grande organizada pelo Núcleo Amigos da Terra Brasil.

Entre palestras e discussões, também fez-se o pré-lançamento do novo livro da Apremavi, "Floresta com Araucárias".

Os Amigos da Terra e as ONGs presentes ao evento aproveitaram a presença da Ministra do Meio Ambiente Marina da Silva no Fórum, para interpelá-la sobre a questão Barra Grande

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O que o juízes decidem, ou não…

Em 21 de dezembro de 2004 a FEEC e RMA estiveram em Porto Alegre para uma audiência no Tribunal Regional Federal da 4a região, convocada e presidida pelo Desembargador Vladimir Passos de Freitas.

Objetivo da audiência (da qual também participaram a BAESA, Ministério Público Federal, Advocacia Geral da União, Ministério das Minas e Energia, Ministério do Meio Ambiente e Ibama) foi chegar a um consenso entre as partes envolvidas na Ação Civil Pública (ACP) Barra Grande.

Vale lembrar que o próprio desembargador havia novamente suspenso o desmatamento na região da Barragem até que a audiência fosse realizada.

Depois de mais de 3 horas de discussões não foi possível chegare a um acordo, tendo em vista que a BAESA se recusou a fazer os estudos para verificar as possibilidades de diminuição na altura da barragem, para que com isso fossem no mínimo salvas as florestas primárias, principal ponto revindicado na ACP.

Sem acordo, a Ação Civil Pública continuou em andamento e teve desdobramentos durante o final do ano passado e início deste ano, que culminaram com duas decisões divergentes no mesmo Tribunal Federal Regional, uma do Des. Vladimir que manteve a suspensão do desmatamento e uma da Des. Silvia Goraieb (atendendo o pedido da empresa por conta de uma nova liminar dada pelo juiz susbtituto em Florianópolis em janeiro de 2005) que permitiu que a BAESA retomasse as atividades de desmatamento.

O fato é que por conta destas decisões desencontradas, o desmatamento está sim em curso na região, mesmo com a ação civil pública não tendo sido julgada, como provam as fotos neste aprenews (vide à direita), feitas nos dias 08 e 09 de janeiro, por uma equipe da Apremavi, FEEC e RMA.

Neste meio tempo novos reforços chegaram. No dia 14 de janeiro os Amigos da Terra entraram com uma nova Ação civil pública contra o empreendimento, desta vez na Justiça Federal de Caxias do Sul (RS). Na mesma semana, o Instituto Aquabios entrou com uma ação cautelar na Justiça Federal de Lages (SC). As duas ações estão no aguardo de encaminhamento por parte dos juízes.

Esperamos que com estes novos reforços possamos novamente reverter o quadro do desmatamento. Apesar de que os desmatamentos hora em questão ainda não estão sendo feitos nas áreas de floresta primária, o fato da continuidade das atvidades pode comprometer irremediavelmente a situação.

Importante lembrar que estamos falando de uma parte das últimas florestas com araucárias no mundo. Segundo dados da Força Tarefa que está desenvolvendo os estudos para criação de UCs nesta formação florestal, restam agora menos de 2% de remanescentes.

A mesma expedição que constatou a continuidade dos desmatamentos, também teve oportunidade de percorrer uma boa parte do Rio Pelotas e do Rio Vacas Gordas e verificar, mais uma vez, a qualidade das florestas em questão, além do blefe da empresa quando diz que é inviável salvar a floresta primária se a altura da barragem fosse menor ou se o reservatório não fosse enchido completamente.

A FEEC e a RMA estão concluindo um novo relatório para ser entregue à Justiça Federal. Esperamos que em breve tenhamos notícias mais animadoras sobre o caso.

Desembargador revê decisão

Foi empacotando os alimentos arrecadados para as famílias atingidas pela Hidrelétrica de Barra Grande, que a equipe da Apremavi em Atalanta (SC) recebeu a notícia: o Desembargador Vladimir Passos de Freitas, presidente do TRF da 4a região em Porto Alegre, reviu a decisão que anulara a liminar proferida em outubro último pelo Juiz da Terceira Vara Federal de Florianópolis (SC).

Com isso volta a valer: fica proibido o desmatamento da área de inundação do lago da UHE de Barra Grande, e o IBAMA fica por hora proibido de emitir qualquer outra licença.

Esta decisão dá-nos novas esperanças na luta pela preservação destes remanescentes da Floresta com Araucária. Florestas estas de singular importância, não apenas para sociedade brasileira: a Floresta Ombrófila Mista faz parte do bioma e reserva da biosfera da Mata Atlântica.

Continuamos empenhados na ação e não pouparemos esforços para que o desfecho deste caso seja absolutamente favorável ao meio ambiente e às famílias atingidas pelo empreendimento.

Às mais de 400 pessoas que participaram da campanha de protesto contra a agora nula decisão do TRF, nosso sincero agradecimento.

BBC não acredita no que ouviu

Fazendo juz à chamada gentileza britânica, Tim dizia não ser necessário. Foi preciso repetir: "Tim, pega o protetor solar", insiste Philipp, lembrando da vez anterior em que esteve em Anita Garibaldi, acompanhando uma equipe de repórteres de canal da TV. O engenheiro da Apremavi retornara ao viveiro em Atalanta queimado do sol, vermelho feito um Guará.

Manhã de sol, céu cartão-postal, pessoas hospitaleiras e joviais. Apesar de terem todos os motivos para receberem com desconfiança uns branquelas falando com sotaques ou idiomas exóticos. É junto ao Rio Pelotas, na divisa entre os estados de SC e RS, o tema que cursa desde meados de setembro pelos meios ambientalistas, ainda não conseguiu tornar-se notícia nacional.

Com certeza não devido à relevância, já que o O blefe de Barra Grande está chegando à mídia internacional. Os repórteres Tim e Fernando, correspondentes da BBC de Londres para temas do meio ambiente, irão noticiar durante um ano as maravilhas que o Brasil tem. E nessa 2a feira estiveram em Barra Grande, fazendo uma reportagem sobre uma maravilha da engenharia: um muro de 180 metros de altura, orgulho da BAESA-Energetica Barra Grande S.A.

Fora do Brasil, falando-se da natureza deste país é quase sempre da Amazônia que se pensa. Do Pantanal Matogrossense um ou outro já ouviu, mas da Mata Atlântica quase ninguém sabe. O que não chega a ser um espanto, já que estas florestas não são assunto do dia-a-dia nem ao menos dos brasileiros. Pelo menos não da maioria deles. E já a imprensa, que não em poucos casos segue o rumo do que mais IBOPE dá, pouco ou nada noticia sobre a fraude ambiental que está ameaçando mais de 5000 ha de florestas.

Pouco é noticiado a nível nacional, o comentário de Miriam Leitão no Jornal O Globo (de 24.11.2004) é uma exceção que parece comprovar a regra.

Philipp não consegue se conter, é difícil deixar de falar das maravilhas de Barra Grande: mais de 2.100 ha de Floresta de Araucárias com Imbuias, pumas que caçam porcos-do-mato, jaguatiricas, tudo árvores e animais ameaçados de extinção, presentes nas áreas que irão ser alagadas. Se o empreendimento for finalizado. Realmente: uma maravilha.

Mais uma medida segura de não-proteção ambiental, esse empreendimento. Provavelmente haverá um resgate de fauna. Os animais irão parar num zoológico, das plantas irão recolher-se amostras para um banco de germoplasma: uma palavra complicada para geladeira de material genético. É a tradução do que o Desembargador Vladimir Passos de Freitas chamou de "a administração Federal demonstra que está conduzindo a questão de modo responsável e equilibrado", dando com isso mais um aval às ações inconsequentes do governo federal, aparentemente incapaz de corrigir suas omissões à devida altura.

Horas de depoimentos foram gravadas, tanto de famílias atingidas pelo emprendimento, como do empreendedor, a Baesa. Independente de qual versão interessados ou atingidos veiculam, a BBC garante narrar apenas os fatos e tornar a realidade transparente. Em breve, para quem quiser ouvir pela radio do canal britânico e ler pelo website: para o mundo todo.

Mas é difícil deixar de se espantar com isso tudo. Mesmo Tim e Fernando, que deixam desde o começo das gravações claro que irão noticiar apenas de forma imparcial, não conseguem disfarçar o assombro ante tantas maravilhas e ao exemplo do jeito especial que o Brasil tem de lidar com elas.

Mesmo a BBC às vezes custa a crer no que está ouvindo.

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