Apremavi contribui para avanço no debate do extrativismo do pinhão

19 abr, 2023 | Notícias

Nos dias 31 de março a 1 de abril, início da safra do pinhão em Santa Catarina, a Apremavi participou da Festa da Colheita do Pinhão em São Joaquim (SC). O objetivo do evento foi estimular a atuação das entidades que atuam no uso e conservação de recursos naturais para promoção do desenvolvimento da cadeia do pinhão.

Organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de São Joaquim e Região (SINTRAF) e o Centro Vianei de Educação Popular, a iniciativa possibilitou discussões sobre o extrativismo do pinhão em território catarinense que, cada vez mais, precisa estar alinhado a urgência da restauração e conservação da Floresta com Araucárias e seus ecossistemas associados.

O primeiro dia do evento ocorreu na Casa da Cultura, no centro de São Joaquim, com o Seminário da Cadeia do Pinhão. O debate apontou a necessidade de ações para  o manejo e o uso sustentável do pinhão na Serra Catarinense. Nesse sentido, o fortalecimento da cadeia produtiva, o desenvolvimento de estratégias para agregar valor; organização social e produtiva da agricultura familiar e das redes de conhecimento integrando as ações de pesquisa, assessoria técnica e capacitação foram apontadas como demandas pelos participantes.

Na oportunidade Wigold Schäffer, co-fundador e conselheiro da Apremavi, ministrou uma palestra sobre a importância e conservação da Araucária angustifolia com foco nos projetos que a instituição desenvolve. Em relação ao status de conservação das florestas de Santa Catarina, Wigold destacou uma das conclusões do Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina: “O empobrecimento das florestas catarinenses decorre das constantes intervenções humanas na floresta, como a exploração indiscriminada de madeira, roçadas e, principalmente no planalto e no oeste catarinense, o pastoreio de bovinos dentro da floresta, surtiram estes efeitos”.

O segundo dia do evento contou com atividades práticas, culturais e de integração. Uma das atividades práticas conduzidas foi a Sapecada de Pinhão, tradicional preparação das sementes da araucária em fogueiras feitas com as grimpas secas dos pinheiros, herança dos tropeiros da região Sul do Brasil.

Fala do Wigold Schäffer na festa da colheita do pinhão. Foto: Edilaine Dick

Registros de diversos momentos da Festa da Colheita do Pinhão. Fotos: Edilaine Dick e Wigold Schäffer

A Floresta com Araucárias

Cientificamente denominada como Floresta Ombrófila Mista, é uma das fitofisionomias constituintes da Mata Atlântica. Abriga uma grande diversidade de espécies, muitas delas encontradas unicamente nessa formação florestal e estão ameaçadas de extinção, como é o caso Araucaria angustifolia, endêmica e predominante desse local, conhecida popularmente como pinheiro-brasileiro.

A espécie surgiu durante o período Jurássico, há cerca de 200 milhões de anos. Nesse período eram abundantes, mas estima-se que atualmente a extensão da Floresta com Araucária em remanescentes bem conservados está reduzida a 3% em Santa Catarina e 0,8% no estado do Paraná, de sua distribuição original.

> Leia: Pintura rupestre inédita de araucária é descoberta no Paraná

Os povos indígenas guaranis e kaingangs, que habitavam a região Sul do Brasil antes da chegada dos europeus, já utilizavam as sementes de araucária (pinhão) como alimento, comestíveis e ricas em nutrientes. A partir da presença de imigrantes europeus no território  a espécie começou a ser explorada comercialmente, sobretudo pela madeira de alta qualidade.

Além da importância para os povos indígenas, a espécie possui uma grande importância ecológica. Uma das principais é a produção de pinhões para a fauna, que são fonte de alimento para espécies de aves, roedores e marsupiais, destacando a cutia, os papagaios como o papagaio-de-peito-roxo, o papagaio charão e a gralha-azul, que além de se alimentarem desse recurso auxiliam em sua dispersão.

A gralha-azul (Cyanocorax caeruleus) é uma das principais dispersoras de sementes da Araucária. Ao coletar os pinhões para armazená-los, ela os enterra e, acaba auxiliando na germinação e origem de novos pinheiros.

 

Período de defeso do pinhão

O período de defeso do pinhão é um período em que é proibida a coleta e a comercialização dessas sementes. O objetivo é proteger a espécie durante o período reprodutivo, garantindo a restauração natural das florestas e a manutenção da biodiversidade local.

Além da importância para a Araucária o período de defeso é essencial para algumas espécies de animais, já relatadas anteriormente, que dependem dos pinhões como fonte de alimento. Essa proibição da coleta e da comercialização durante o período de defeso ajuda a garantir que essas espécies tenham acesso aos pinhões, contribuindo para a manutenção da cadeia alimentar e da biodiversidade local.

Ao nível federal, a Portaria Normativa 20 de 27/09/1976 emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estabeleceu a data de 15 de abril para o início da colheita, transporte e comercialização do pinhão.

Contudo, ao nível estadual, o Estado de Santa Catarina, por meio da Lei nº 15.457, de 17 de janeiro de 2011, fixou o início da colheita no dia 1° de abril, data em que a festa da colheita do pinhão foi realizada. Como as portarias têm significância inferior às leis, a data definida pela legislação catarinense é postulada como o início da colheita no estado.

 
Soluções possíveis em prol da conservação da Araucária

Apesar das ameaças que a espécie enfrenta e dos diversos desafios em prol da sua restauração e conservação, é notório que a restrição legal à exploração e corte de Araucária e outras espécies madeireiras, que já perdura por mais de vinte anos, vem dando uma chance para a Florestas com Araucárias, que em algumas regiões está num lento e gradual processo de recuperação de sua estrutura e biodiversidade. 

Essa recuperação deve ainda levar décadas em razão do reduzido percentual de remanescentes espalhados em milhares de fragmentos isolados já altamente degradados por exploração madeireira predatória e conversão de áreas para atividades agropecuárias no passado. 

Atualmente, algumas atividades econômicas são aliadas da recuperação da Floresta com Araucárias, a exemplo do turismo ecológico que está em franco desenvolvimento nas regiões serranas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e se vale do destaque dos pinheiros na paisagem como atrativo turístico. Outra atividade que contribui para a preservação da araucária é a sua semente, o pinhão, altamente nutritivo e apreciado como alimento. A coleta e venda do pinhão gera renda para muitas famílias de coletadores e também para os proprietários de terras.

Essas atividades econômicas, desde que desenvolvidas com os cuidados ambientais necessários, merecem apoio de políticas públicas e devem ser estimuladas ao mesmo tempo, em que deve ser fortemente combatida qualquer tentativa, sob qualquer pretexto, de reabrir o corte ou a exploração madeireira comercial na Floresta com Araucárias sob risco de extinção dos últimos exemplares de araucária, de canela-preta, de canela-sassafrás, de cedro, de peroba e de centenas de outras espécies vegetais e animais que ainda guardam a carga genética e permitem gradual recuperação da floresta.

Outra atividade que merece ser estimulada é o plantio e reflorestamento com araucária, erva-mate, goiaba-serrana e outras espécies, principalmente as frutíferas. Esses plantios podem ser feitos em sistema agroflorestal, permitindo também o consórcio com espécies agrícolas, ampliando a produção de alimentos nas áreas restauradas.

 

Restaurar é urgente!

A Apremavi atua em ações de conservação e restauração da Floresta com Araucárias. Entre os anos de 2013 e 2015 implementou o Projeto Araucária, que promoveu a restauração de 92 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal em pequenas propriedades rurais, além de plantios em zonas de amortecimento de Unidades de Conservação de Santa Catarina, como o Parque Nacional das Araucárias

Em 2022 a Apremavi iniciou a implantação do Conservador das Araucárias, projeto em parceria com a Tetra Pak que vai restaurar 7.000 hectares prioritariamente na área de abrangência da Floresta com Araucária em Santa Catarina, no Paraná e em São Paulo. 

 

Autores: Tatiana Arruda Correia, Wigold Schäffer e Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto e Carolina Schäffer.
Foto de capa: Registro da Pinha da Araucária em uma das atividades da Festa da Colheita do Pinhão, por Wigold Schäffer.

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