Desafios e caminhos possíveis em prol da diversidade na restauração ecológica

28 mar, 2024 | Notícias

Em fevereiro, pesquisadores brasileiros publicaram uma carta na Science chamando atenção para a necessidade de heterogeneidade de espécies na restauração. Em entrevista com alguns desses pesquisadores, a Apremavi ouviu sobre os desafios e caminhos possíveis colocados por eles em prol dessa diversidade de espécies que corroboram a atenção permanente que a instituição têm ao executar, já a mais de três décadas, os seus projetos de restauração.

Enquanto vivemos um duplo desafio ambiental: a crise da biodiversidade e a emergência climática, a restauração ecológica se apresenta como uma das soluções possíveis. Ao passo, que restaurar ambientes beneficia a biodiversidade ao recriar e promover a conexão entre habitats de espécies no mundo todo, essa ação também mitiga os efeitos da crise climática.

Pensando nisso, em 2021 as Nações Unidas (ONU) construíram um movimento global amplo para acelerar a restauração e colocar o mundo no caminho de um futuro sustentável com a articulação de um impulso político para a restauração: a Década da ONU da Restauração de Ecossistemas (2021-2030). A Apremavi é parceira oficial dessa iniciativa.

No âmbito brasileiro, em 2023 foram lançados dois tratados com foco na restauração ecológica: o Programa Arco de Restauração na Amazônia, que tem o compromisso de restaurar 6 milhões de hectares até 2030; e o Tratado da Mata Atlântica que visa restaurar 54 mil hectares até 2026. 

Dentro dessa perspectiva, pesquisadores brasileiros demonstraram uma preocupação relacionada à restauração em grande escala: a consideração adequada da diversidade de espécies nos projetos de restauração. Esse desafio culminou no desenvolvimento da carta “Aim for heterogeneous biodiversity restoration” (em português: “mirar a restauração heterogênea da biodiversidade”), publicada no dia 25 de janeiro e divulgada no site da Apremavi na ocasião.

Entrevista com Thiago Shizen, Helena Streit e Gehard Overbeck sobre a diversidade na restauração
Registro da entrevista realizada on-line pela equipe da Apremavi com os pesquisadores da UFRGS e UFMG.
Entrevista com pesquisadores

Apremavi: Como surgiu a ideia da carta?

Thiago Shizen: A ideia surgiu após a experiência que ele teve em seu pós-doutorado na França, onde pôde observar o detalhamento dos ecossistemas e a classificação europeia dos hábitats. No Brasil, essa abordagem não é comum, ainda conhecemos pouco da nossa biodiversidade. A ideia de escrever a carta surgiu após o envio, por parte do pesquisador Hernani Oliveira, co-autor da carta, de uma reportagem sobre o Tratado da Mata Atlântica que pretende restaurar 54 mil hectares até 2026 e de uma provocação do professor Geraldo Fernandes, último autor da publicação. A partir daí começamos a conversar, com mais alguns pesquisadores, sobre os desafios da restauração em grande escala que podem não considerar adequadamente a diversidade de espécies nos projetos, que culminou no desenvolvimento da carta.

Apremavi: Quais são os principais desafios na busca por heterogeneidade de espécies na restauração?

Pesquisadores: A lacuna no conhecimento técnico sobre quais seriam as melhores espécies e sobre os ecossistemas de referência, a falta de disponibilidade de sementes e mudas das espécies no mercado desses ecossistemas de referência e a utilização de espécies que não são daquela região/estado são os principais desafios que temos, principalmente, nos ecossistemas campestres, que seguem negligenciados no debate da restauração.

Além disso, há uma necessidade no desenvolvimento de políticas públicas que cobrem essa diversidade. Atualmente, a única exigência da legislação é que as espécies sejam do mesmo bioma, hoje, por exemplo, não há problema, do ponto de vista da legislação, se as espécies do Estado de São Paulo são utilizadas na restauração de áreas em Santa Catarina.

Apremavi: Pensando nas particularidades dos biomas brasileiros, quais os principais desafios da diversidade de espécies no âmbito da Mata Atlântica?

Pesquisadores: No âmbito da Mata Atlântica, é observado que apenas 8% da diversidade da flora do bioma é usada em projetos de restauração. O que gera a problemática de homogeneização do bioma que não respeita o conjunto de espécies que anteriormente existia no local restaurado. A Mata Atlântica é conhecida como um hotspot de diversidade justamente devido a sua grande diversidade, o alto grau de espécies endêmicas, e a alta taxa de degradação. 

A Mata Atlântica não é toda igual, existem fitofisionomias distintas, e ainda com variação interna grande ao longo de gradientes ambientais – precisamos considerar isso na restauração. Outro desafio, é a inexistência, muitas vezes, de um ecossistema de referência: em alguns casos, o que restou são remanescentes de florestas secundárias, que se diferenciam bastante das florestas originais.

Apremavi: O que cada setor (privado, terceiro setor e setor governamental) pode fazer em prol da diversidade na restauração?

Pesquisadores: É preciso criar uma demanda de fazer a restauração acontecer de uma forma mais crítica, precisamos questionar e cobrar para criar essa demanda por diversidade. É fundamental desenvolver políticas públicas, pois a partir dessa cobrança vai ser criada a exigência que a restauração seja mais diversa e baseada no conhecimento científico. A partir disso, o setor privado e o terceiro setor vão reagir para suprir essa demanda. No âmbito da ciência, ela deve guiar esse desenvolvimento de políticas e apontar o caminho necessário para ajustes na legislação, por exemplo, a partir da sugestão de espécies prioritárias para uso na restauração ou da definição de regiões com demandas diferenciadas.

Foi apontado sobre os desafios de alterações nas legislações federais, estaduais e tratados, o que leva tempo. Enquanto isso, mesmo que individualizado em cada organização, precisamos exigir mais dos projetos de restauração, por exemplo, em termos da diversidade de espécies utilizadas. O terceiro setor pode fazer a ponte entre os cientistas e os proprietários, para ir além do que está na lei até essa adaptação.

Além disso, os pesquisadores reforçaram a necessidade dos consórcios e tratados da restauração, como o Tratado da Mata Atlântica, considerassem a diversidade de maneira adequada, levando em conta a área de ocorrência natural das espécies. 

Apremavi: Pensando no âmbito dos projetos de restauração, quais ações são primordiais para a obtenção da diversidade na restauração?

O incentivo à produção de sementes e mudas do ecossistema de referência são importantes, além de um conhecimento científico sólido para nortear a produção de sementes e de mudas.

Além disso, é destacada a importância de estabelecer protocolos de restauração para diferentes contextos, levando em conta o tipo e o nível de degradação, e o uso de diferentes técnicas de restauração, desde a preparação da área a ser restaurada, até a introdução de espécies, considerando, por exemplo, diferentes grupos como as espécies pioneiras que colonizam o local com facilidade e as espécies de clímax.

O apoio para a coleta de sementes é super importante e precisamos de opções adaptadas às realidades dos biomas e suas diversas comunidades, como por exemplo criar cadeias econômicas fornecendo benefícios econômicos e sociais para a comunidade.

Estamos falando sobre diversidade e biodiversidade, mas a sociedade em geral desconhece esses termos, a importância da biodiversidade e a crise dela e das mudanças climáticas, é necessário falar sobre isso. Além disso, é pontuada a confusão entre termos como restauração e reflorestamento, que também precisa ser abordada.

Os pesquisadores

Professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realiza pesquisa e atividades de extensão em ecologia, conservação e restauração, com foco no desenvolvimento de técnicas de restauração de ecossistemas campestres no Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre (LEVCamp) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e no Centro de Conhecimento em Biodiversidade.

Gerhard Overbeck

Pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vinculada ao Programa de Pesquisa em Biodiversidade (Rede PPBio), realiza pesquisa nas regiões campestres na região Sudeste da América do Sul com foco nas espécies exóticas invasoras no LEVCamp da UFRGS e no Centro de Conhecimento em Biodiversidade.

Helena Streit

Pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, realiza pesquisas em ecologia aplicada envolvendo projetos de recuperação/restauração ecológica com foco na definição de ecossistemas de referência no Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade (LEEB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no Centro de Conhecimento em Biodiversidade.

Tiago Shizen

Autora: Thamara Santos de Almeida
Revisão: Carolina Schäffer
Foto de capa: ©️ Thamara Santos de Almeida

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