A Mata Atlântica nos jardins: um olhar para a obra de Burle Marx

25 maio, 2024 | Notícias, Planejamento de Propriedades e Paisagens, Viveiro Jardim das Florestas

“Creio que é tempo de o Brasil aprender a amar a natureza – as florestas, os rios, os lagos, os bichos, os pássaros. Creio que é preciso reformular nosso conceito de patriotismo. Patriotismo, para mim, é proteger o nosso patrimônio. Artístico, cultural, e a terra, que nos dá tudo isso.” Burle Marx.

Com quantas espécies se faz um jardim? A diversidade de formas, cheiros, cores e texturas das plantas nativas da Mata Atlântica apontam caminhos para pensar espaços públicos e privados nas cidades para além do paisagismo; aliando estética e natureza e valorizando as características do ambiente e das espécies que naturalmente ocorrem na região.

Esse princípio foi basilar na obra de Burle Marx, mestre do paisagismo no Brasil, que assinou projetos no Brasil e no exterior, como o paisagismo do Parque do Flamengo (Rio de Janeiro), Jardins e terraços do Palácio do Itamaraty (Brasília), Jardim para o Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência da República (Brasília), Jardins do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro) e a Praça da Cidadania – UFSC (Florianópolis).

Os projetos Burle Marx trouxeram inovações significativas na própria imagem do jardim brasileiro, que tradicionalmente foram elaborados conforme a tradição europeia, de forma simétrica, utilizando linhas e proporções hierárquicas. Espécies exóticas – muitas vezes pouco adaptadas ao clima do Brasil – foram substituídas por nativas, desde bromélias até as árvores que fornecem grande espaço de sombra.

Os canteiros concebidos pelo artista rompem com a simetria, mostram curvas generosas, grande diversidade de espécies e não buscam uma valorização maior das flores, busca-se mostrar o belo nas formas dos troncos, tons variados nas folhas e formas que antes eram encontradas apenas nas florestas.
Figuras: Projetos de Burle Marx. Crédito: MoMA e Austin Kleon/Reprodução.

“Fazer paisagem artificial não é negar nem imitar servilmente a natureza. É saber transpor e saber associar, com base num critério seletivo, pessoal, os resultados de uma observação morosa, intensa e prolongada. De minha experiência pessoal posso lembrar agora todo o aprendizado através do convívio com botânicos cuja colaboração reputo indispensável àquele que queira se dedicar ao mister de fazer paisagismo consciente e aprofundado, aproveitando esse imenso patrimônio, tão mal compreendido pelos paisagistas e pelos amantes de jardins, que é a exuberante flora brasileira.”
Jardim e Ecologia – Burle Marx (1967).

Muitas das espécies utilizadas por Burle Marx são nativas da Mata Atlântica. Ipês de todas as cores, coqueiro-jerivá, palmito, bromélias e araçás foram plantadas e continuam crescendo em seus projetos, que sempre preconiza a resiliência e sustentabilidade do jardim, mantendo as espécies que foram plantadas e necessitando de pouca manutenção. A seleção das espécies também leva em consideração a sucessão ecológica, um princípio da Ecologia que une espécies que são dependentes umas das outras. Espécies pioneiras (as que crescem primeiro na floresta) fornecem sombra, proteção e abrigo para as plantas mais sensíveis, por exemplo.

Além disso, soluções para a resiliência das cidades em eventos climáticos extremos podem ser incorporadas ao desenho paisagístico, como a pavimentação permeável; criação de jardins de chuva; canteiros pluviais e de áreas de infiltração subterrânea direta; valas de retenção, com canteiros que possuam canais que permitam a infiltração das águas através de elementos drenantes ou da própria vegetação.

O novo modelo de jardins apresentado por Burle Marx é uma oportunidade para valorizar a Natureza, para reaproximar as pessoas do Meio Ambiente, para valorizar a biodiversidade e pensar espaços públicos que sejam úteis, agradáveis a todos os sentidos e acolhedores para as pessoas e para outras espécies. Suas obras são também um convite para que arquitetos, paisagistas e todos que querem colocar a mão na terra considerem em primeiro lugar plantar espécies nativas em seus jardins.

Registros de projetos de Burle Marx implantados. Fotos: Livro Sítio Roberto Burle Marx.

Espécies da Mata Atlântica utilizadas por Burle Marx

Lista de espécies produzidas pelo Viveiro Jardim das Florestas – Apremavi (Atalanta, SC): Ipês de todas as cores, coqueiro-jerivá (Syagrus romanzoffiana), palmito (Euterpe edulis), bromélias, Sibipiruna (Caesalpinia pluviosa), Manacá (Brunfelsia uniflora), jabuticaba (Myrciaria jaboticaba), cereja-do-rio-grande (Eugenia involucrata), pitanga (Eugenia uniflora), Pau-ferro (Caesalpinia ferrea), jacarandá (Jacaranda mimosaefolia), canafístula (Peltophorum dubium), ripão (Cassia leptophylla), primavera (Bougainville spectabillis) e araçás. 

Lista de espécies produzidas pelo Viveiro da Associação Ambientalista Copaíba (Socorro, SP): araçá-roxo (Psidium rufum), ipê-amarelo (Handroanthus chrysotrichus), jabuticaba (Plinia peruviana), palmito (Euterpe edulis), pata-de-vaca (Bauhinia forficata) e pitanga (Eugenia uniflora).

As espécies produzidas nos viveiros da Apremavi e da Copaíba são utilizadas em iniciativas de restauração ecológica, mas também estão disponíveis para venda. Fotos: Associação Ambientalista Copaíba.

Referências consultadas:

ECKER, Vivian Dall’igna. A praça como locus da sociabilidade: estudo de caso da Praça da Cidadania, no Campus da UFSC. 2016. 253 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Programa de Pós- Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade (Pgau-Cidade), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.

STORINO, Claudia; SIQUEIRA, Vera Beatriz (org.). Sítio Roberto Burle Marx. São Paulo: Intermuseus, 2020. 309 p

WISNIK, Guilherme (org.). Paraísos Inventados. São Paulo: Almeida e Dale Galeria, 2020.

Autor: Vitor Lauro Zanelatto
Colaboração: Taís Fontanive (Apremavi) e Erika Xavier (Copaíba).
Foto de capa: Wigold B. Schäffer



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