O seca laranjeira

Anote o nome desta plantinha insignificante, mirrada, espinhosa, sem frutos, meio seca, que dá uma florzinha vermelha, puxando pro púrpura: Raulinoa echinata. Foi batizada assim em homenagem ao padre alemão Raulino Reitz, pesquisador atento e incansável da flora catarinense, hoje no céu.

Nem com a ajuda do santo homem lá em cima ela está protegida: algumas das pessoas mais ricas e influentes do estado estão dispostas a acabar com ela em nome do progresso, tudo porque a plantinha atrapalha uma hidrelétrica planejada pros grotões de Santa Catarina.

Desde que a presença dela na área de influência da futura Usina de Salto Pilão foi detectada pelo EIA-Rima, o estudo obrigatório do impacto ambiental da obra, ricos investidores, burocratas insensíveis e funcionários de órgãos supostamente fiscalizadores do meio ambiente em todos os escalões ficam olhando uns para os outros e todos para os lados, sem saber o que fazer com ela.

O pessoal também faz que não sabe ler a Lei da Biodiversidade, que garante o lugar da Raulinoa no solo brasileiro. Tramaram até um holocausto verde: um prefeito chegou a montar um batalhão de colhedores treinados para ir aos grotões arrancar todos os pés possíveis do arbusto – de olho na recompensa de uma empreiteira.

A insanidade não vingou porque o bando era meio preguiçoso e a Raulinoa reina mesmo no escondidaço, uma curva do rio tão complicada de chegar que só de rafting.

Esta azarada espécie de laranjeira precisa de defesa porque só existe num ponto do planeta, nas pedregosas margens do rio Itajaí-açu, no trecho do triângulo Lontras-Apiúna-Ibirama. Está condenada porque o projeto prevê um duto forçado da cabeceira do rio até um ponto mais à frente, dando uma volta nos canteiros dela e deixando-a na maior secura.

Irônica é a sorte das plantas no caminho de hidrelétricas. Em Barra Grande, no rio Pelotas, o consórcio Baesa usou um EIA-Rima fajuto para ignorar uma floresta de araucária que teria que engolir com seu lago. Em Salto Pilão, o EIA viu a Raulinoa, mas não fez caso: não se vai alagar nada – só cortar a água dela. Ou seja: umas hidrelétricas afogam, outras estrangulam.

A estranguladora Salto Pilão tem know how como afogadora: suas principais acionistas são a Votorantim e a Camargo Corrêa, duas empresas também participantes do consórcio Baesa, aquele de Barra Grande.

O BNDES recém liberou dinheiro público para estas empresas privadas construírem o novo aproveitamento. Salto Pilão vai gerar 181 MW e deve custar 500 milhões, com previsão de funcionamento para daqui a quatro anos.

Quem está na defesa da Raulinoa é um outro tipo de consórcio: a Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC). Os ambientalistas sob o guarda-chuva da FEEC andavam meio calados porque Salto Pilão era apenas uma usina de papel, até que o dinheiro para as obras começou a jorrar da cachoeira do governo, semanas atrás.

“Agora a ameaça é séria”, diz o professor João de Deus Medeiros, do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), um raulinoaísta de primeira hora. Ele conta que a FEEC vem trabalhando na surdina desde 2001. Conseguiu da Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina), uma das participantes do consórcio, o compromisso de poupar a planta – mas houve troca de comando no órgão e foi-se embora a pouca boa vontade com o verde.

Você defenderia ou pelo menos sabe como é a Raulinoa echinata? Ela é uma laranjeirinha que não dá laranja, ou, da mesma família, parece um limoeiro sequinho, que não dá limão. O povo ribeirinho a chama de “sarandi”. Mas pra sarandi a gente tem que ir a um dicionário e usar da imaginação: os índios usavam a palavra para descrever tanto um arbusto como uma ilha.

Nossa Raulinoa é bem nossa porque sua única ocorrência conhecida na galáxia se dá caprichosamente em apenas 14 quilômetros do rio Itajaí-açu. A outra forma notável de vida do pedaço é a Vera Fischer. Mas a planta é mais nova do que a atriz: foi descoberta e descrita para a ciência em 1961.

A plantinha tem lá algum poder medicinal. Pesquisadores andam querendo saber se ela é boa contra o Mal de Chagas e outros achaques – mas seu valor comercial/medicinal/social ainda não foi claramente identificado.

O caso da sobrevivência da Raulinoa já está no Ministério Público. Em março do ano passado a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e a FEEC protocolaram na Procuradoria da República local representação do movimento ambientalista, questionando o licenciamento ambiental de Salto Pilão.

A Fatma, fundação ambiental estadual, foi então obrigada a produzir um segundo estudo na região. Mas empurra com a barriga. A FEEC já levou o caso para a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, mas ela ficou muda como uma planta, sem prometer nada: sequer cobrou da Fatma os novos estudos sobre o assunto. Posição não-assumida: se varrerem a Raulinoa do planeta, tanto faz.

A briga pela sobrevivência da Raulinoa vinha se dando sob o silêncio da imprensa e no total desprezo da elite industrial catarinense, interessada na energia.

Mas agora ela vai ganhar a mídia mundial: o Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica entrou na briga contra a Fatma e contra Marina. Os ambientalistas vão denunciar o descaso com a plantinha à ONU. E se preparam desde já para fazer barulho durante o COP-8, encontro entre os países signatários da Convenção da Diversidade Biológica, previsto para março de 2006, em Curitiba.

Com uma forcinha do padre Raulino, talvez consigam mudar a tempo o curso dessas águas pra lá de conhecidas.

Termoelétricas: a gana de queimar carvão

Audiência sobre usina termoelétrica no Pantanal teve seis horas de debates

A audiência pública, promovida pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) para apresentar estudo e relatório de impacto ambiental do projeto da usina termoelétrica de Corumbá, chamada Termopantanal, teve seis horas de debates.

A reunião, que é uma exigência legal do processo de licenciamento, começou às 20h desta segunda-feira (15/08) e só terminou às 2h desta terça-feira (16), no anfiteatro Salomão Baruki, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). A finalidade foi expor o conteúdo do projeto da térmica para análise conjunta dos mais variados segmentos sociais e discutir as dúvidas existentes sobre a usina, além de ouvir críticas e colher sugestões a respeito do processo para implantação da termoelétrica no município.

Assistiram à audiência pública o prefeito de Corumbá, Ruiter Cunha de Oliveira (PT); presidente da Câmara Municipal, Marcos de Souza Martins (PT); secretários municipais; vereadores; pesquisadores; professores universitários; acadêmicos; representantes de Organizações Não-Governamentais; sindicalistas; além de autoridades civis e militares e comunidade local. Comandada pelo Ibama, a audiência – que poderá garantir a licença prévia do empreendimento – teve dois momentos distintos. O primeiro deles, de aproximadamente 90 minutos, foi usado para apresentar o histórico de licenciamento e o projeto da térmica e estudo de impacto ambiental pela empresa responsável pela obra, a MPX Mineração e Energia Ltda.

O segundo contemplou a discussão – entre platéia e empresa – sobre todas as fases do projeto, desde a sua localização até prejuízos ao meio ambiente e a população que o empreendimento pode causar.

A térmica

A Termopantanal é uma sociedade binacional constituída pela brasileira MPX Mineração e Energia Ltda e pela boliviana Cooperativa Rural de Eletrificação (CRE). A usina – com uma turbina de 44 megawatts – receberá o gás natural da Bolívia para produção de energia elétrica, repassada para a subestação da Enersul por uma linha de transmissão de 1400 metros. Após a liberação das autorizações do Ibama, o prazo de construção é de oito meses. O projeto, apresentado pela MPX, esclarece que nas cidades de Corumbá e Ladário, a transmissão de energia enfrenta problemas na estabilidade, uma vez que os dois municípios recebem na ponta de linha, a produção de Campo Grande e, a melhoria no serviço viria com a geração local.

Na queima do gás natural, combustível da usina, os principais problemas são as emissões de ruídos e gases e contaminação do corpo d’água. Pela proposta do empreendimento, a adoção de tecnologia de ponta, em que turbina e gerador ficam dentro de contêineres, promoverá redução de ruído a níveis aceitáveis; a emissão de gases ficará abaixo dos limites estabelecidos pela legislação internacional e, não haverá interferência no corpo da água uma vez que não será usado água ou vapor. Essas medidas, segundo os consultores que elaboraram o estudo e o relatório de impacto ambiental, garantirão a segurança da população e do ecossistema pantaneiro.

Com a instalação da térmica, desde a fase de construção, serão implantados pelo menos dez programas ambientais pela MPX e CRE, que tratarão de orientações técnicas para o empreendimento; do monitoramento das emissões atmosféricas; de estudos e preservação do patrimônio arqueológico; monitoramento da qualidade do ar; gerenciamento de efluentes e resíduos sólidos; controle de emissão do nível de ruído; sistema de gestão ambiental e programas de saúde; comunicação social e de compensação ambiental.

10 dias úteis

O gerente-executivo do Ibama-MS, Nereu Fontes, que coordenou a audiência pública, avaliou como positiva a participação popular no encontro. Ele explicou ao Corumbá Online que após a audiência, há prazo de dez dias úteis para a apresentação de sugestões; críticas e questionamentos ao projeto. Encerrado esse período, toda a documentação é encaminhada para o Ibama, em Brasília, que analisará os documentos e, num prazo máximo de 45 dias, decidirá se emitirá ou não a licença prévia, autorizando a construção da usina no local. – Acredito que deve receber a autorização prévia -, avaliou o gerente-executivo. Os trâmites do Ibama, após a liberação para o uso do local, ainda pedem cumprimento de etapas para concessão da licença de instalação, que permite construir a usina e, de operação que libera o início do funcionamento. (Campo Grande News, 16/08) Não apoiaria térmica se poluísse o Pantanal, diz Ruiter O prefeito de Corumbá Ruiter Cunha de Oliveira (PT) defendeu no dia 15 a instalação da usina Termopantanal no município. Durante audiência pública, que discutiu os impactos da usina para o Pantanal de Mato Grosso do Sul, Ruiter Cunha disse que ninguém, em sã consciência, apoiaria um processo industrial que colocasse em risco o Pantanal. O prefeito afirmou que é preciso que os procedimentos estejam dentro de parâmetros ambientais rigorosos, e disse que a licença do Ibama deve ser concedida.

Ruiter acompanhou toda a discussão da proposta da Termopantanal, que reuniu mais de 400 pessoas no auditório Salomão Baruki, da UFMS (Universidade Federal de MS). O prefeito disse que saiu convicto de que a instalação da usina é um caminho sem volta na transformação econômica e social da região. – Ninguém seria debilmente capaz de atacar um ecossistema como o Pantanal, apoiando um projeto que colocasse em risco o Pantanal e o ser humano. O projeto da usina é viável, testemunhamos aqui o criterioso estudo dos empreendedores, e estamos confiantes e esperançosos na sua licença ambiental -, afirmou o prefeito.
Fonte: Campo Grande News, 16/08/2005

Ambientalistas e técnicos divergem sobre térmica no Pantanal

A audiência pública, que apresentou o projeto da usina termoelétrica de Corumbá juntamente com o estudo e o relatório de impacto ambiental do empreendimento, trouxe à tona divergências quanto aos danos que podem ser causados ao meio ambiente e à saúde humana com a instalação e operação da térmica.

A coordenadora do curso de Engenharia Ambiental, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) em Campo Grande, pesquisadora Sônia Corina Hess, destacou que a localização do complexo numa área de concentração urbana – entre Corumbá e Ladário – é inadequada. Ela afirmou que o próprio relatório apresentado pela empresa que construirá e administrará a usina diz que a poluição será “alta e afetará uma área grande”. A preocupação da pesquisadora é que o vento na região não é suficiente para dispersar os gases poluentes, e, segundo ela, a poluição ficará concentrada trazendo problemas para saúde e ambiente da área próxima.

A pesquisadora não recomenda a instalação no local conhecido como Núcleo Industrial argumentando que o próprio documento da empresa considera a área inadequada para esse tipo de empreendimento. Ela sugere a realização de um estudo que aponte o local que reúne condições adequadas para dispersão da poluição pelo vento. Sônia ainda ressaltou que não se sabe o que pode acontecer no futuro com a saúde da população e um local que apresenta riscos, afasta as pessoas, numa referência a um possível prejuízo para o setor turístico. – Se a população tivesse conhecimento entenderia que não somos contra, mas que temos medo do que pode acontecer com a vida das pessoas -, observou. O geofísico espacial do Campus do Pantanal da UFMS, Moacir Lacerda, reforçou a análise quanto à localização avaliando que as conseqüências podem ser desastrosas para a população, com efeitos sendo sentidos a partir da entrada em operação. Lacerda ainda salientou que a área de influência direta dos efeitos fica num raio de 800 metros da Termopantanal, afetando cerca de mil residências e 4 mil pessoas diretamente.

Técnicos

A termoelétrica corumbaense, segundo o engenheiro de segurança no trabalho e meio ambiente, Emmanuel Queiroz, vem sendo desenvolvida observando a mais moderna tecnologia de proteção do ar, medidas que são adotadas internacionalmente. Para ele, sempre vão existir impactos positivos e negativos. Mas, as térmicas são o veículo mais apropriado para geração de energia e permitem o gerenciamento e minimização dos impactos.

A consultora Paulina Porto Cavalcanti, que trabalhou na elaboração do estudo e relatório de impacto ambiental, afirmou que o projeto da usina corumbaense apresenta impacto ambiental muito pequeno. Ela esclareceu que o relatório trabalhou na avaliação dos efeitos dos poluentes na qualidade do ar usando uma técnica de modelagem internacional, tendo como base dados meteorológicos locais e níveis de emissão da chaminé da turbina, informados pelo fabricante. – Nenhum deles atingiu 1% do padrão de qualidade do ar, para efeitos de saúde -, destacou. As amostras foram coletadas em dez pontos de Corumbá e Ladário.

Impactos positivos e negativos

O estudo apontou pelo menos dez impactos positivos e negativos da implantação da termoelétrica: alteração dos níveis de ruído; geração de resíduos sólidos e líquidos; alteração do fluxo de veículos; impacto na qualidade do ar; alteração da paisagem; interferência no patrimônio arqueológico; aumento de oferta de trabalho; movimentação da economia local; aumento na arrecadação do município e contribuição para o sistema elétrico.

Ao mesmo tempo serão implantados pelo menos dez programas ambientais pela MPX e CRE, que tratarão de orientações técnicas para o empreendimento; do monitoramento das emissões atmosféricas; de estudos e preservação do patrimônio arqueológico; monitoramento da qualidade do ar; gerenciamento de efluentes e resíduos sólidos; controle de emissão do nível de ruído; sistema de gestão ambiental e programas de saúde; comunicação social e de compensação ambiental.

Câmara de Corumbá se posiciona a favor de termelétrica

O presidente da Câmara Municipal de Corumbá, Marcos de Souza Martins (PT), que acompanhou a audiência pública para discussão do estudo e relatório de impacto ambiental do projeto de implantação da usina termoelétrica na cidade, disse que avaliou a reunião com visões técnica e política.

Técnica porque aconteceu o cumprimento de uma determinação legal do Ibama. Política em função de a Câmara (de Vereadores) se posicionou em defesa da termoelétrica. O parlamentar ressaltou a necessidade de se defender e proteger o meio ambiente criando alternativas para o homem pantaneiro. – Apenas queremos qualidade de vida melhor; qualidade de energia; deixar de ser ponta de linha. Somos área de fronteira, queremos independência com a geração de energia limpa – , declarou Martins. Ele ainda destacou o empenho do senador Delcídio do Amaral (PT) em todo o processo de implantação da térmica corumbaense. (Campo Grande News, 16/08) Aprovação da usina de Belo Monte (PA) foi inconstitucional

O projeto que autoriza a implantação da polêmica usina de Belo Monte, no rio Xingu, Pará, foi aprovado pela câmara e referendado pelo senado em apenas uma semana. A rapidez de todo processo deixou surpresos representantes de comunidades indígenas, ONGs e pesquisadores que acompanham há 17 anos as discussões, mobilizações e protestos em torno dos impactos socioambientais que a construção do complexo de Belo Monte poderá causar. Organizações da sociedade civil alegam que a aprovação do decreto é inconstitucional porque não houve uma consulta prevista em lei aos povos indígenas que serão atingidos pelo empreendimento.

Para tentar reverter a autorização concedida, o Instituto Socioambiental (ISA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Greenpeace e o Fórum Carajás, entraram com uma Representação, no dia 21 de julho, junto à Procuradoria Geral da República para tentar reverter a autorização concedida. A Representação foi baseada no artigo 231 da Constituição Federal que determina que o aproveitamento dos recursos hídricos em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional se as comunidades forem consultadas. Se a Representação for acatada pela Procuradoria Geral da República, uma ação direta de inconstitucionalidade deverá ser encaminhada ao Supremo Tribunal Federal que, aprovando, anulará o decreto e o projeto de construção de Belo Monte volta ao começo e sua aprovação dependerá de uma consulta às comunidades.

Para o advogado Raul Silva Telles do Valle, assessor jurídico do ISA, embora existam grandes chances do decreto ser julgado inconstitucional, — há o risco da Eletronorte alegar que fez algum tipo de reunião com representantes indígenas, mas que não caracterizaria uma consulta prévia como determina a lei. Além disso, o Congresso Nacional também precisaria ouvir as comunidades, o que com certeza não foi feito -, diz ele.

O processo de consulta prévia às comunidades é complexo e tem gerado amplas discussões no âmbito do direito socioambiental. Para Valle, ouvir as comunidades significa gerar oportunidades para que elas conheçam os possíveis impactos do empreendimento e possam se manifestar sobre o que pensam e desejam.

— Essa manifestação tem que ser decisiva na aprovação ou não de um projeto, para garantir que o processo seja realmente democrático, como determina a Convenção 169 [sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, aprovado pela Organização Internacional do Trabalho] -, ressalta.

No caso de Belo Monte a situação ainda é mais delicada porque, segundo Valle, essa será a primeira de uma série de outras barragens que poderão ser aprovadas – como a de Babaquara – para assegurar a potência máxima da hidrelétrica e justificar os elevados investimentos que serão feitos. Isso significa que a aprovação do projeto só deveria acontecer mediante uma — avaliação estratégica conjunta, em que participem as comunidades atingidas por Belo Monte e pelas outras usinas que serão construídas -, avalia o advogado.

Carlos Rittl, coordenador da Campanha de Clima do Greenpeace, comenta que as comunidades indígenas que serão atingidas pelo projeto devem se posicionar sobre a questão durante o II Jogos Indígenas do Pará que acontece em Altamira, entre 13 e 19 de agosto.

Para Rittl a lógica que envolve a construção da usina Belo Monte precisa ser amplamente discutida com as comunidades indígenas já que a energia gerada pela usina beneficiará as empresas de capital estrangeiro que exploram produtos primários da Amazônia – madeira, minérios, sementes.

— Como resultado, os danos serão socializados com as comunidades e benefícios serão concentrados nas mãos de poucos -, analisa Rittl.

Fonte: ComCiência, 16/08/2005

Governo vai facilitar oferta de térmicas no leilão


O governo vai facilitar a participação das usinas térmicas no leilão de energia nova previsto para o fim do ano. Esse é o sinal mais claro das dificuldades do Ministério de Minas e Energia para liberar as 17 hidrelétricas que pretende oferecer em dezembro.

Até agora, segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, há apenas uma usina hidrelétrica inteiramente liberada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Sem poder oferecer hidrelétricas, resta ao governo lançar mão das usinas térmicas para evitar um possível racionamento no prazo de quatro a cinco anos.

A energia desse leilão, porém, só estará disponível a partir de 2010. Tolmasquim reiterou que o governo continua tranqüilo quanto à oferta de energia para os próximos anos.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/08/2005.

Hidrelétrcias e Patrimônio Natural

Não há dúvidas de que precisamos de energia elétrica para desenvolver o País, mas será que a única solução para esse problema é a construção de novas hidrelétricas? Que tal nos preocuparmos um pouco em cuidar das hidrelétricas já implantadas? O que está deixando os empreendedores tão alucinados, querendo construir hidrelétricas de qualquer jeito, em qualquer lugar, passando por cima das leis ambientais? Seria a linha especial de financiamento público (com juros subsidiados) do BNDES? Nesse caso, não seria mais racional algum tipo de incentivo que estimule a conservação da natureza, para assim prolongar a vida útil das represas e aumentar a capacidade de geração das hidrelétricas já instaladas? Chegou a hora de calcularmos o valor real dos serviços prestados por uma natureza preservada, condição única para produção de água em abundância e de qualidade.

Boa parte das represas das hidrelétricas em operação está com problemas gravíssimos de assoreamento, causado pelo acúmulo de sedimentos em conseqüência da destruição da mata ciliar, que é rigorosamente protegida por lei, mas, em razão da fiscalização deficiente, o problema tem atingido proporções preocupantes. Desmatamentos também secam as nascentes (rebaixam o lençol freático) e provocam alterações climáticas, o que reduz drasticamente o volume de água nos rios. O aumento da poluição das águas (por sedimentos) também aumenta os custos de manutenção das turbinas, além da redução do tempo de vida útil. Então, não seria muito mais racional atacarmos esses problemas, que são relativamente simples?

A capacidade instalada das hidrelétricas no País é superior a 120 mil MW, mas a energia gerada é de apenas 72 mil MW. Alguém deveria explicar o porquê dessa discrepância. O que está faltando para atingirmos a capacidade instalada? Ou os números estariam superestimados? É importante que isso seja esclarecido para a sociedade, porque as últimas áreas preservadas da já arrasada mata Atlântica, por exemplo, estão em jogo, correndo perigo por conta dos projetos de construção de hidrelétricas que pipocam por todos os lugares. Nem as belíssimas cachoeiras da serra do Mar escapam, com as chamadas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), que consistem em desviar a água das cachoeiras por uma tubulação, aproveitando o desnível natural do lugar.

Caso particularmente relevante é o projeto de uma PCH na serra do Mar (protegida pela Constituição Federal) em Corupá, no rio da Bruaca. Esse projeto, com financiamento do BNDES, promete gerar 2 MW. Vai desviar a água de uma cachoeira de 96 metros de altura, que tem valor histórico para a população local e é a mais vistosa, o cartão postal da cidade. Mas os danos não param por aí: vão transpor rios e desviar o Bruaca, secando seu leito por cerca de 3 km, com outras cachoeiras menores, trecho que corta uma área de mata atlântica original (virgem).

Em Corupá, a natureza foi generosa, concentrando uma abundância impressionante de belezas naturais: rios com água cristalina, cachoeiras, paredões rochosos e montanhas, boa parte delas ainda recobertas com mata atlântica original. Essa exuberância da paisagem da pequena Corupá, com 13 mil habitantes, começou a atrair turistas e, sem nenhum financiamento subsidiado do BNDES, investidores do setor. Começaram a surgir hotéis, pousadas, restaurantes e infra-estrutura nos locais a serem visitados, gerando muitos empregos. E o turismo de Corupá é de qualidade: só no ano passado uma operadora alemã mandou 90 turistas diretamente para lá. Nas trilhas da reserva particular de patrimônio natural (RPPN) Parque Ecológico Emílio Battistella, que tem 12 belas cachoeiras, o idioma mais comum de se ouvir é o inglês e alemão. Portanto, temos em Corupá um potencial extraordinário para desenvolver o turismo e, assim, gerar riquezas, contribuindo para diversificar a economia, que é estratégico para o País.

No entanto, a população de Corupá foi surpreendida há pouco mais de um mês quando o projeto PCH-Bruaca veio à tona. Tudo foi feito sob sigilo. O projeto já estava até com as licenças ambientais, de instalação inclusive, concedidas pela Fundação do Meio Ambiental (Fatma), órgão estadual, mas acabaram sendo canceladas pelo próprio órgão, em razão das denúncias de irregularidades. Infelizmente, o que é óbvio para os habitantes de Corupá ou qualquer outra pessoa sensata deste País – de que vale mais o futuro promissor do ecoturismo do que os 2 MW da PCH -, parece não ser para o órgão ambiental, que está se empenhando para conceder nova licença.

Os empreendedores são de fora. Parece até que a prospecção dessas cachoeiras é feita nos fôlderes e anúncios das agências de turismo (o que, daqui em diante, pode levar muitos municípios a terem que esconder suas cachoeiras).

Com certeza, perdemos muitas PCHs-Bruaca todos os anos em decorrência de desmatamentos, sobretudo nas margens dos rios, que poderiam ser drasticamente reduzidos com ações simples de fiscalização. Da mesma forma, as águas dos rios cada vez mais sujas aumentam também a freqüência de manutenção das turbinas (provocando desligamentos constantes) e reduzem seu tempo de vida útil. A contaminação biológica de nossos rios, como é o caso do mexilhão, também engole várias PCHs-Bruaca. Campanhas para evitar o desperdício de energia também poderiam ser implementadas.

Com isso, estimam os especialistas, poderíamos reduzir o consumo em até 20%, energia equivalente a milhares de PCHs-Bruaca. Há ainda as fontes alternativas de energia limpa, bastante promissoras. Enfim, temos alternativas viáveis para resolver o problema da oferta de energia; o mesmo não acontecerá com a destruição de nosso valioso patrimônio natural, que deixará as gerações futuras sem alternativas.

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