Código Florestal: homens x natureza

As fronteiras dos rios e das águas quase sempre coincidem com as nossas. Mas quase não é sempre. Nós "humanos da pós-modernidade" temos sido pouco atentos a isso. Mudaremos então o Código Florestal para impor nossa ocupação dita consolidada, ignorando com tecnicidades de uma regra ambiental artificial as leis da natureza que regem o ciclo das águas e a força dos rios?

O deputado Aldo Rebelo insiste em afirmar que não, mas são evidentes as conexões entre as propostas contidas em seu relatório ao Projeto de Lei (PL) nº 1876/99, em trâmite na Câmara dos Deputados, que modifica o Código Florestal, e as ocupações de risco afetadas por desastres como os ocorridos no Rio de Janeiro no inicio do ano. Vejamos.

A aludida proposta reduz a extensão da área de preservação permanente (APP) de beira de cursos dágua, de 30 para 15 metros, nos rios com até cinco metros de largura. Isso obviamente dá um sinal trocado aos potenciais ocupantes de plantão. Se meu vizinho ocupou e regularizou, por que eu não posso?

O PL modifica o parâmetro de medida da APP de curso dágua. Pela lei em vigor, o cálculo de extensão de APP de beira de rios é feito a partir do nível mais alto do curso dágua. O PL nº 1876/99, por sua vez, dispõe que a APP passa a ser medida a partir da "borda do leito menor". Na prática, trata-se da redução efetiva da dimensão da área de preservação de curso dágua em todo o país (áreas rurais e urbanas). Beneficiará a consolidação de ocupações existentes e incentivará ocupações mais próximas ao leito dos rios.

O PL 1876/99 amplia a lista de ocupações consideradas de interesse social passíveis de regularização em APP. Inclui entre elas a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais. Cada exceção a mais aceita pelo legislador à regra da preservação das APPs, que, não por acaso, coincidem com muitas das áreas de risco afetadas por chuvas, enchentes e trombas dágua, é mais um fator de aumento de risco e de preocupação com os eventos climáticos extremos, a cada ano mais frequentes.

O projeto permite ainda que o presidente da República, por decreto, sem discussão pública ou fundamentação técnico-científica, amplie o rol de atividades de utilidade pública e interesse social passíveis de se consolidar em APP.

O impacto de uma lei na vida das pessoas e no ambiente não pode ser examinado apenas pela letra fria da norma, mas fundamentalmente pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural. Embora a omissão histórica do poder público tenha praticamente anulado os efeitos do Código Florestal, hoje ele vem sendo objeto de cobrança cotidiana, principalmente pelo Ministério Público, como desdobramento da conscientização crescente da população.

O Código é um instrumento de inibição da expansão urbana em benefício dos serviços socioambientais prestados por essas áreas às cidades e seus moradores. É instrumento a ser considerado na elaboração e revisão dos planos diretores e leis de ocupação do solo, conforme determina o próprio Estatuto das Cidades.

A especulação imobiliária crescente, a necessidade das prefeituras de ampliar a arrecadação de IPTU e a pressão natural derivada da falta de políticas habitacionais que atendam à crescente demanda das populações de média e baixa rendas têm exercido papel não desprezível na conversão de áreas rurais ditas consolidadas em áreas urbanas a consolidar.

A regularização dos desmatamentos em APP rural, prevista no PL, pode sinalizar para revisões em planos diretores e leis municipais de ocupação do solo em todo o país e estimular o parcelamento de áreas rurais consolidadas situadas nos limites urbanos, já que a recuperação das APPs e das reservas legais deixará de ser exigida.

O que a lei florestal objetiva com as APPs é, além dos fluxos de biodiversidade, manter as condições de estabilidade do solo e a integridade dos recursos hídricos, bens ambientais essenciais à sadia qualidade de vida humana de que trata a Constituição Federal em seu artigo 225. Ainda assim, como se viu na tragédia do Rio de Janeiro, mesmo com a manutenção da vegetação nativa, a estabilidade e a integridade do solo e das águas não estão 100% garantidas. Os fatos indicam que a proposta de consolidação de ocupações em APP (topo de morro, declividade e margem de rios), nos moldes propugnados pelo projeto de lei aqui comentado é, no mínimo, muito preocupante.

André Lima
Advogado e mestre em políticas públicas e gestão ambiental pela Universidade de Brasília

Artigo publicado no Correio Brasiliense, 27 de janeiro de 2011

Muitas vezes uma APP de 30 metros é pouco. Foto: Wigold B. Schaffer. Rio de Janeiro, 2011.

ONGs retomam campanha SOS Florestas lançando site

Um grupo de ONGs ligadas ao movimento socioambientalista coloca no ar a partir deste sábado, 5 de junho – dia do meio ambiente – uma campanha que pretende esclarecer a população sobre as mudanças que podem afetar o Código Florestal. A lei criada na década 1930 passou por várias reformulações (hoje, lei 4771/65), mas nenhuma delas ameaçava tanto a proteção das florestas brasileiras como a que pode ocorrer agora com o relatório a ser apresentado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados na semana que vem.

O site www.sosflorestas.com.br é uma publicação completa onde a sociedade poderá saber o histórico da lei florestal, a importância dela para a manutenção dos recursos hídricos, matas ciliares, solo e clima. Assinam a campanha: Apremavi, Greenpeace, ICV, IPAM, ISA e WWF. As adesões estão abertas para outras organizações da sociedade civil.

O site mostra ainda como o Código Florestal influi no dia a dia da população, sua importância para a agricultura e os riscos de se alterar pontos da lei que são considerados fundamentais por cientistas e ambientalistas. As bases científicas do Código Florestal e as propostas das ONGs que atuam no setor receberam destaques na publicação. Uma ação de cyberativismo convoca os cidadãos a se manifestarem contra o desmonte da legislação florestal.

O site vai ao ar dias antes da apresentação do relatório final da comissão especial da Câmara dos Deputados designada para propor mudanças na lei 4771. A lei é considerada estratégica para conter o desmatamento em todos os biomas e tentar reverter a situação das áreas degradadas. De acordo com os ambientalistas, as propostas em discussão  – anistia a quem desmatou; fim das Áreas de Preservação Permanente; desobrigação de recuperar o que foi desmatado  ilegalmente, entre outras,  podem trazer consequências devastadoras, inclusive no que diz respeito ao cumprimento das metas assumidas pelo Brasil de reduzir o desmatamento, principalmente na Amazônia, e as emissões de gases que causam o aquecimento global.

Confira o site e participe.

Apremavi e Amavi promovem curso de legislação ambiental

O projeto “Adequação ambiental de imóveis rurais através da Averbação de Reserva Legal” é uma iniciativa da Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (Amavi), em parceria com as Prefeituras da região e diversas outras instituições, como o MMA, a Apremavi, a TNC e a Fatma. O projeto tem como objetivo identificar e delimitar as Reservas Legais dos cerca de 25.000 imóveis rurais na região de abrangência dos 28 municípios do Alto Vale do Itajaí, além dos municípios de Alfredo Wagner e Bom Retiro, em Santa Catarina.

Iniciado no segundo semestre de 2009, pretende apoiar os pequenos produtores rurais na correta instrução dos processos de identificação, delimitação e averbação em cartório da Reserva Legal das propriedades rurais, além de organizar um cadastro geral da situação ambiental dos imóveis rurais da região.

A proposta da Amavi surgiu após a publicação do Decreto no 6.514/08, que regulamentou a Lei no 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) no que tange às infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabeleceu prazo até 11 de dezembro de 2009 para que os proprietários rurais averbassem a Reserva Legal, sob pena de multa diária. Esse decreto foi substituído pelo Decreto no 7.029, de 2009, que criou o Programa Mais Ambiente e estendeu o prazo para averbação das Reservas Legais até 11 de junho de 2011.

Um levantamento preliminar da Amavi indicou que aproximadamente 70% das pequenas propriedades rurais da região ainda conservam áreas de vegetação nativa para constituir a Reserva Legal e são raros aqueles que não possuem mais nenhum remanescente de mata nativa e que terão que recuperar áreas. Ou seja, na região do Alto Vale do Itajaí, a regularização da Reserva Legal, mediante averbação de área equivalente a 20% do imóvel conforme preconiza o Código Florestal, depende basicamente da identificação, mapeamento e averbação em cartório.

Esta iniciativa coloca as prefeituras da região na vanguarda da discussão e solução dos problemas relacionados aos principais temas de importância não apenas local e nacional, mas também global, como a minimização dos efeitos das mudanças climáticas, a conservação da biodiversidade, a conservação dos recursos hídricos e a conservação do solo, todos temas relacionados aos processos agrícolas, industriais, energéticos e de abastecimento público e bem estar das populações humanas. Além disso, ao apoiar a elaboração dos mapas e processos de cada imóvel para a averbação da Reserva Legal, vai trazer uma importante economia aos agricultores e pecuaristas da região.

Dentro deste trabalho, através de parceria estabelecida com o Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio) a Apremavi estará desenvolvendo ações de capacitação em legislação ambiental, na elaboração de planos municipais de conservação e recuperação da Mata Atlântica e ações de mobilização e educação ambiental em 28 municípios do Alto Vale do Itajaí.

Serão realizados 03 cursos sobre legislação ambiental, envolvendo os técnicos das prefeituras e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). O primeiro curso foi realizado nos dias 28 e 29 de abril e envolveu a participação de 15 técnicos dos municípios de Salete, Rio do Campo, Santa Terezinha, Taió, Mirim Doce, Pouso Redondo e Atalanta. Os demais cursos serão realizados de 04 a 06 de maio e de 11 a 13 de maio, onde serão envolvidos os municípios não contemplados nesse primeiro curso.

Dentre os assuntos discutidos nos cursos destacam-se:

•    Adequação ambiental das propriedades rurais: Legislação ambiental vigente.
•    Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica.
•    Unidades de Conservação: O que são, importância e processo de criação.
•    Políticas municipais de meio ambiente e Conselhos Municipais de Meio Ambiente.
•     Serviços ambientais: conceitos e pagamentos por serviços ambientais.
•    Restauração Florestal: Fundamentação teórica e bases ecológicas necessárias à restauração florestal com espécies nativas.

Serão também realizados 03 seminários sobre legislação ambiental, que envolverão diretamente os agricultores familiares do Alto Vale e demais interessados sobre o assunto. Esses eventos serão realizados nos dias 18 de maio, em Taió (SC), 26 de maio em Ibirama (SC) e 27 de maio em Ituporanga (SC) e terão como objetivo sanar as dúvidas e repassar informações corretas sobre o processo de averbação da RL aos agricultores.

A Apremavi ainda realizará reuniões mensais com os técnicos envolvidos nos cursos citados acima, com o objetivo de formar uma rede de técnicos capacitados e atuantes na área ambiental, com potencial para mobilização dos agricultores do Alto Vale do Itajaí.

A realização desses eventos está contando com a participação de palestrantes da equipe técnica da Apremavi: Edilaine Dick, Jaqueline Pesenti, Edinho Pedro Schaffer, Tatiana Arruda Correa, Leandro da Rosa Casanova e Miriam Prochnow e de palestrantes convidados: Nelcio Lindner (Senai de Blumenau), Lauro Bacca (RPPN Catarinense), Claudio Klemz (TNC), Ivanor Boing (Prefeito de Vitor Meirelles) e Wigold B. Schaffer (MMA).

Pin It on Pinterest