Código Florestal: homens x natureza

As fronteiras dos rios e das águas quase sempre coincidem com as nossas. Mas quase não é sempre. Nós "humanos da pós-modernidade" temos sido pouco atentos a isso. Mudaremos então o Código Florestal para impor nossa ocupação dita consolidada, ignorando com tecnicidades de uma regra ambiental artificial as leis da natureza que regem o ciclo das águas e a força dos rios?

O deputado Aldo Rebelo insiste em afirmar que não, mas são evidentes as conexões entre as propostas contidas em seu relatório ao Projeto de Lei (PL) nº 1876/99, em trâmite na Câmara dos Deputados, que modifica o Código Florestal, e as ocupações de risco afetadas por desastres como os ocorridos no Rio de Janeiro no inicio do ano. Vejamos.

A aludida proposta reduz a extensão da área de preservação permanente (APP) de beira de cursos dágua, de 30 para 15 metros, nos rios com até cinco metros de largura. Isso obviamente dá um sinal trocado aos potenciais ocupantes de plantão. Se meu vizinho ocupou e regularizou, por que eu não posso?

O PL modifica o parâmetro de medida da APP de curso dágua. Pela lei em vigor, o cálculo de extensão de APP de beira de rios é feito a partir do nível mais alto do curso dágua. O PL nº 1876/99, por sua vez, dispõe que a APP passa a ser medida a partir da "borda do leito menor". Na prática, trata-se da redução efetiva da dimensão da área de preservação de curso dágua em todo o país (áreas rurais e urbanas). Beneficiará a consolidação de ocupações existentes e incentivará ocupações mais próximas ao leito dos rios.

O PL 1876/99 amplia a lista de ocupações consideradas de interesse social passíveis de regularização em APP. Inclui entre elas a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais. Cada exceção a mais aceita pelo legislador à regra da preservação das APPs, que, não por acaso, coincidem com muitas das áreas de risco afetadas por chuvas, enchentes e trombas dágua, é mais um fator de aumento de risco e de preocupação com os eventos climáticos extremos, a cada ano mais frequentes.

O projeto permite ainda que o presidente da República, por decreto, sem discussão pública ou fundamentação técnico-científica, amplie o rol de atividades de utilidade pública e interesse social passíveis de se consolidar em APP.

O impacto de uma lei na vida das pessoas e no ambiente não pode ser examinado apenas pela letra fria da norma, mas fundamentalmente pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural. Embora a omissão histórica do poder público tenha praticamente anulado os efeitos do Código Florestal, hoje ele vem sendo objeto de cobrança cotidiana, principalmente pelo Ministério Público, como desdobramento da conscientização crescente da população.

O Código é um instrumento de inibição da expansão urbana em benefício dos serviços socioambientais prestados por essas áreas às cidades e seus moradores. É instrumento a ser considerado na elaboração e revisão dos planos diretores e leis de ocupação do solo, conforme determina o próprio Estatuto das Cidades.

A especulação imobiliária crescente, a necessidade das prefeituras de ampliar a arrecadação de IPTU e a pressão natural derivada da falta de políticas habitacionais que atendam à crescente demanda das populações de média e baixa rendas têm exercido papel não desprezível na conversão de áreas rurais ditas consolidadas em áreas urbanas a consolidar.

A regularização dos desmatamentos em APP rural, prevista no PL, pode sinalizar para revisões em planos diretores e leis municipais de ocupação do solo em todo o país e estimular o parcelamento de áreas rurais consolidadas situadas nos limites urbanos, já que a recuperação das APPs e das reservas legais deixará de ser exigida.

O que a lei florestal objetiva com as APPs é, além dos fluxos de biodiversidade, manter as condições de estabilidade do solo e a integridade dos recursos hídricos, bens ambientais essenciais à sadia qualidade de vida humana de que trata a Constituição Federal em seu artigo 225. Ainda assim, como se viu na tragédia do Rio de Janeiro, mesmo com a manutenção da vegetação nativa, a estabilidade e a integridade do solo e das águas não estão 100% garantidas. Os fatos indicam que a proposta de consolidação de ocupações em APP (topo de morro, declividade e margem de rios), nos moldes propugnados pelo projeto de lei aqui comentado é, no mínimo, muito preocupante.

André Lima
Advogado e mestre em políticas públicas e gestão ambiental pela Universidade de Brasília

Artigo publicado no Correio Brasiliense, 27 de janeiro de 2011

Muitas vezes uma APP de 30 metros é pouco. Foto: Wigold B. Schaffer. Rio de Janeiro, 2011.

Agronegócio quer derrubar proteção às florestas

Organizações da sociedade civil assinam nota contra a tentativa ruralista de derrubar a proteção às florestas brasileiras. O documento foi divulgado hoje, quando ocorre, em Barcelona, na Espanha, encontro que antecede a Conferência da Organização das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP-15), de Copenhague (Dinamarca), em dezembro próximo, e do qual participa o ministro do Meio Ambiente do Brasil, Carlos Minc.

A Apremavi assina o documento por conhecer de perto as catástrofes que podem acontecer e se agravar caso as florestas não sejam protegidas ou recuperadas. Veja a seção "Santa e Frágil Catarina".

Leia a íntegra do documento abaixo:

AGRONEGÓCIO BRASILEIRO QUER DERRUBAR PROTEÇÃO ÀS FLORESTAS

Em dezembro, o mundo decidirá um novo regime de metas para diminuição da emissão de gases efeito estufa, durante reunião a ser realizada em Copenhague (COP 15 da Convenção do Clima). Nessa reunião o governo brasileiro apresentará como seu grande trunfo um plano para diminuir significativamente o desmatamento no País, principal fonte das emissões nacionais, até 2020. Mas se o Presidente Lula não agir firmemente no âmbito da política interna, esse plano será pura ficção.  

Parlamentares ligados ao agronegócio, muitos deles de partidos da base de apoio ao Presidente, estão prestes a conseguir derrubar o Código Florestal, uma lei de mais de quarenta anos que proíbe grandes desmatamentos na Amazônia e obriga ao reflorestamento das áreas excessivamente desmatadas.

Apesar de antiga, essa lei até recentemente vinha sendo precariamente cumprida. Mas, com um melhor aparelhamento dos órgãos de fiscalização e uma maior cobrança por parte da sociedade, houve, nos últimos anos, significativo aumento das punições aos desmatamentos ilegais, o que gerou descontentamento de parte do agronegócio brasileiro que se beneficiava da impunidade. Com grande influência no parlamento, esse setor econômico passou a pressionar pela revogação da lei e pela anistia às ilegalidades já ocorridas, a forma mais simples de se legalizar. O próprio Ministro da Agricultura vem sendo porta-voz dessas propostas, defendendo publicamente que a proteção às florestas seja “atenuada”.

No último dia 28/10 um projeto de lei que anistia os desmatamentos ilegais e diminui o nível de proteção às florestas ainda remanescentes quase foi aprovado pela Câmara dos Deputados. (Veja o teor do projeto de lei que já está sendo chamado de Código dos Ruralistas). Apesar de não serem maioria no Congresso Nacional, os parlamentares ligados ao agronegócio contam com a total omissão do Governo Lula para levarem adiante seus projetos. No próximo dia 04/11 haverá uma nova votação e, se o Governo não tomar posição, as probabilidades de que o Código Florestal seja revogado são reais. Não é aceitável que a delegação brasileira em Copenhague leve em sua bagagem a destruição do Código Florestal. Conclamamos o Presidente Lula a atuar firmemente para que um retrocesso dessa envergadura não ocorra!

Assinam

Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi)
Associação Mira-Serra
Conservação Internacional – Brasil
Greenpeace
Grupo de Trabalho Amazônico(GTA)
Instituto Centro de Vida(ICV)
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)
Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê)
Instituto de Pesquisa da Mata Atlântica (Ipema)
Instituto Socioambiental (ISA)
Programa da Terra (Proter)
Rede de ONGs da Mata Atlântica
Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz
WWF – Brasil

Comunicação:
Greenpeace – Cristina Amorim – (11) 3035-1160 / cristina.amorim@greenpeace.org
Instituto Socioambiental (ISA) – Katiuscia Sotomayor –    (61) 30355114 – katiuscia@socioambiental.org.br
WWF/ Brasil – Denise Oliveira –    (61) 3364 7400 / 7497 / 81752695 – doliveira@wwf.org.br

Protocolada ADIN contra o Código (anti) Ambiental de SC

Após dois meses e meio da aprovação do Código (anti) Ambiental de Santa Catarina, o Procurador Geral da República, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, protocolou no dia 17 de junho de 2009, no Supremo Tribunal Federal (STF), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), contra o Código Ambiental de Santa Catarina, alegando que a Lei estaria em desacordo com a Constituição Federal. Souza considerou a lei inconstitucional, atendendo as representações do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e do Ministério Público Federal (MPF).

Além da ação protocolada, o Procurador, entrou com pedido de medida cautelar para garantir que os dispositivos questionados sejam suspensos até o julgamento, visto que no parecer do procurador, eles podem provocar danos graves ao meio ambiente.

A ação será analisada pelo ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).

Código Ambiental

O código catarinense foi sancionado em 13 de abril pelo governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira. Desde o início o código é criticado por seu teor de inconstitucionalidades, como já vem sendo denunciado pela Apremavi e pelo Movimento por um Código Ambiental Legal.

A sociedade civil organizada que tem como objetivo maior a preservação do meio ambiente e a manutenção da qualidade de vida da população, espera com que com essa ação sejam reparados os graves ataques à legislação ambiental.

Algumas Organizações Ambientalistas não Governamentais, entre elas a Apremavi, já estão se preparando para dar entrada com um dispositivo do direito chamado "amigo da causa", para apoiar a ADIN da Procuradoria Geral da República.

Os dispositivos questionados (ADIN em anexo) por  Antônio Fernando Barros e Silva de Souza são: 

Artigo 28
Lei: Apresenta 66 conceitos relativos ao meio ambiente.
Ação: Contesta os parágrafos 1º, 2º e 3º por tratarem de um assunto de competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Artigos 101 a 113
Lei: Trata da proteção da Mata Atlântica.
Ação: Contesta a competência do Estado para tratar de um assunto de âmbito nacional.

Artigos 114, 115 e 116
Lei: Define as áreas de preservação permanente em Santa Catarina.
Ação: Afirma que os artigos estão em desacordo com o Código Florestal e com as Resoluções 303/02 e 369/06 do CONAMA.

Artigo 118
Lei: Trata do uso econômico-sustentável das áreas de preservação permanente.
Ação: Afirma que a lei compromete a política de defesa civil.

Artigo 140
Lei: Trata da criação das unidades de conservação.
Ação: Afirma que a criação, implantação e gestão de unidades de conservação estão determinadas na Lei 9.985/00 e no Decreto 4.340/02.

Castigo e Crime em Terras Catarinenses

A catástrofe que assolou Santa Catarina, deixando comovente rastro de destruição, presente na memória de tantos brasileiros, torna de difícil compreensão a iniciativa perpetrada pelo Governador do Estado que remete ao legislativo um projeto de lei flagrantemente inconstitucional, solapando regramentos da legislação de proteção ambiental. Mais enigmático foi a aprovação, rápida e sem registros de contrariedade, por parte dos membros do poder legislativo catarinense.

Não há como deixar de recorrer a clássica obra de Fiódor Dostoiévski, já que o episódio de imediato nos remete a uma percepção, ainda que enviesada, similar aquela assumida por alguns de seus personagens. Parece que aos parlamentares e centenas de agricultores que se aglomeravam no plenário da Assembléia, o castigo prévio da catástrofe ambiental, de certa forma, lhes facultava e legitimava o crime. Na ficção Dostoiévski narra:

"Esse crime ínfimo não seria atenuado por milhares de boas ações? Por uma vida _ milhares de vidas salvas do apodrecimento e da desagregação. Uma morte e cem vidas em troca – ora, isso é uma questão de aritmética. Aliás, o que pesa na balança comum a vida dessa velhota tísica, tola e má? Não mais que a vida de um piolho, de uma barata, e nem isso ela vale porque a velhota é nociva. Ela apoquenta a vida dos outros".

Na vida real ouvimos a exaustão o argumento utilitarista de que preservar a natureza, ou melhor, manter preservado aquele mínimo exigido pela legislação, significa penalizar milhares de agricultores que deixarão de produzir nessas áreas e, consequentemente, deixar de auferir lucros. Eliminar as ditas APPs, nesse cenário, é um crime ínfimo, já que, dizem os deputados, todos sabemos que as tais APPs apoquentam a vida de muita gente. Mas, não sejamos ingênuos, a velhota tísica, tola e má, e que precisa ser sacrificada em nome do bem comum, é a nossa jovem Constituição Federal, e com ela a democracia.

Poderíamos repetir, no afã de dissuadir deputados, o surrado refrão das calamidades decorrentes da degradação da natureza. Não funciona. Apesar da cantilena de serem diferentes do resto do país, catarinenses, deputados ou não, são tão comuns quanto os demais “brasilianos”. E aí, nos ensina Garrett Hardin, reside a tragédia. Num país tão grande, e com tanta floresta, não é a mordidinha dada pelos catarinenses que vai fazer o planeta explodir, pensam os mais comuns.

Como pretensos adeptos da ética utilitarista de Jeremy Bentham, onde “cada indivíduo só pensa em si mesmo, preocupa-se mais com suas vantagens do que com as dos outros”, se comportam os aguerridos defensores da proposta do Governo Estadual. Os deputados, demagogos contumazes, comportaram-se de forma absolutamente previsível. Cientes de que “o poder só se deixa agarrar por aquele que ousa inclinar-se e tomá-lo”, melhor não contrariar os suicidas, eles resistiram a tragédia e por certo votarão nas próximas eleições. A estúpida estratégia da “abstenção”, adotada por alguns, insere-se na mesma lógica, porém com uma dosagem adicional e generosa de hipocrisia. Necessário um reparo, estamos sendo injustos com Bentham.

Já no final do século XVIII, registrada aqui sua precoce genialidade, Bentham com seu radical utilitarismo ocupou-se de questões éticas como a pobreza, o sofrimento e a justiça, posicionando-se em favor da eliminação da miséria e da diminuição do sofrimento humano através da criação de mecanismos com os quais se procura realizar um certo conceito de justiça social. Com notável criticidade se opôs aos “revolucionários franceses”, panfletários do ilusionismo que afirmavam os direitos universais do homem. Bentham, séculos antes de Hardin já nos alertava que o indivíduo somente possui direitos na medida em que conduz suas ações para o bem da sociedade como um todo, e a proclamação dos direitos humanos, tal como se encontra nos revolucionários franceses, seria demasiado e levaria ao egoísmo. Este, segundo Bentham, já é muito forte na natureza humana. Assim, o que deve realmente ser procurado é a reconciliação entre o indivíduo e a sociedade, mesmo que seja necessário o sacrifício dos supostos direitos humanos.

Feito o devido reparo, fica a constatação: para agricultores egoístas e parlamentares inconsequentes sequer cabe a menção de utilitaristas, seria um equívoco imperdoável. A insensatez dos parlamentares, por outro lado, os remete para a marginalidade, senão vejamos:

A Constituição Fedral (CF) de 1988 estabelece que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Art. 37).

Antes da votação havia farta documentação atestando a ilegalidade da proposta, inclusive manifestações de representantes do Ministério Público; muitos foram os deputados que justificaram o voto no fato de estarem beneficiando pessoas que não resguardaram observância as leis vigentes; o posicionamento consciente de afronta as leis e a constituição é imoral; e por fim, a aprovação do PL não resguarda qualquer eficiência, pois a Assembléia Legislativa não tem competência para revogar dispositivos constitucionais, ou mesmo leis federais.

A CF sabiamente confere garantia ao direito de propriedade, não negligenciado, contudo, o necessário atendimento a sua função social. Tudo devidamente previsto no artigo 5º da Carta Magna. Já no artigo 186 há a previsão de que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Considerando a manifesta ilegalidade do Código Ambiental de SC, aquele proprietário que por ele pautar suas ações estará sujeito a perder sua propriedade. Isto porque, não cumprindo os dispositivos da legislação federal estará utilizando de forma inadequada os recursos naturais e comprometendo a preservação ambiental. Logo, comprova-se cabalmente que a propriedade não cumpre sua função social. Configurado o quadro, cabe a União promover a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, pois assim determina a CF no seu artigo 184. Não consta que deputados catarinenses tenham alertado os incautos agricultores das eventuais conseqüências de se pautar pela ilegalidade. A classe política atual, a propósito, tem demonstrado extremo desprezo em relação ao destino da nação, preocupados que estão mais com se servir da coisa pública. Como consolo, lembramos aos agricultores defensores do código que a CF também determina que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas.

A insanidade do Governador e dos parlamentares catarinenses é ainda mais evidenciada quando lembramos que Santa Catarina é um Estado originalmente coberto pela Mata Atlântica, aplicando-se no caso também os dispositivos da lei federal nº 11.428/06. Isso porque a CF definiu a Mata Atlântica como patrimônio nacional, determinando expressamente que a sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (Art. 225, § 4º).

O mesmo artigo 225 da CF incumbiu ao poder público, entre outros afazeres, definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. O Governador de SC não apenas se desvencilhou desta obrigação ao propor o Código Ambiental, como também usurpou essa competência dos 293 prefeitos municipais, que agora não mais terão a autonomia conferida pela CF para criar áreas protegidas nos seus municípios. Friedrich Wilhelm Nietzsche, para quem toda ação é egoísta e a compaixão perversa, também nos dizia que a falta de consciência é uma forma de insanidade. Assim, não nos causa estranheza que na mente dos deputados catarinenses se estabeleça que o Presidente da República não mais disponha da prerrogativa constitucional para criar áreas protegidas no Estado. Sepultada no legislativo a república, surge em SC a reprivada, onde sem qualquer pudor se esbanja o dinheiro do contribuinte, obviamente sem compaixão.

Vale registrar que a CF estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. Queremos com isto lembrar que o ato perpetrado pelo governador e deputados catarinenses é uma ameaça a democracia, porém não necessariamente a fragiliza. Ao contrário, uma vez restabelecida a prevalência do Estado de Direito e do império da lei, ainda que pelo caminho da justiça, fortalecida sai a democracia, pois demonstrado fica que mesmo os abusos do Estado nela são intoleráveis. Colocá-la a prova pode render bons frutos.

De toda forma, é lastimável e deveras negativo para a democracia o flagelo da autodesmoralização da classe política. E para corrigir isso não há judiciário que dê conta, restando ao eleitor fazer justiça com as próprias mãos: políticos que demonstram incapacidade para cumprir a missão que lhes foi delegada não podem ser reeleitos.
No estado essa missão significa agora reformular também todo o legislativo, porém ficou mais simples: em tempos de urnas eletrônicas, podemos fazer justiça usando apenas um dedinho.

Num quadro político tão anacrônico, aplicar a Teoria dos Castigos e das Recompensas, que Bentham já nos legou nos idos de 1811, pode ser demonstração de que a modernidade enfim chega a política catarinense.

Apesar de código ambiental, leis federais continuam valendo em SC

Dia 31 de março de 2009 a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina cometeu um dos maiores crimes contra o meio ambiente e, por conseqüência contra a vida da nossa gente. Após seis meses de tramitação o PL nº238/2008, batizado de “Código Ambiental Catarinense”, recheado de ilegalidades e inconstitucionalidades, foi à votação e aprovado por 31 votos a favor, com 07 abstenções.

Foi uma sessão bastante tumultuada, onde o dito “setor produtivo” leia-se: latifundiários, donos do agronegócio e madeireiros, escudados por milhares de pessoas devidamente “custeadas” e em sua maioria iludidas e mal informadas, praticamente lotaram os espaços da Assembléia, com o objetivo de pressionar e intimidar os parlamentares que ainda não estavam cooptados.

Os ambientalistas também se fizeram presentes e, embora em número menor, até porque não dispõem de recursos nem de financiadores para se deslocarem, com muita altivez, cumpriram o seu papel de ainda e até na última hora, tentar convencer os Deputados para não cometerem o equívoco histórico que, não obstante, acabou acontecendo.

Além da presença da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), destacamos entre os ambientalistas, representantes das ONGs Ipereté de Lages, da Acaprena e da Esquilo Verde de Blumenau, do Comitê da Bacia do Rio Itajaí, de vários dirigentes sindicais, vereadores, agricultores e do Movimento por um Código Ambiental Legal (Movical).

Também estavam reforçando o coro dos que lutam pela não repetição das tragédias de novembro de 2008, alunos e professores do curso de biologia da Fundação Universitária de Blumenau (FURB), que com cartazes e faixas alertavam sobre as conseqüências da aprovação do código: falta de água; enchentes; assoreamento dos rios; deslizamento de encostas e margens de cursos d´água; degradação do que resta da Mata Atlântica; prejuízos econômicos; perda de vidas humanas…

Com o mesmo intuito foram distribuídos para os Deputados e jornalistas, exemplares do informativo “Santa e Frágil Catarina”, editado pela Apremavi, com depoimentos de técnicos e pessoas de diversos setores, contrários ao código proposto. Nesse informativo constam, além dos depoimentos, informes técnicos e dados sobre as reais causas da tragédia que se abateu em nosso estado, particularmente e especialmente no Vale do Itajaí – desmoronamentos; soterramentos de casas com famílias inteiras dentro; centenas de mortos e desaparecidos; milhares de desabrigados; assoreamento do rio que, inclusive, paralisou por meses o funcionamento dos portos de Itajaí e Navegantes, suas respectivas maiores fontes de receita. Destaca-se que a maioria das casas atingidas estava construída nas áreas de preservação permanente ao longo de rios e riachos e encostas de morros, áreas essas que são APP e, ao mesmo tempo, áreas frágeis e de risco.

O fato é que todos os dias são divulgadas novas comprovações de que as mudanças climáticas estão afetando seriamente a vida das pessoas. Uma das chamadas do Boletim do Departamento de Águas e Esgotos (DAE) de São Paulo, do dia 01 de abril de 2009, anuncia “Aquecimento global aumenta enchentes em São Paulo”. O texto da matéria afirma: “estima-se que hoje o número de dias num ano com chuva acima de 10 milímetros já seja 12 a mais do que a média. Somando isso às novas projeções, o Sudeste ganhará quase um mês de chuva extrema no ano”. Para quem acompanha os noticiários, esses fatos são facilmente visíveis.

Por esses motivos, para os ambientalistas que não são “surdos ambientais” e tem responsabilidade com a vida, a sessão do 31 foi torturante. Dos muitos disparates proferidos na ocasião pelos deputados defensores do projeto estão as afirmações de que: “as enchentes e desmoronamentos nada tiveram a ver com as questões ambientais”; que “o homem é que domina o meio ambiente e não o contrário”; que “preservar 30 metros de Mata Ciliar conforme a Lei Federal prevê, causa maior tragédia que as enchentes e enxurradas”; que “5 metros de APP são suficientes em Santa Catarina, dadas suas características diferentes” e que “mais do que isso inviabiliza economicamente a maioria das propriedades”, justificando a sua aprovação.

Pior ainda ouvir de Deputados, representantes públicos que deveriam estar à serviço dos verdadeiros interesses da coletividade, pregações explícitas de desobediência civil, em suas defesas por um código que afronta a legislação federal. Pura demagogia para benefícios eleitoreiros.

Fica aqui um importante alerta aos proprietários rurais. Não se deixem enganar pelos que dizem que com a aprovação desse código ambiental às avessas, que deverá ser objeto de várias ações de inconstitucionalidade, a legislação federal poderá ser descumprida. O Código Florestal Federal continua valendo em território catarinense.

A Apremavi continua fazendo um alerta de que flexibilizar ainda mais o uso das Áreas de Preservação Permanente (APPs) aumentará a chance de uma futura catástrofe. Usamos o termo flexibilizar ainda mais, porque ao contrário do que tem sido dito pelos ruralistas, já existem inúmeras flexibilizações na legislação, permitindo o uso de APPs na pequena propriedade, entretanto desconhecemos qualquer iniciativa por parte desses setores em aplicá-las.

A Apremavi trabalha há mais de 20 anos com a recuperação de APPs e planejamento de propriedades e paisagens e se orgulha das parcerias que tem com agricultores que provam na prática que a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais valorizam sobremaneira as propriedades e seus produtos e contribuem de forma decisiva para o aumento da qualidade de vida na área rural.

Pouco adiantarão os lamentos que virão depois. O momento é agora. Garantir um desenvolvimento sustentável, com criatividade, com o trabalho digno e bonito que o povo catarinense sabe fazer. Temos que garantir sim o sucesso na produtividade agrícola, mas cuidando das nascentes, dos rios, das encostas, da diversidade das nossas florestas e dos animais, garantindo aos nossos filhos e netos a oportunidade de nascerem e viverem num ambiente saudável.

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A responsabilidade com a vida

O mundo hoje assiste a muitos desastres que poderiam ser evitados ou minorados: a escassez de água potável, o aquecimento global, o desaparecimento de espécies. O ser humano continua a destruir a terra que o alimenta e o rio que mata sua sede. A sociedade humana continua a imaginar que tais recursos são infinitos.

Em Santa Catarina a insensatez de construir em áreas de preservação permanente e de arrancar as florestas de proteção de montanhas e de cursos d’água resultou, recentemente, em morte e sofrimento de seres humanos que talvez não soubessem que estavam ocupando áreas que deveriam protegidas. Isso porque os órgãos públicos, que deveriam informar sobre tal proteção e fiscalizar as atividades urbanísticas e agrícolas, não agiram.

Aprovar legislação que permite construções em áreas de grande declividade e à beira de rios ou nascentes é bem mais do que falta de bom senso: é assumir a responsabilidade pelas vidas que poderiam ter sido salvas e que se perderam.

Os levantamentos realizados em Blumenau e no tristemente lembrado Morro do Baú, indicam que a supressão da vegetação nativa e a ocupação das áreas de preservação permanente com construções e com reflorestamentos com espécies exóticas foram os principais responsáveis pelo enormidade da tragédia de 2008. O excesso de chuvas pode matar, mas mata mais em áreas de risco e em locais degradados.

Qual a resposta das autoridades catarinenses?

Alguns meses depois de tanta tragédia, na capital onde em todo verão falta água potável e metade das praias está poluída por coliformes fecais, discute-se o projeto de lei do Código Ambiental de Santa Catarina. Com qual finalidade? Proteger os rios e as florestas, assim protegendo a vida? Proteger o patrimônio natural de todos e a perene possibilidade de produzir alimentos e riquezas? Não exatamente.

Para melhor compreender a questão, faz-se necessário um pequeno resumo da estória do projeto de lei aqui comentado.
Como muitos sabem, Santa Catarina possui um importante remanescente da Floresta Atlântica, considerada como uma das mais importantes para a diversidade biológica de todo o planeta e Reserva do Patrimônio Natural da Biosfera (UNESCO).

Exatamente para ajudar o Estado a proteger o que resta de tal floresta, uma agência alemã vem colaborando financeiramente com projetos da Fundação Estadual do Meio Ambiente – a FATMA. É doação: dinheiro que infelizmente não evitou que o Estado fosse considerado o maior desmatador de mata atlântica nos últimos anos.

Pois bem, a FATMA propôs aos alemães o custeio da elaboração de um anteprojeto-de-lei de código ambiental, sob o argumento de que tal legislação seria importante para proteger a mata atlântica (!).
Aprovada a proposta, técnicos da Fundação e consultores contratados trabalharam e discutiram as diversas regras legais que  deveriam constar do novo documento. Também discutiram com alguns segmentos da sociedade (não com o Ministério Público). O documento foi levado com festa ao Palácio do Governo. Segundo afirmam os técnicos da FATMA, lá foi trocado por outro, o qual foi encaminhado à Assembléia Legislativa.

O projeto de lei, portanto, tem origem estranha, não serve ao objetivo de proteção ambiental e diverge, em pontos essenciais, da Constituição e da legislação federais, bem como afronta a Constituição do Estado de Santa Catarina.

A Constituição Federal, além do capítulo de proteção ao meio ambiente – inspirado em textos semelhantes das constituições modernas do mundo -, também define expressamente, em seu artigo 24, a competência concorrente da União e dos Estados  para a elaboração de leis ambientais. Havendo legislação federal, portanto – é o caso do Código Florestal, da Lei da Mata Atlântica, da Lei do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e da Convenção da Biodiversidade, entre outras -, a legislação estadual pode apenas complementá-la, sempre de forma mais protetora. Em resumo: regras estaduais menos protetoras do meio ambiente do que as regras federais  não tem validade, não podendo gerar efeitos.

Assim, dizer que futuro Código Ambiental de Santa Catarina vai legalizar o desmatamento de áreas de preservação, é induzir em erro a população. Como também é induzir em erro não esclarecer aos agricultores e pecuaristas catarinenses sobre todas as possibilidades de utilização e de manejo produtivos das reservas legais, áreas de preservação permanente e remanescentes de mata atlântica, especialmente a partir da regulamentação do Código Florestal pela Resolução 369 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.

A mistificação que vêm sendo feita é impressionante, notadamente através de publicações na imprensa. A falta de exatidão é tanta que em um único texto pode-se facilmente chegar a contas absurdas de até 160% do território catarinense!! Em outro texto afirmou-se que 35% das margens de rios catarinenses não possuem qualquer vegetação de proteção. Isso quer dizer que 65%,  ou seja, a maioria dos homens do campo, preservam o meio ambiente e continuam  produzindo (é esse o bom modelo).

E porque o Estado não auxilia os demais a regularizarem sua situação, incentivando a recuperação com espécies que possam ser economicamente aproveitadas e estabelecendo áreas para dessedentação de animais e para outros usos típicos e permitidos das margens dos cursos d’água? Por que não investir realmente em ajudar a população do campo? Por que não investir em um futuro viável para todos? Por que não aproveitar a oportunidade e criar incentivos fiscais para a preservação dos recursos naturais, como o ICMs ecológico e o pagamento pela preservação?

Há exemplos importantes de atuação sustentável no Brasil: São Paulo anuncia um grande investimento para despoluir litoral e nascentes, ao tempo em que proliferam outros programas de apoio técnico e de incentivo à recuperação florestal.

A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) indica que o número de pessoas com problemas para conseguir água chegará a 3,9 bilhões em 2030, isto é, metade da população do mundo. Um exemplo desse problema é visível no oeste catarinense, onde são necessários poços de grande profundidade para buscar a água que não existe mais na superfície (desmatou-se, matando rios e nascentes!).

No dia 28 de março do corrente cerca de 1 bilhão de pessoas participaram da “Hora do Planeta”, um ato simbólico para demonstrar sua preocupação com o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Vamos esperar que os legisladores catarinenses dêem sua contribuição, afastando do projeto do Código Ambiental as regras da degradação.

Código (Anti) Ambiental de Santa Catarina

Transcorridos pouco mais de três meses das catástrofes que assolaram o estado de Santa Catarina, em razão das fortes enxurradas e dos descuidos do homem com o meio ambiente, provocando enchentes de toda ordem, deslizamentos de encostas, dezenas de mortos e milhares de desabrigados, além de gigantescos prejuízos econômicos ao Estado, parece que a tragédia sensibilizou o Brasil e o Mundo, mas não a maioria dos deputados catarinenses, determinados que estão para a aprovação do Código Ambiental Estadual, PL 0238.0/2008, prevista para o próximo dia 31 de março na ALESC.

Das inúmeras alterações realizadas pelo Governo do Estado à minuta inicialmente elaborada por representantes de diferentes segmentos da sociedade civil, entidades públicas e privadas, a mais grave e perigosa de todas as alterações, sem sombra de dúvidas, está na redução das matas ciliares situadas às margens dos cursos d’água, de 30 para 5 metros. A mobilização do setor produtivo, com o apoio explícito do Governo é enorme e bem articulada, confundindo significativamente a opinião pública.

O argumento utilizado é o prejuízo econômico que as áreas de preservação permanente- APPs, situadas ao longo dos rios, ocasiona com a perda de área produtiva na pequena propriedade rural. Segundo informações do Levantamento Agropecuário Catarinense – LAC, 89% das propriedades agrícolas catarinenses são minifúndios de até 50 hectares, representando aproximadamente 167.000 propriedades rurais distribuídas em solo catarinense.

E o argumento é que uma parcela destes está sendo economicamente afetada pelas regras ambientais vigentes. Porém, o que poucos sabem é que, também segundo dados do LAC, dos aproximadamente 6.000.000 de hectares que servem à produção agrícola do Estado, 32,52%  pertence a apenas 1,9% dos proprietários rurais, detentores de grandes latifúndios. Este dado deixa explícito que os principais interessados (e beneficiados) com a mudança legislativa não são os pequenos agricultores (que representam 45,68% da extensão fundiária), e sim os grandes.

Com a lei, toda a sociedade catarinense abdicará para sempre de boa parte deste importantíssimo bem ambiental que a todos pertence (as matas ciliares), cuja função prioritária está na preservação dos recursos hídricos, essencial à sobrevivência humana, renúncia esta que servirá, de forma especial, a uma minoria economicamente privilegiada. É justo que isso ocorra? O que poucos sabem, pasmem, é que o pequeno agricultor familiar, e somente ele, em vista do reconhecido interesse social da sua atividade, já possui autorização legal, pelo próprio Código Florestal (lei 4.771/65) que se pretende revogar, para economicamente utilizar as áreas de preservação permanente, desde que o faça mediante um sistema de manejo agroflorestal sustentável.

Na realidade, nem o Poder Executivo Estadual, nem o Setor Agroindustrial, em vista da redação do art. 115 do projeto de lei, demonstram empenho em contornar o problema pelo caminho da legalidade, estímulo à utilização responsável destas áreas ecologicamente importantes e geração de fontes alternativas de renda ao pequeno agricultor. Aliás, no sistema de integração é fato sabido que desinteressa às agroindústrias que os seus integrados tenham outras fontes de renda. A absoluta relação de dependência faz e sempre fez parte do negócio. Também é importante que a população saiba que o Ministério Público, com razoabilidade e responsabilidade sócio-ambiental, de forma pontual, há anos, juntamente com a FATMA e outras entidades, mostra-se sensível à causa.

O auxílio vem sendo prestado a milhares de pequenos agricultores com a facilitação da obtenção dos licenciamentos ambientais através de termos de ajustamento de condutas- TACs,  que vem sendo firmados e renovados com os diferentes setores produtivos (suinocultura, avicultura, rizicultura, fruticultura, dentre outros), voltados à regularização ambiental de situações consolidadas. Esses ajustes, em sua maioria, fixam a extensão das matas ciliares a serem protegidas em 10 metros, e não 30 como afirma o setor produtivo, mediante o cumprimento de outras exigências ambientais importantes, com especial destaque para o tratamento e destinação  adequada dos resíduos da produção.

É revoltante que projetos de lei voltados a instituição de incentivos fiscais ecológicos, assim como outras iniciativas de estímulo à preservação ambiental e à sustentabilidade da própria atividade econômica continuem sem vez na Assembléia Legislativa. Se o Código Ambiental Estadual for aprovado com a atual redação, constituir-se-á numa aberração jurídica, eis que afrontará o Estado Constitucional de Direito em desrespeito às regras de competência previstas nas Constituições Federal e Estadual, como bem sabem os senhores Deputados, além de apresentar vício de legitimidade, eis que a sua redação atual não possui o amplo respaldo social, mas principalmente de um segmento, que é o setor produtivo.

E afetará também, de forma direta, a geração presente, tornando-a ainda mais vulnerável às intempéries climáticas, estimulando a ocorrência de novas catástrofes, possivelmente com maior envergadura que as já ocorridas, considerando a importância das matas ciliares na contenção de enchentes em face das previsíveis enxurradas que estão por vir.

Acredito que ainda haja tempo para uma mobilização e forte reação social voltada à reversão do quadro grave que se anuncia e sensibilização de nossos representantes, dispensando complexas batalhas judiciais, desgastantes e custosas aos cofres públicos.   Ou aguardemos, mais uma vez, as conseqüências catastróficas de nossa passividade.   

Luis Eduardo Souto é Promotor de Justiça e Coordenador-Geral do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público de Santa Catarina. O artigo acima foi apresentado no Seminário "Ambientalis 2009", realizado em Chapecó de 17 a 19.03.2009, na palestra "Código ambiental de Santa Catarina".

Exemplo de que APP bem conservada ajuda a conter os impactos de enchentes e enxurradas. Ribeirão Garcia em Blumenau, com matas cilicares intactas após a catástrofe de novembro de 2008. Foto: Miriam Prochnow.

Apremavi apoia Movimento por um Código Ambiental Legal

O Movimento por um Código Ambiental Legal (MOVICAL) é uma integração de várias organizações que buscam uma discussão democrática do Projeto de Lei 0238/2008, que tramita na Assembléia Legislativa de Santa Catarina e que pretende instituir o Código Estadual do Meio Ambiente.

O MOVICAL começou nas audiências públicas, promovidas em todo o Estado em novembro de 2008, quando, sob vaias, diferentes grupos e entidades se manifestaram sobre diferentes conteúdos do PL. Houve um grande clamor por parte de técnicos, pesquisadores e ambientalistas, que se esta lei fosse aprovada, apesar do nome Código Ambiental, aumentaria ainda mais o quadro de degradação e vulnerabilidade socioambiental.

A iniciativa conta com um site específico onde podem ser acessados inúmeros artigos importantes sobre a questão, como o  SOS Legislação Ambiental, já publicado no próprio site da Apremavi.

O movimento busca ainda o apoio da população e de organizações da sociedade civil através de um abaixo-assinado, solicitando que o código atenda os parâmetros legais estipulados pela Constituição Federal de 1988: manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

O MOVICAL alerta para a importância da iniciativa, levando em conta principalmente, que poucos dias depois da última audiência, Santa Catarina foi vítima de uma grande catástrofe sócio-ambiental. Ainda assim, o plano da Assembléia Legislativa, que fez o questionado Projeto de Lei tramitar em regime de urgência, era votar o Código Ambiental em 18 de dezembro. Os setores e grupos interessados na alteração de determinados pontos do projeto passaram a se articular no sentido de prorrogar o prazo de votação do PL.

A discussão ganhou novo fôlego no início de dezembro, quando as comissões parlamentares decidiram ampliar o prazo para a apresentação de emendas até 27 de fevereiro de 2009, e marcar a votação para 31 de março. Parte desta vitória pode-se creditar à publicação de um artigo no Diário Catarinense no dia 29 de novembro, subscrito por professores da UFSC, UNIVALI, FURB e UNESC e representantes de organizações como a Associação Brasileira de Recursos Hídricos, CREA/CONSEMA e do Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular – NESSOP, da UFSC. Neste artigo, os signatários pediam a construção democrática do código ambiental.

A subscrição do artigo foi reforçada por um abaixo-assinado virtual, que em apenas quatro dias colheu mais de 2500 assinaturas, e que foi entregue aos parlamentares com um ofício assinado pela presidente do Comitê do Itajaí, Maria Izabel Sandri. Os três documentos constituíram-se num manifesto que proporcionou novas discussões e levou à consolidação do MOVICAL.

Os opositores ao texto do PL. 0238/08 sustentam, desde o início, que se o código catarinense for aprovado do jeito que está vai erradicar anos de construção de políticas públicas ambientais. Para eles, o projeto atende a interesses de grupos econômicos e políticos e permitirá ainda mais a ocupação de áreas vulneráveis (encostas, margens, nascentes, restingas, mangues, contribuindo para aumentar riscos de desastres, além de confundir os órgãos ambientais.

Na Apremavi 2008 se despede com chuva de granizo

A passagem do ano em Atalanta e outras cidades da região do Alto Vale do Itajaí em Santa Catarina foi marcada por tempestade de vento, chuva e granizo, que começou por volta das 23:00 horas do dia 31 de dezembro. O temporal não durou mais do que 20 minutos, mas foi o suficiente para deixar pessoas em pânico e causar inúmeros prejuízos econômicos. Na região atingida diversas casas foram destelhadas e árvores arrancadas. Inúmeros agricultores tiveram sérios prejuízos em suas lavouras de milho, tomate, cebola e fumo, algumas com perda total.

No Viveiro Jardim das Florestas cerca de 50.000 mudas foram danificadas, algumas totalmente e outras parcialmente, podendo se recuperar. “Caíram pedras de gelo do tamanho de uma bola de pingue-pongue” relata Edegold Schäffer, Presidente da Apremavi. O granizo foi tanto que na tarde do dia seguinte ainda havia blocos de gelo acumulado no sombrite de proteção dos canteiros de mudas. “Felizmente as estruturas das estufas do viveiro resistiram e com isso os prejuízos foram menores”, completa Schäffer. Uma plantação de uvas existente ao lado do viveiro foi totalmente destruída.

Nas primeiras horas de 2009, as pessoas já tiveram que se dedicar a avaliar os estragos e ver o que poderia ser recuperado. Na Apremavi, no dia 01 de janeiro, mesmo sendo feriado, já aconteceram reuniões para ver o que precisava ser feito. Integrantes da Diretoria decidiram que os primeiros meses devem ser de forte trabalho no viveiro,visando a produção de novas mudas e intensificando as ações do Programa Clima Legal.

Novos Prefeitos e Vereadores tomam posse

No dia 1º de janeiro os novos Prefeitos e Vereadores eleitos tomaram posse em todo o País. Em Rio do Sul, cidade sede da Apremavi, Milton Hobus foi reeleito e governará o município por mais quatro anos. O mesmo aconteceu em Atalanta, onde Braz Bilk também foi reeleito e ficará mais quatro anos á frente da prefeitura, juntamente com seu vice Dionísio Kurtz.

Em Vitor Meirelles assumiu a prefeitura o sócio e antigo colaborador da Apremavi Ivanor Boing. A Apremavi saúda e deseja sucesso a todos os novos Prefeitos e Vereadores da região do Alto Vale e conclama a todos para que implementem políticas ambientais em seus municípios, especialmente num momento em que diversos eventos climáticos extremos tem mostrado cada vez com mais intensidade que as mudanças climáticas em curso podem a qualquer momento atingir a todos.

A Apremavi aproveita para lembrar que o recém publicado Decreto 6514, de 2008, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais e estabelece prazo de um ano para a averbação da Reserva Legal em todos os imóveis rurais, além de estabelecer multas elevadas para quem não recuperar as Áreas de Preservação Permanente (APPs), precisa ser cumprido.

Além disso, em novembro de 2008 o Presidente da República assinou o Decreto 6660, regulamentando a Lei 11.428, de 2006 (Lei da Mata Atlântica). Este Decreto detalha “o que”, “como” e “onde” pode haver intervenção ou uso sustentável da Mata Atlântica. Ou seja, não há mais motivo para ficar reclamando, o momento é de implementar a legislação e as autoridades municipais tem um papel crucial nisso, especialmente orientando as pessoas para que não façam coisas que a legislação não permite, evitando assim que sejam autuadas ou multadas.

A Apremavi está à disposição para auxiliar em todas essas ações, seja fornedendo mudas para a recuperação de áreas degradadas ou orientando a correta aplicação da legislação e o planejamento ambiental das propriedades.

Fotos: Carolina Schaffer e Wigold Schaffer.

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SOS Legislação Ambiental

A iniciativa dos professores e pesquisadores de Santa Catarina de lançar o manifesto "Criação do código ambiental catarinense: uma reflexão sobre as enchentes e os deslizamentos", merece elogios e todo apoio. O documento mostra que existem pessoas abnegadas e serenas, além de preocupadas com o bem estar geral, que conseguem trazer luz para a discussão desta catástrofe e procuram evitar algo pior no futuro.

O documento, além de oportuno, é muito importante, especialmente neste momento em que forças políticas retrógradas e com interesses imediatistas, investem contra a legislação ambiental na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, no Congresso Nacional e no CONAMA. O termo “retrógrado” ficará explicado ao longo deste texto.

É necessário mencionar que Santa Catarina e o Vale do Itajaí, em particular, sempre conviveram com enchentes, um fenômeno natural, que ocorre mesmo em regiões não desmatadas. No entanto, em regiões não desmatadas e naquelas em que as APPs (em geral áreas de risco natural) não estão ocupadas por moradias ou outros itens de infra-estrutura, as conseqüências econômicas e sociais são bem menores, em especial aquelas que implicam em perda de vidas humanas.

Tristemente, nos últimos 8 anos, de acordo com dados da Fundação SOS Mata Atlântica e do INPE, o Estado de Santa Catarina é apontado como o campeão nacional de desmatamento da Mata Atlântica. Um título que certamente envergonha a maioria dos catarinenses e que é resultado das iniciativas contra o meio ambiente que vem sendo corroboradas por diversos representantes políticos e governamentais do Estado.

Infelizmente o Governo e alguns parlamentares de Santa Catarina tem atuado em todas as frentes possíveis (Assembléia Legislativa de SC, Congresso Nacional, CONAMA) para acabar ou flexibilizar a legislação que protege as áreas de preservação permanente e a reserva legal, visando ampliar as possibilidades de ocupação de áreas de risco, sob discursos sem nenhuma consistência técnica ou científica. Alegam que sem a ocupação dessas áreas o Estado de SC fica inviabilizado e os pequenos produtores irão à falência.

Se não bastasse isso, o Governador de SC também tem atuado fortemente contra a criação de Unidades de Conservação. Em 2005 entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3646, com requerimento de medida liminar para a suspensão da eficácia do art. 22 e seus parágrafos 5º e 6º da Lei nº 9.985, de 18.07.2000. Com isso, na prática o Governador quer impedir a criação de novas áreas protegidas.

Essa iniciativa contra as Unidades de Conservação não se restringe apenas ao discurso e às Ações na Justiça. Um exemplo desse absurdo é encaminhamento recente do Projeto de Lei à Assembléia Legislativa que visa reduzir significativamente o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, para atender interesses de especuladores, fato esse inclusive denunciado por representantes da Assembléia Legislativa e por funcionários da Fundação do Meio Ambiente (FATMA). Só para lembrar, a maior parte da água consumida pela população da grande Florianópolis vem de dentro do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.

Tem mais, o Governo de SC também impetrou ações na justiça contra o Parque Nacional da Serra do Itajaí, o Parque Nacional das Araucárias e a Estação Ecológica da Mata Preta além de apoiar ações na justiça e usar o poder político contra a criação do Parque Nacional do Campo dos Padres e do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Pelotas.

No entanto, é importante destacar também que já houve época em que Santa Catarina era destaque nacional em ações em prol da conservação da natureza. Apenas para rememorar um exemplo: em 1989 foi aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados e depois referendada no Senado Federal a Lei nº 7.803, de autoria do Deputado Artenir Werner, natural de Rio do Sul no Alto Vale do Itajaí, uma das cidades atingidas pelas grandes enchentes de 1983 e 1984.

O Deputado Artenir Werner, que era madeireiro, propôs o manejo sustentado das florestas e a alteração das faixas de APP. Uma das justificativas do Deputado para dar maior rigor à legislação sobre as APPs: “Seja ampliada, ao longo dos rios, a inexpressiva faixa marginal de vegetação, cuja preservação a lei exige. Tão estreita (era de apenas 5 metros em cada lado da margem para os rios com até 10 metros de largura), ela expõe os cursos d´água e os seres vivos aí existentes às ações adversas, que naturais ou antropogênicas, e a efeitos danosos para os ecossistemas”. (Fonte: anais da Câmara dos Deputados).

Outro argumento utilizado à época para ampliar as faixas de APP e estender claramente o regime jurídico das APPs também para as áreas urbanas foi o de que os prejuízos econômicos e em vidas humanas decorrentes das grandes enchentes em SC, de 1983 e 1984, teriam sido menores se estas faixas de APP fossem maiores. Neste sentido o Congresso Nacional, aprovou o Projeto do Deputado Artenir Werner, que alterou o art. 2º da Lei 4771, de 1965, acrescentando o texto abaixo:

“Art. 1º A Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, passa a vigorar com as seguintes alterações:

I – o art. 2º passa a ter a seguinte redação:

"Art. 2º …………………………………………………………………..

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja.

1) de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2) de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;

3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados olhos d’água, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura;

……………………………………………….

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo." (Grifo nosso).

Aproveitamos para relembrar que em 1984 morávamos numa casa de madeira, alugada, na cidade de Ibirama (SC), num desses loteamentos feitos numa encosta de morro com declividade de aproximadamente 20º. As ruas do loteamento foram construídas de baixo para cima do morro, retas, e as casas, uma ao lado da outra, construídas em pequenos patamares, com barrancos (ou muros) de uns 2 a 3 metros de altura ao lado de cada casa. A nossa casa, assim como outras casas na cidade, foi atingida por desbarrancamento. No nosso caso, foram apenas prejuízos materiais, visto que não havia ninguém dentro de casa na hora do desbarrancamento. A experiência vivida naquelas enchentes trouxe a certeza de que era necessário ampliar as faixas de APP e defender a sua conservação.

Cabe também mencionar que não apenas alguns políticos de SC, mas também políticos de outros estados, além de outras autoridades públicas e representantes de setores empresariais, não raro, defendem mudanças no Código Florestal, especialmente a diminuição das faixas e percentuais de APPs e Reservas Legais, e a possibilidade de construção em áreas de risco. A título de exemplo basta verificar as inúmeras iniciativas que ocorreram nos últimos anos envolvendo as discussões do Projeto de Lei 3057, que tramita na Câmara dos Deputados e trata do parcelamento do solo urbano.

Diante da gravidade da catástrofe de Santa Catarina, da perda de mais de uma centena de vidas humanas, de centenas de milhões de reais em prejuízos econômicos é o momento de denunciar esta proposta de “Código Ambiental de Santa Catarina” e trabalhar pela sua não aprovação, pois na verdade trata-se de um código contra a conservação do meio ambiente. Além disso, é necessário denunciar e trabalhar contra a aprovação de todas as outras iniciativas contra o meio ambiente, especialmente aquelas que querem acabar com as APPs, a Reserva Legal e as Unidades de Conservação, visto que ao fim e ao cabo, tais iniciativas acabam se voltando contra o bem estar e a segurança da sociedade.

Miriam Prochnow – Especialista em Ecologia
Wigold B. Schaffer
– Administrador

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Uma reflexão sobre a Tragédia em Santa Catarina

Criação do código ambiental catarinense:

uma reflexão sobre as enchentes e os deslizamentos

Blumenau, 28 de novembro de 2008

As imagens de morros caindo, de desespero e morte, de casas, animais e automóveis sendo tragados por lama e água, vivenciadas por centenas de milhares de pessoas no Vale do Itajaí e Litoral Norte Catarinense nos últimos dias, são distintas, e muito mais graves, das experiências de enchentes que temos na memória, de 1983 e 1984.

Por que tudo aconteceu de forma tão diferente e tão trágica? Será que a culpa foi só da chuva, como citam as manchetes? Nossa intenção não é apontar culpados, mas mencionar alguns fatos para reflexão, para tentar encaminhar soluções mais sábias e duradouras, e evitar mais e maiores problemas futuros.

Houve muita chuva sim. No médio vale do Itajaí ocorreu mais que o dobro da quantidade de chuva que causou a enchente de agosto de 1984. Aquela enchente foi causada por 200 mm de chuva em todo o Vale do Itajaí. Agora, em dois dias foram registrados 500 mm de precipitação, ou seja, 500 litros por metro quadrado, mas somente no Médio Vale e no Litoral.

A quantidade de chuva de fato impressiona. Segundo especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a floresta amazônica é a principal fonte de precipitações de grande parte do continente e tudo o que acontecer com ela modificará de maneira decisiva o clima no Sul e no norte da América do Sul. Assim, as inundações de Santa Catarina e a seca na Argentina seriam atribuídas à fumaça dos incêndios florestais, que altera drasticamente o mecanismo de aproveitamento do vapor d’água da floresta amazônica. Outros especialistas discordam dessa hipótese e afirmam que houve um sistema atmosférico perfeitamente possível no Litoral Catarinense.

Existe uma periodicidade de anos mais secos e anos mais úmidos, com intervalo de 7 a 10 anos, e entramos no período mais úmido no ano passado. Esse mecanismo faz parte da dinâmica natural do clima. De qualquer forma, outros eventos climáticos como esse são esperados e vão acontecer.

Mas o Vale do Itajaí sabe lidar com enchentes melhor do que qualquer outra região do país. Claro que muito pode ser melhorado no gerenciamento das cheias, à medida que as prefeituras criarem estruturas de defesa civil cada vez mais capacitadas e à medida que os sistemas de monitoramento e informação forem
sendo aperfeiçoados.

De todos os desastres naturais, as enchentes são os mais previsíveis, e por isso mais fáceis de lidar. Os deslizamentos e as enxurradas não. Esses são praticamente imprevisíveis, e é aí que reside o real problema dessa catástrofe.

É preciso compreender que chuvas intensas são parte do clima subtropical em que vivemos. E é por causa desse clima que surgiu a mata atlântica. Ela não é apenas decoração das paisagens catarinenses, tanto como as matas ciliares não existem apenas para enfeitar as margens de rios. A cobertura florestal natural das encostas, dos topos de morros, das margens de rios e córregos existe para proteger o solo da erosão provocada por chuvas, permite a alimentação dos lençóis d´água e a manutenção de nascentes e rios, e evita que a água da chuva provoque inundações rápidas (enxurradas).

A construção de habitações e estradas sem respeitar a distância de segurança dos cursos d’água acaba se voltando contra essas construções como um bumerangue, levando consigo outras infra-estruturas, como foi o caso do gasoduto. Esse é um dos componentes da tragédia.

Já os deslizamentos, ou movimentos de massa, são fenômenos da dinâmica natural da Terra. Mas não é o desmatamento que os causa. A chuva em excesso acaba com as propriedades que dão resistência aos solos e mantos de alteração para permanecerem nas encostas. O grande problema de ocupar encostas é fazer cortes e morar embaixo ou acima deles. Há certas encostas que não podem ser ocupadas por moradias, principalmente as do vale do Itajaí, onde o manto de intemperismo, pouco resistente, se apresenta muito profundo e com vários planos de possíveis rupturas (deslizamento), além da grande inclinação das encostas. E é aí que começa a explicação de outra parte da tragédia que estamos vivendo.

A ocupação dos solos nas cidades não tem sido feita levando em conta que estão assentadas sobre uma rocha antiga, degradada pelas intempéries, e cuja capacidade de suporte é baixa. Através dos cortes aumenta a instabilidade. As fortes chuvas acabaram com a resistência e assim o material deslizou.

A ocupação do solo é ordenada por leis municipais, os planos diretores urbanos. Esses planos diretores definem como as cidades crescem, que áreas vão ocupar e como se dá essa ocupação. Por falta de conhecimento ecológico dos poderes executivo, judiciário e legislativo (ou por não leva-lo em consideração), o código florestal tem sido desrespeitado pelos planos diretores em praticamente todo o Vale do Itajai, e também no litoral catarinense, sob a alegação de que o município é soberano para decidir, ou supondo que a mata é um enfeite desnecessário. Da mesma forma, as encostas têm sido ocupadas, cortadas e recortadas, à revelia das leis da Natureza.

Trata-se de uma falta de compreensão que está alicerçada na idéia, ousada e insensata, de que os terrenos devem ser remodelados para atender aos nossos projetos, em vez de adequarmos nossos projetos aos terrenos reais e sua dinâmica natural nos quais irão se assentar.

A postura não é diferente nas áreas rurais, onde a fiscalização ambiental não tem sido eficiente no controle de desmatamentos e intensidade de cultivos em locais impróprios, como mostram as denúncias frequentes veiculadas nas redes que conectam ambientalistas e gestores ambientais de toda região. A irresponsabilidade se estende, portanto, para toda a sociedade.

Deslizamentos, erosão pela chuva e ação dos rios apresentam fatores condicionantes diferentes, mas todos fazem parte da dinâmica natural. A morfologia natural do terrreno é uma conquista da natureza, que vai lapidando e moldando a paisagem na busca de um equilíbio dinâmico. Erode aqui, deposita ali e assim vai
conquistando, ao longo de milhões de anos, uma estabilidade dinâmica. O que se deve fazer é conhecer sua forma de ação e procurar os cenários da paisagem onde sua atuação seja menos intensa ou não ocorra.

As alterações desse modelado pelo homem foram as principais causas dos movimentos de massa que  ocorreram em toda a região. Portanto, precisamos evoluir muito na forma de gestão urbana e rural e encontrar mecanismos e instrumentos que permitam a convivência entre cidade, agricultura, rios e
encostas.

Por isso tudo, essa catástrofe é um apelo à inteligência e à sabedoria dos novos ou reeleitos gestores municipais e ao governo estadual, que têm o desafio de conduzir seus municípios e toda Santa Catarina a uma crescente robustez aos fenômenos climáticos adversos. Não adianta reconstruir o que foi destruído, sem considerar o equívoco do paradigma que está por trás desse modelo de ocupação. É necessário pensar soluções sustentáveis. O desafio é reduzir a vulnerabilidade.

Uma estranha coincidência é que a tragédia catarinense ocorreu na semana em que a Assembléia Legislativa concluiu as audiências públicas sobre o Código Ambiental, uma lei que é o resultado da pressão de fazendeiros, fábricas de celulose, empreiteiros e outros interesses, apoiados na justa preocupação de pequenos agricultores que dispõe de pequenas extensões de terra para plantio.

Entre outras propostas altamente criticadas por renomados conhecedores do direito constitucional e ambiental, a drástica redução das áreas de preservação permanente ao longo de rios, a desconsideração de áreas declivosas, topos de morro e nascentes, além da eliminação dos campos de altitude (reconhecidas paisagens de recarga de aqüíferos) das áreas protegidas, são dispositivos que aumentam a chance de ocorrência e agravam os efeitos de catástrofes como a que estamos vivendo. Alega o deputado Moacir Sopelsa que a lei ambiental precisa se ajustar à estrutura fundiária catarinense, como se essa estrutura fundiária não fosse, ela mesma, um produto de opções anteriores, que negligenciaram a sua base de sustentação.

Sugerimos que os deputados visitem Luiz Alves, Pomerode, Blumenau, Brusque, só para citar alguns municípios, para aprender que a estrutura fundiária e a urbana é que precisam se ajustar à Natureza. Dela as leis são irrevogáveis e a tentativa de revogá-las ou ignorá-las custam muitas vidas e dinheiro público e privado.

É hora de ter pressa em atender os milhares de flagelados. Não é hora de ter pressa em aprovar uma lei que torna o território catarinense ainda mais vulnerável para catástrofes naturais.

Prof. Dra. Beate Frank (FURB, Projeto Piava)
Prof. Dr. Antonio Fernando S. Guerra (UNIVALI)
Prof. Dra. Edna Lindaura Luiz (UNESC)
Prof. Dr. Gilberto Valente Canali (Ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos)
Prof. Dr. Hector Leis (UFSC)
João Guilherme Wegner da Cunha (CREA/CONSEMA)
Prof. Dr. Juarês Aumond (FURB)
Prof. Dr. Julio Cezar Refosco (FURB)
Prof. Dr. Lino Fernando Bragança Peres (UFSC)
Prof. Dra. Lúcia Sevegnani (FURB)
Prof. Dr. Luciano Florit (FURB)
Prof. Dr. Luiz Fernando P. Sales (UNIVALI)
Prof. Dr. Luiz Fernando Scheibe (UFSC)
Prof. Dr. Marcus Polette (UNIVALI)
Prof. Dra. Noemia Bohn (FURB)
Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular – NESSOP (UFSC)
Prof. Dra. Sandra Momm Schult (FURB)
Equipe do Projeto Piava (Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí).

Se você também quer uma discussão mais aprofundada sobre o Código Ambiental e deseja que os parlamentares saibam disso, acesse o site www.comiteitajai.org.br/abaixoassinado

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Apremavi e FEEC contestam proposta de Código Ambiental

Recentemente a Federação de Entidades Ecologistas Catarinense criou o Grupo de Trabalho sobre o Código Ambiental, com o objetivo de compreender o Projeto de Lei (PL) 0238.0/2008 que visa instituir um “Código Ambiental para Santa Catarina”, assim como compará-lo com a legislação federal, formular críticas e sugestões, e qualificar os integrantes para participarem das audiências públicas.

O GT Código Ambiental é formado por dez integrantes sendo eles membros da coordenação da FEEC, de entidades filiadas à instituição e pessoas com afinidade no assunto.

Após estudo inicial e leitura crítica e aprofundada do assunto, os integrantes do grupo reuniram-se no dia 08 de novembro/2008 no Plenarinho da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, para debaterem os temas mais relevantes e sugerirem encaminhamentos.

A partir desse estudo, ficou uma dúvida no ar, “Quais são as reais intenções do executivo estadual com a propositura de tal projeto de lei?”, sendo que o um código dessa magnitude nada mais é que um esforço para compilação de uma matéria jurídica em um único texto legal, visando reunir toda a disciplina sobre certa matéria, no caso, a matéria ambiental.

Em vários momentos percebe-se que a versão atual do documento não atende a esses quesitos, pois em diversos temas não regula a matéria, apenas apresenta vagas orientações, alguns indicativos de critérios e procedimentos, sem esgotar tal regulamentação, tornando-se em vários pontos contraditório, além de desrespeitar a legislação federal.

Para o grupo é necessário ser imediatamente suspensa a projeção de votação do código em dezembro do presente ano, estendendo-se para o ano de 2009, visando propiciar tempo para reformulações e engrandecimento de tão importante diploma legal.

Os frutos desse trabalho realizado pelos membros do GT Código Ambiental estão compilados em um manifesto a ser lido nas audiências públicas que estão acontecendo no Estado durante o mês de novembro e que se encontra em anexo. Para isso a FEEC está contando com o apoio de suas entidades filiadas, que estarão repassando a mensagem.

A primeira exposição do manifesto aconteceu no dia 10 de novembro, em audiência pública realizada no município de Criciúma, na qual a FEEC esteve representada por Tadeu Santos, da ONG Sócios da Natureza.

Segundo Tadeu dos Santos, as audiências públicas ainda são a forma mais democrática de apresentar um projeto ou uma proposta para obter opinião pública, mas deixa a desejar no que se refere à manifestação da sociedade civil, sendo visível que alguns setores, como o produtivo organizado, podendo extrapolar o tempo previsto para pronunciamento, enquanto a sociedade civil teve que se restringir a meros 2 minutos.

Segundo ele: "é preciso muita sorte nestes momentos para defender o óbvio da necessária mata ciliar, quando o homem rural ali presente não entendeu a importância das mesmas para a preservação dos recursos hídricos da sua bacia hidrográfica, tendo sua mente contaminada pela ganância do lucro imediato das monoculturas".

No dia 13 de novembro a FEEC também esteve presente na audiência pública realizada em Blumenau, na qual foi representada por Rudi Laps, presidente da Acaprena. E também em Rio do Sul, na qual compôs a mesa de honra, sendo representada pelo vice-presidente da Apremavi, Urbano Schmitt Junior. Na audiência de Rio do Sul, a Apremavi também apresentou um manifesto, que se encontra em anexo.

Para Edilaine Dick, coordenadora de comunicação da FEEC, que também esteve presente em Rio do Sul “é lamentável ver como os pequenos agricultores estão sendo manipulados, em função de interesses particulares de alguns seguimentos da sociedade. Um código ambiental no qual se deveria defender a proteção dos recursos naturais está sendo usado para facilitar a produção agrícola em grande escala, impossibilitando cada vez mais que a agricultura familiar cumpra um dos seus papéis sociais, como a manutenção da qualidade de vida”.

Edegold Schaffer, presidente da Apremavi, comenta “seria muito mais oportuno, se o governo do estado e os nossos parlamentares, buscassem mecanismos para compensar os agricultores e proprietários de terras que cumprem a legislação vigente, do que propor leis menos restritivas, como estão querendo com o código ambiental”.

No dia 19 de novembro a FEEC estará representada na audiência pública que acontece na capital do estado. A FEEC aproveita o momento para convidar todos os membros das entidades filiadas a instituição para se fazer presente nesse dia para que possamos juntos defender uma legislação ambiental adequada à conservação dos recursos naturais e da qualidade ambiental.

Em anexo encontra-se também o comentário de Luiz Fernando Kriguer Merico, ambientalista catarinense, sobre a proposta de Código Ambiental, além do próprio Projeto de Lei 0238.0/2008.

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