Mobilização popular em Barra Grande

Nesta quinta-feira (21), centenas de moradores dos municípios atingidos pela Hidrelétrica de Barra Grande iniciaram uma grande mobilização para impedir o desmatamento de dois mil hectares de florestas virgens de araucária e mais outros quatro mil hectares de florestas em estágio avançado de regeneração, que estão ameaçados pela construção da Usina localizada sobre o Rio Pelotas, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina.

A Barragem recebeu a licença prévia em 1999 com base num estudo de impacto ambiental (EIA) fraudulento, que escondeu a existência da floresta de araucária ameaçada de extinção, relatando que a área a ser alagada era coberta por "capoeirões".

Toda a atividade de extração de madeira está paralisada neste momento. Por volta das 5 horas da manhã, os agricultores iniciaram bloqueios nas comunidades de São Vicente e Capela São Paulo, no município de Anita Garibaldi (SC) e em mais quatro localidades do município de Pinhal da Serra (RS), impedindo o acesso dos ônibus que transportavam os operários contratados para o corte das araucárias.

Estima-se que cerca de mil funcionários estejam atuando no corte da mata atlântica existente na região, mas o trabalho está sendo impedido pelos moradores.

Segundo Érico da Fonseca, morador de Pinhal da Serra e um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a mobilização é por tempo indeterminado. "A barragem está quase pronta e além da fraude no Estudo de Impacto Ambiental, ainda faltam ser reassentadas mais de 600 famílias que estão sendo expulsas de suas terras", denuncia.

A decisão de impedir o corte da floresta foi tomada pela população em assembléia realizada na última segunda-feira (18.10.2004), quando cerca de 1.200 pessoas de toda a região estiveram reunidas em Anita Garibaldi, para avaliar os problemas sociais e ambientais causados pela construção de Barra Grande e também, pela usina de Campos Novos, localizada próxima à região. Na assembléia, esteve presente o coordenador-geral de Licenciamento do Ibama, Luiz Felipe Kunz Júnior, que se pronuncio sobre a fraude dizendo que se os dados verdadeiros da área que seria alagada, tivessem sido apresentados no momento da liberação da construção da Barragem, talvez a decisão seria diferente.

Segundo André Sartori, da coordenação do MAB em Anita Garibaldi, todos os moradores da área que será alagada e proximidades estão alertas para qualquer movimentação dos operários responsáveis pelo desmatamento. "A barragem de Barra Grande deve se transformar num símbolo de descaso contra o meio ambiente e a população atingida. Não podemos permitir que a fraude, que o fato consumado se torne regra nos licenciamentos ambientais do setor elétrico pelo país", anunciou.

A Baesa, consórcio responsável pela Barragem de Barra Grande, enviou ofício ao MAB nesta manhã, acusando recebimento da pauta de reivindicações mas anunciando que não irá negociar enquanto os moradores continuarem impedindo o desmatamento da região.

Reportagem em Barra Grande

Num município catarinense a cerca de 100 km da cidade de Lages (SC), na fronteira com o estado do Rio Grande do Sul. A rodovia SC-458 termina ali, e a cidade está num beco-sem-saída graças aos blefes de uma Companhia Energética, a Baesa-Energética Barra Grande S.A., que embora também tenha construido algumas estradas no canteiro de obras e queira produzir energia elétrica, pretende destacar-se em breve com a destruição de mais de 5.000 ha de florestas.

Anita Garibaldi: a cidade ganhou seu nome da omônima revolucionária que por ali passou propagando os ideais da Revolução Farroupilha. Isso foi no ano 1842, a Floresta com Araucárias ainda era uma grande, contínua floresta, estendia-se conforme Reitz & Klein (1966) por uma vasta área no sul do Brasil:

    "…originalmente os pinhais mais extensos se situavam, principalmente, no assim chamado primeiro Planalto Catarinense, abrangendo as áreas compreendidas desde São Bento do Sul, Mafra, Canoinhas e Porto União, avançando em sentido sul até a Serra do Espigão e Serra da Taquara Verde, continuando em seguida pela Serra do Irani em sentido oeste (…) o pinheiro emergia como árvore predominante, por sobre as densas e largas copas das imbuias, formando uma cobertura própria e muito característica."

Isto também se tornou história: essas extensas florestas encontram-se hoje fortemente fragmentadas a menos de 3% de sua área original, dos quais irrisórios 0,7% poderiam ser considerados como áreas primitivas (primárias), as chamadas "matas virgens" (segundo dados da Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná, FUPEF).

Uma das poucas áreas remanescentes se encontra justamente nessa cidade com o nome da revolucionária originária da cidade de Laguna: Anita Garibaldi. Uma mata primária de mais de 2.000 ha de Floresta com Araucárias se estende ao longo do Rio Pelotas e seu afluente Vacas Gordas. Além disso, outros 2.258 ha de mata secundária em avançado estágio de recuperação e 1.100 ha de campos sulinos serão "tragados (…) resultando em mais de 5.435 ha de oportunidades perdidas para preservar uma paisagem típica de Santa Catarina", conforme escreve o jornalista Marcos Sá Corrêa do O Eco em setembro último.

É bem na divisa com o estado gaúcho que está encravado o empreendimento da Baesa, uma barragem de mais de 180 metros de altura. O lago da hidrelétrica também irá inundar áreas dos municípios catarinenses Cerro Negro, Campo Belo do Sul e Capão Alto, Vacaria e Esmeralda no RS.

Além de uma tragédia ambiental, conforme escreve Corrêa, criou-se como na maioria de outros empreendimentos desse tipo, onde a ganância humana criou sinergias com manobras e cambalachos, uma grande injustiça social. É o que Marco Antônio Trierveiler do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem) pôde contar à equipe de filmagem do canal de TV que irá lançar ao ar ainda neste mês de outubro uma reportagem sobre o caso "A Hidrelétrica de Barra Grande".

O engenheiro florestal da ApremaviPhilipp Stumpe pôde acompanhar junto com o MAB os trabalhos de filmagem. Além de filmar áreas de mata virgem que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da firma ENGEVIX não mencionou, visitaram-se famílias de atingidos pela barragem que vivem da agricultura de subsistência na área de inundação do parque. Várias dessas famílias estão numa situação irregular do ponto de vista da Baesa, que não se vê na obrigação de indenizar quem não têm título de terra.

É uma injustiça social, independente de escritura ou não, uma vez que estas famílias não irão encontrar nenhuma alternativa ao que, mesmo que sob modestas condições, têm há várias gerações: uma sobrevivência.

"É sempre a mesma história: os empreendimentos energéticos, formados por empresas que praticamente se revezam entre si nos diferentes locais que constroem suas barragem, chegam sempre prometendo a mesma coisa: progresso. Mas disso por fim nada se vê: se colocarmos numa balança o dano ambiental e social causados, veremos que a empresa energética é a única que ganha nesta história", contou Marco Trierveiler diante das câmeras.

E quanto às araucárias, esta espécie ameaçada de extinção? Quem se detém a ler o EIA, e vê as fotos de áreas que nem ao menos irão ser alagadas, chega à conclusão que não existe mata virgem na região. Nesse dito estudo dizem até que araucárias nem são frequentes na região.

A Apremavi cedeu imagens gravadas num sobrevôo feito em setembro, que aliadas às agora filmadas por terra e de balsa no Rio Pelotas, formam um quadro completo da fraude que o IBAMA demorou demais para conseguir ver. E dos fatos e florestas da Mata Atlântica que estão procurando afogar.

O Blefe de Barra Grande

"Quando penso que tudo isso vai desaparecer", diz a catarinense Miriam Prochnow, esticando o cinto de segurança para se debruçar pela porta escancarada do helicóptero, "me dá vontade de chorar". Ela deveria estar acostumada com essas coisas. Quatro anos atrás, passou o réveillon acampada no Passo da Formiga, que uma barragem começava a engolir no rio Uruguai. Naquele ponto, o leito caudaloso, que chega a ter 400 metros de largura, espremia-se num canal tão estreito que os turistas posavam para fotografias, saltando entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O Passo da Formiga sumiu. E agora Miriam está avaliando o que a fronteira dos dois estados vai perder no dilúvio, quando fecharem as comportas da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no rio Pelotas.

E o que se vê ali parece um ensaio para o fim do mundo. É cena para filme de catástrofe. Tão chocante, que os autores da obra preferiram blefar, quando encaminharam ao Ibama em 2001 o relatório sobre o impacto ambiental do projeto. "A maior parte a ser encoberta é constituída de pequenas culturas, capoeiras ciliares e campos com arvoredos esparsos", eles disseram ao Ibama na ocasião, em laudo técnico assinado pela firma Engevix. Três anos depois, com os 180 metros do paredão de concreto prontos, a mentira veio à tona, bem na hora de fazer a paisagem afundar.

Mas desse pecado, que exigiu a falsificação de um documento público, crime punido com até cinco anos de cadeia pelas leis brasileiras, eles acabam de ser perdoados pelo governo. Ao descer do vôo, em Florianópolis, Miriam ouviria que, na véspera – quinta-feira, 16 de setembro – a Baesa Energética assinara um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público e o Ibama. A fraude da Baesa estava acabando em festa.

"Ibama cobra compensação milionária", roncava o título de uma notícia sobre a capitulação das autoridades ambientais. Pelo acerto, a Baesa tem que bancar a formação de um banco de germoplasma das plantas que vai arrancar. O nome é bonito, mas na prática significa que o país resolveu trocar florestas naturais por um programa de reflorestamento, cobrindo 5,7 mil hectares. Com sorte, é só esperar alguns séculos, que fica tudo quase a mesma coisa.

A empresa – um consórcio que reúne a Camargo Corrêa, a Votorantim, o Bradesco, a Alcoa e a CPFL – compromete-se também daqui por diante a fazer o que já estava estabelecido em contrato. Ou seja, destinar a unidades de conservação 2% do que está gastando na usina. São cerca de R$ 15 milhões. Mas o Ministério do Meio Ambiente, que é o destinatário da tal multa milionária, ficou mudo, como sempre que tem um problema desse porte entalado na goela. Quem cantou vitória foi a Ministra das Minas E Energia Dilma Roussef, a dama-de-ferro do desenvolvimentismo a la Lula.

Ela anunciou imediatamente que a usina pode se antecipar ao prazo oficial de inauguração, começando a operar "talvez no fim de 2005". Disse ainda que o remendo na fraude da Baesa atesta a sintonia entre seu ministério e o de Marina Silva, além de mostrar "respeito à vegetação sem prejuízo econômico". Viu no desfecho do caso um sinal "muito importante" aos investidores estrangeiros de "que há uma nova postura diante da questão", capaz de abrir "um caminho de solução para o passivo das hidrelétricas sem licenciamento". De fato, menos de uma semana depois saiu a licença para a usina da Foz do Uruguai, que estava na fila.

De quebra, a ministra declarou que, alforriada pela burocracia ambiental, cuja implicância com hidrelétricas o presidente Lula critica há mais de um ano, Barra Grande, um investimento de US$ 1,28 bilhão, gerará até 690 MW – previamente reservados por 35 anos à Camargo Corrêa. Só faltou lembrar que a Baesa ainda precisa se desembaraçar de um processo que entrou dias antes na Justiça, tentando embargar a represa.

O governo deve achar que isso é detalhe. Pior foi descobrir, tarde demais, o que a usina custará em paisagens e florestas. São 2.077 hectares de matas primárias e mais 2.258 hectares de "vegetação secundária em estágio avançado de recuperação". Ou seja, aquilo que o Artigo 225 da Constituição chama de "Patrimônio Nacional" e o Decreto Federal número 750, de 1993, cerca de todas as cautelas, proibindo que sejam cortadas à revelia do Conselho Nacional do Meio Ambiente. É claro que, na pressa, até agora ninguém se lembrou de ouvir o Conama sobre Barra Grande.

Somem-se a esses 4.335 de mata nativa em bom estado os 1.100 hectares de campos naturais que serão tragados, e o resultado são 5.435 hectares de oportunidades perdidas para preservar uma paisagem típica de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, que está ficando rara na região. Não é à-toa que ela consta da "Avaliação e Identificação das Áreas e Ações Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira", um inventário feito Ibama para identificar 147 lugares onde, querendo, a flora original do país ainda tem salvação.

Ou tinha, pelo menos no caso de Barra Grande. Lá, 70% da área a ser tomada pela água ficam nos cenários que o Ibama considera "de extrema importância biológica". Neles caberiam quase dois parques nacionais como a Floresta da Tijuca. Dito assim, já parece muito. Mas visto do helicóptero, num dia claro como aquela sexta-feira, com a água faiscando nas corredeiras e o sol destacando na mata, com fachos quase teatrais de luz, a copa escura das araucárias, não há quem confunda o terreno lá embaixo com o tal "mosaico vegetacional" onde a empresa, em 1998, enxergou "pastagens limpas" e "florestas ciliares relativamente bem conservadas".

Voando baixo sobre o rio Vacas Gordas, um afluente do rio Pelotas, a poucos quilômetros da nova barragem, o helicóptero atravessa um corredor de araucárias. Que o Vacas Gordas não se perca pelo nome. Ele é bonito, encachoeirado e consta do roteiro turístico de Urubici, no planalto de Santa Catarina, como adequado à pesca da truta, sinal de que ainda está bastante limpo. "Aquele grupo de araucárias deve ter pelo menos 200 anos", aponta o botânico João de Deus Medeiros. Do banco de trás, ele guia o piloto pelas bordas ainda secas do futuro lago artificial. Por enquanto, essas marcas só existem no GPS. Mas, transferidas para os instrumentos de bordo como códigos de navegação, parecem traçar nitidamente no terreno verde a orla da devastação.

Até onde a água deve cobrir aquele ponto? "Até ali em cima. Neste trecho o rio vai subir uns 130 metros", responde João de Deus. Ele é doutor em Botânica. Dá aula na Universidade Federal de Santa Catarina. E preside o Grupo Pau-Campeche, uma ONG ambiental que neste momento ajuda o governo a mapear as últimas manchas de araucárias no Paraná e Santa Catarina, desenhando o corredor de reservas mais ou menos contínuas que Brasília fala em implantar ainda este ano. Mas a Pau-Campeche, assim como a Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí, de Miriam Prochnow, integram a Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses. E, por causa de Barra Grande, a federação se aliou à Rede de ONGs da Mata Atlântica para levar aos tribunais o Ibama e a Baesa.

Trata-se da Ação Civil Pública 2004.72.00.013781-9, que chegou à 3a Vara da Justiça Federal de Florianópolis às vésperas do acordo com o Ministério Público. Pode ter um certo cheiro de causa perdida. Mas contém a história didática do que pode rolar por trás do paredão de uma hidrelétrica, quando elas começam a se queixar muito da intransigência dos ambientalistas. Se o presidente Lula tivesse o hábito de ler longos documentos, este seria um texto para dormir em sua cabeceira, pelo menos para evitar que ele acordasse com com vontade de tocar no assunto.

O texto deixa muito claro que usina é filha de uma trapaça. Dois anos depois de informar ao governo que só alagaria pastos, roças e capoeiras descartáveis, a empresa entrou no Ibama com o pedido de licença para "limpeza da bacia de acumulação". É o desmatamento regulamentar, para evitar que as árvores mortas contaminem o reservatório com excesso matéria orgânica em decomposição. Mas dessa vez as autoridades ambientais, sempre tão distraídas, estranharam que o "Projeto de Supressão de Vegetação para o UHE Barra Grande" quisesse tirar daquela franja de matas ralas nada menos de um milhão de metros cúbicos de madeira. A Beasa passara a falar a verdade. E a verdade era alarmante.

Da "simples leitura" da proposta, diz o processo, "verifica-se que 25%, ou seja, ¼ da área a ser inundada é composta de vegetação primária, ou seja, de Mata Atlântica – principalmente de florestas de araucárias – em ótimo estado de preservação, de áreas que nunca foram suprimidas ao longo de suas existência e representam mais de dois mil hectares; 26%, ou seja, outro ¼ da área a ser inundada está composta por vegetação secundária em estágio avançado de regeneração, em ótimo estado de conservação e riquíssima em biodiversidade".

Conclusão: o erro era tão grande, que não podia ser produto da incompetência de um consórcio capaz de se meter numa empreitada daquele tamanho. Só podia ser fraude. E, erguida sobre uma licença nula, a represa deveria ser enquadrada na Lei de Crimes Ambientais e demolida. Mas isso não se faz. Como disseram as autoridades, garantir a qualquer preço o funcionamento da hidrelétrica é questão de interesse público.

Ou se faz? Dias depois de sair no Brasil o acordo que cobriu o escândalo com panos quentes, o jornal The New York Times publicou a história da represa de Cuddebackville, no rio Neversink. Foi a primeira a cair por razões estritamente ambientais. Impedia a viagem dos mexilhões correnteza acima. Mas os Estados Unidos têm planos de derrubar este ano 60 represas. Já se livrou de 145 desde 1999.

Coincidência: a ONG americana The Nature Conservancy, que promoveu a demolição em Cuddebackville, é a mesma que, em parceria com o WWF, bancou o vôo em Santa Catarina, para fotografar as matas do rio Pelotas antes que elas acabem.

Na volta, a equipe trazia a bordo, em arquivo digital, mais de duas horas de filmagem daquilo que "os órgãos ambientais não conseguiram ver". Eles devem mesmo ser muito míopes. Porque, no caminho para Florianópolis, o helicóptero pega um rota que parecia escolhida para provar que nem tudo está perdido. Passa pelo Parque Nacional de São Joaquim e pela serra do Corvo Branco. E lá de cima, entre uma maravilha natural e outra, dá para ver a fumaça saindo dos fornos de carvão vegetal em clareiras cercadas de florestas, queimadas roendo pelas bordas as encostas da serra e as fileiras de pinus avançando sobre a mata nativa. Isso tudo em Santa Catarina, um dos poucos estados do Brasil que ainda guarda mais de 30% de sua paisagem original.

Omissão do Ibama em Barra Grande

O IBAMA conseguiu, más línguas diriam "fazer mais uma das suas", os lúcidos usariam a palavra "omissão", e quem vê e sabe o que se passou, sente no mínimo uma indignação imensa pelas atitudes dessa autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Pois é… o IBAMA conseguiu mais uma vez.

Trata-se aqui da construção da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no Rio Pelotas, na região do planalto catarinense e rio-grandense.

Voltemos no tempo… Ano 1998, foi concedida pelo IBAMA uma Licença Ambiental Prévia, apesar de haver uma liminar do Ministério Público Federal proibindo qualquer desmatamento em área de Mata Atlântica no estado de Santa Catarina. É que não se vê floresta, de tanta árvore que há. Seria uma das explicações para o fato de um EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, pré-requisitos para dar andamento às obras de construção) afirmar que só havia capoeira na região.

Afirmação esta que o IBAMA engoliu, embora bastasse dar uma olhada no mapa de remanescentes florestais do estado de SC para desconfiar que possivelmente se tratava aí de um documento fraudulento. Pelo jeito, nenhum fiscal foi ver a região, ou quem sabe se restringiram a visitar o canteiro de obras. Realmente, em meio à obra dificilmente vai haver floresta.

Tudo beleza… o IBAMA deixa, já que não há floresta… ninguém vai notar nada, isto é, ninguém vai reclamar… não fosse a tal da remoção da vegetação… raios… a empresa Baesa-Energética Barra Grande S.A. só poderá encher o lago, se a vegetação for removida… então pediu-se licença para desmatamento… Mas o IBAMA, atentem, é vivo: "peraí! Aqui neste laudo (fraudulento? nota da redação) está escrito que não há floresta, e agora pedem para desmatar 1.000.000 de m3 de madeira. De onde é que veio essa madeira toda?".

Talvez é magia, em 2001 não havia floresta, e abracadabra: final de 2003 estão querendo derrubar um milhão de metros cúbicos de madeira. Até o IBAMA conseguiu notar que alguma coisa não estava certa…

Diferente a situação das ONGs ambientalistas, que pegaram vento da história toda apenas no início de 2004 em função do pedido de desmatamento, o IBAMA teve 5 anos para não fazer nada. Que na localidade não há nenhuma ONG ambientalista que atue ou é um fato que ajudou a manter as coisas na surdina, ou é mera coincidência.

Não foi porém casualidade uma equipe da Apremavi, FEEC, o jornalista Marcos Sá Corrêa e um cinegrafista terem se encontrado nesta 6a feira dia 17.09 no aeroporto Hercílio Luz em Florianópolis, para sobrevoar de helicóptero a região de inundação do suposto lago da hidrelétrica.

Pôde-se documentar com este sobrevôo, que só pôde ser realizado graças ao apoio do WWF e da TNC, através de dezenas de fotos e com mais de duas horas de filmagem o que os órgãos ambientais não conseguiram ver: dos 8.100 ha passíveis de serem alagados, 2.077 ha são de mata primária de Floresta ombrófila mista (Floresta de Araucárias), 2.158 ha são de floresta em estágio avançado de regeneração, 2.414 ha são de floresta em estágios médio e inicial de regeneração e outros 1.100 são de campos naturais. Áreas que serão inundadas pelo lago da hidrelétrica, na região de Anita Garibaldi (SC), Lajes (SC), Capão Alto (SC), Vacaria (RS) e Pinhal (RS).

Até num mapa de escala reduzida é possível ver a floresta

Estes importantes remanescentes florestais da Mata Atlântica serão alagados e irão desaparecer num túmulo submerso, graças a uma montanha de cimento de 180 metros de altura cujo lago irá inundar essa área de mais de 8.000 ha, de cerca de 80 km de extensão.

Uma história de suspense? Uma história trágica, isso sim. Recapitulando: o IBAMA cedeu a licença ambiental de instalação em junho de 2001, com base num EIA/Rima que dizia não haver nada a inundar além de capoeirinha. Naquela época, estava em vigor a resolução 278 do CONAMA que limitava o corte de espécies ameaçadas de extinção a 15 m3 para proprietários rurais e para uso na própria propriedade. Lembrando: a Araucária (Araucaria angustifolia), bem como a Imbuia (Ocotea porosa) e a canela-preta (Ocotea catharinensis), todas espécies da Floresta Ombrófila Mista, são de acordo com lista oficial do IBAMA espécies ameaçadas de extinção.

Além disso, por tratar-se de mata primária, o IBAMA deveria de ter consultado o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente (de acordo com o Art. primeiro do Decreto 750/93).

A FEEC e a RMA entraram com ação civil pública na justiça federal em Florianópolis questionando a legalidade da obra. Pede-se na ação cívica para que a barragem seja derrubada, ou, como alternativa para isso, para que a empresa Baesa-Energética defina quotas de enchimento do lago, que não afetem a vegetação primária.

Paralelamente foi assinado, na semana passada, um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), entre o IBAMA, Ministério do Meio Ambiente, BAESA e Ministério Público Federal, que permitiu ao IBAMA conceder a licença para o desmatamento da floresta e a operação da usina. Este TAC na prática nada mais é do que uma justificativa legal para viabilizar um empreendimento que foi construido todo na ilegalidade. Pretende o TAC também apresentar medidas compensatórias para o dano a ser causado. As ONGs não foram ouvidas neste caso e ainda não tiveram acesso ao teor do documento, mas com certeza podemos afirmar que nenhuma medida é capaz de compensar as florestas que serão subtraídas das futuras gerações desta forma tão grotesca.

Assim, o jornalista Marcos Sá Corrêa encerrou sua visita ao estado de SC vendo mais um cemitério, que ao contrário da modesta memória com vistas ao futuro que a Apremavi procurou firmar, tem tudo para afogar um importante fragmento de florestas daquilo que a Unesco declarou como Reserva da Biosfera e Patrimônio da Humanidade: a Mata Atlântica.

(OBS da redação: A FEEC e RMA protocolaram junto ao ministério do meio ambiente pedido de cópia do TAC e até o momento do fechamento desta notícia não tinham conhecimento do seu conteúdo, não podendo, assim, se pocisionar a respeito).

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