Uruguai, um rio em “estado de choque”

A bacia do Prata apresenta uma área de 3,1 milhões de km2 e tem o rio Uruguai como um dos seus três formadores. Situada em latitudes temperadas a sub-bacia do Uruguai apresenta uma área total de aproximadamente 365.000 km2 , dos quais cerca de 176.000 km2 estão em território brasileiro. 73,86% dessa área (130.000 km2) situa-se no Rio Grande do Sul e os 26,13% restantes (46.000 km2 ) no Estado de Santa Catarina. Ela integra o sistema da Vertente do Interior. A Serra Geral é o grande divisor das águas que drenam para o rio Uruguai e as que se dirigem para leste, atingindo o oceano Atlântico.

Na Vertente do Interior, a maioria dos rios apresenta perfil longitudinal e ocorrência freqüente de quedas d´água. Essa característica, além do diferencial paisagístico que imprime, representa também uma valiosa importância em potencial hidrelétrico.

O rio Uruguai tem sua nascente localizada na Serra Geral, numa área de Campos Naturais a cerca de 1800 m de altitude. Na sua nascente o rio é chamado Pelotas, assumindo a denominação de rio Uruguai a partir da junção com o rio Canoas, cuja nascente, por sua vez, também localiza-se na Serra Catarinense, numa bela região chamada Campo dos Padres. O rio Uruguai percorre 938 km até a foz do rio Peperi-Guaçú, e nesse trecho é a referencia geográfica da divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A partir do Peperi-Guaçu até a foz do rio Quarai , segue outros 689 km, agora estabelecendo a fronteira entre Brasil e Argentina.

O inegável potencial hidrelétrico dos rios da Vertente do Interior, notadamente na sub-bacia do Uruguai, tem gerado inúmeras expectativas de abertura de um novo pólo de riquezas. Após o esgotamento dos recursos madeireiros, completamente dilapidados no curto ciclo econômico madeireiro das décadas de 50 e 60, as empobrecidas comunidades situadas ao longo do rio Uruguai são seduzidas pelas promessas mirabolantes de enriquecimento rápido com a construção de usinas hidrelétricas. Só na região da Serra Catarinense existe projeto para a implantação de 17 novas usinas.

Essa perspectiva de aproveitamento do potencial hidrelétrico do rio Uruguai toma forma a partir dos estudos do Inventário da Bacia do Rio Uruguai, realizado pelo Comitê de Estudos Energéticos da Região Sul entre 1966 e 1969. Contudo, é a partir de 1976, diante das perspectivas de crescimento acelerado de seu mercado, que a ELETROSUL começou a voltar suas atenções para a bacia do rio Uruguai, o último grande bloco de energia hidráulica disponível na região sul. Promove-se então, em 1979, uma revisão dos estudos anteriores, culminando com um novo relatório: "Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai – Estudos de Inventário Hidrenergético".

Esses estudos foram elaborados num período em que as grandes barragens e centrais hidrelétricas simbolizavam o ápice do desenvolvimento energético. Esses projetos eram vistos como grandes promotores do desenvolvimento, capazes de agregar usos múltiplos sem oferecer riscos ambientais. Desnecessário dizer que pouco mais de uma década foi suficiente para demonstrar a falácia desse discurso. Elevados níveis de eutrofização, descontrole do nível de assoreamento dos rios represados, alterações ecossistêmicas graves com eliminação de espécies e proliferação excessiva de outras, notadamente algas, macrófitas aquáticas, mosquitos e parasitas, são apenas alguns exemplos dos problemas rotineiros enfrentados pelos projetos implantados. Desnecessário também dizer que as ditas ações complementares, como criação de parques de recreação, unidades de conservação, área para aqüicultura, ficaram relegadas ao esquecimento.

Considerando todo o trecho do rio Uruguai entre a Serra Geral e a foz do rio Quarai, são 10 os projetos de aproveitamento hidrelétrico planejados desde o início da década de 80. Projeções similares igualmente foram feitas para os principais afluentes. No rio Canoas, por exemplo, já estavam previstas pelo menos quatro empreendimentos de porte significativo. Um desses empreendimentos, a UHE Campos Novos, praticamente concluído, é hoje motivador de sérios conflitos com a população atingida.

A recente polêmica criada com a discussão judicial acerca da instalação de outro desses empreendimentos, a UHE Barra Grande, fornece um bom referencial da absoluta fragilidade sócio-ambiental desses empreendimentos planejados no final da década de 70. Barra Grande é parte de um conjunto de empreendimentos que transformam a calha do rio Uruguai numa imensa escadaria. Iniciando na foz do rio Quarai com a UHE São Pedro. Essa "escadaria" tem seus primeiros degraus baixos e longos, e à medida que avança em direção a Serra Geral, os mesmos tornam-se gradativamente mais altos e curtos. Essa irregularidade nos "degraus" decorre das variações topográficas que se observam ao longo do trecho. Como essa seqüência de empreendimentos praticamente associa o final de um lago com o início do próximo barramento, é razoável admitir que nossos planejadores subordinaram não apenas as questões ambientais, mas também todos os demais possíveis usos desse patrimônio natural, ao interesse do aproveitamento hidrelétrico.

Ainda que essa condição seja suficiente para uma avaliação critica desse planejamento, é necessário lembrar que o mesmo foi elaborado num período em que os regramentos relativos ao controle ambiental eram ainda incipientes no país. A lei nº 6.938, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, surge em 1981, a exigência concreta da realização dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental somente em 1986 com a Resolução CONAMA 01/86, a promoção do bioma Mata Atlântica a condição de Patrimônio Nacional é uma inovação da Constituição da República, promulgada em 5 de outubro de 1988, e sua efetiva proteção é ainda regulada apenas por um decreto (Decreto nº 750/93); regras mais específicas para o licenciamento ambiental surgem em 1997 com a Resolução CONAMA 237, a instituição da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos surge com a lei nº 9.433 em 1997, e só em 1998, com a lei nº 9.605, passamos a contar com uma "lei de crimes ambientais".

Esse rápido retrospecto é necessário para evidenciar a incoerência de um modelo que, mesmo projetado antes do advento dos principais instrumentos legais de proteção ambiental, pretende subordiná-los a ilógica e pretensiosa tecnocracia dos planejamentos de gabinetes.

Somente após a externalização do conflito criado com o processo de licenciamento da UHE Barra Grande, é que se revela na formalidade burocrática a necessidade de elaboração de uma avaliação ambiental integrada dos aproveitamentos de geração hidrelétrica planejados, em estudo, com concessão e em operação na Bacia do rio Uruguai. Essa exigência surge, contudo, no contexto de um Termo de Ajustamento de Condutas celebrado para viabilizar a operação da UHE Barra Grande. O referido TAC foi assinado em 15 de setembro de 2004, e nele fica estabelecido que o Ministério de Minas e Energia se responsabiliza pela promoção da avaliação ambiental integrada, dispondo para tanto de um prazo de 12 meses, prorrogáveis por igual período.

A avaliação do quadro atual, considerando a implementação do citado planejamento do setor elétrico brasileiro, nos fornece a clara percepção que, a despeito da profícua e rápida proliferação de instrumentos legais de regramento ambiental, no país ainda prevalece a lógica "desenvolvimentista inconseqüente", onde a geração de "riquezas" mesmo as expensas da dilapidação do patrimônio ambiental é a regra. Trechos da decisão proferida pelo Desembargador Vladimir Passos de Freitas na Suspensão de Execução de Liminar na Ação sobre a UHE Barra Grande, ilustram também a própria "subordinação" de setores do Poder Judiciário a cultura da supremacia do econômico. Entre outros aspectos, para fundamentar sua decisão o Desembargador considerou:

    "…é inconteste que o EIA e o RIMA continham incorreções quanto à descrição da qualidade da vegetação a ser suprimida…"
    "…de resto, impõe-se observar que a construção da hidroelétrica já implicou gastos públicos de monta e que seu funcionamento se revela indispensável ao desenvolvimento da ordem econômica…"
    "…Nesse contexto, a paralisação do empreendimento efetivamente causa lesão à ordem administrativa e à economia pública…" (Suspensão de Execução de Liminar nº 2004.04.01.049432-1/SC).

O certo é que o planejamento energético brasileiro jamais incorporou a dimensão sócio-ambiental, e mesmo com a aparente tomada de consciência global acerca dos desafios da conservação da natureza, e do avanço da legislação ambiental, o setor elétrico, desarticuladamente centrado na geração hidráulica, se apropriou do falacioso discurso "da energia limpa", conseguindo avançar um planejamento extemporâneo. Mais absurdo, consegue reverter aos propósitos desse planejamento caduco, as próprias conseqüências nefastas do modelo insustentável de desenvolvimento, usando o argumento de um pretenso "apagão", decorrente dos desequilíbrios climáticos, como justificativa não apenas para implementar o referido planejamento, mas também para receber do Estado todas as benesses, inclusive financiamentos públicos para instalação de empreendimentos privados, aliás a regra atual.

O setor energético reproduz assim sistemas de dependência e desarticulação, num Estado subdesenvolvido onde prevalece a lei do mais forte, e o mais forte é sempre quem tem, ou diz ter mais dinheiro. Amplia desse modo, ilhas de opulência, num cada vez mais revolto mar de pobreza. Nós brasileiros financiamos faraônicas obras de geração hidrelétrica para gigantes nacionais e multinacionais, como a Companhia Brasileira de Alumínio, Votorantim, Alcoa, entre outras, que dilapidam a biodiversidade e as nossas paisagens únicas, restando para a esmagadora maioria da população o consolo de conseguir um bom preço no "ecologicamente correto" negócio da reciclagem de latinhas.

O compromisso com o capital é tamanho que nem acordos e tratados internacionais se mostram eficientes contra a sanha devastadora do modelo energético vigente. Mesmo a extinção de espécies ou habitats insubstituíveis são facilmente negociáveis nas pródigas medidas mitigadoras e compensatórias, habilmente conduzidas pela próspera e inescrupulosa indústria dos EIA-RIMA.

O Setor Elétrico, com sua inegável eficiência, consegue ainda a façanha de elevar o Brasil a condição de Estado que, mesmo signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica, estabelece mecanismos para a autorização da extinção deliberada de espécies. Ao emitir a Licença de Operação da UHE Barra Grande, num momento em que a discussão sobre as inúmeras falhas no processo já se processava no Poder Judiciário, o IBAMA assume a responsabilidade formal pela extinção de uma espécie biológica, a bromélia Dyckia distachya, espécie essa que o próprio IBAMA já reconhecia como ameaçada de extinção desde 1992. Tudo para viabilizar a produção de energia barata para mover a lucrativa industria do alumínio, e não é por acaso que Companhia Brasileira de Alumínio e ALCOA figuram entre os principais acionistas da BAESA, o consórcio que construiu Barra Grande.

Num tempo em que, aparentemente tudo é possível, por que não incluir na programação da COP-8 um entusiástico relato do MMA noticiando a exclusão da Dyckia distachya da incômoda lista de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção. A partir de Barra Grande passa a ser injusto dizer que o IBAMA nada faz para alterar a condição de risco da biodiversidade brasileira.

João de Deus Medeiros é Professor Adjunto do Departamento de Botânica Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Membro das ONGs Pau-Campeche e Apremavi

Bicho bonito

O processo de instalação e implantação da da Usina Hidrelétrica de Barra Grande está se tornando uma jóia rara de exemplos feios de descasos ao meio ambiente e à legislação ambiental vigente.

Como se já não bastasse o alagamento de cerca de 6.000 ha de floresta com araucárias (Araucaria angustifolia) em diversos estágios de regeneração, e o consentimento conivente por parte do IBAMA com a extinção da Bromélia Dyckia distachya, descobriu-se agora que mais uma espécie considerada rara no Paraná e praticamente extinta no Rio Grande do Sul, habita a floresta que neste momento continua sendo cortada e inundada pela barragem da UHE Barra Grande: o gavião-de-penacho Spizaetus ornatus.

Apesar de ser uma espécie amplamente distribuída, ocupando originalmente todo o território nacional, no sul do país esta espécie vem sofrendo com a perda de habitat, o que a levou a uma drástica redução de sua população nessa região. Trata-se de uma ave de rapina de 140 cm de envergadura, ocupando lugar no topo da cadeia alimentar é essencial para o equilíbrio de um ecossistema. Alimenta-se este gavião de outras aves menores, pequenos mamíferos e répteis.

Sabe-se da presença desta ave na região da UHE de Barra Grande desde 1998, conforme afirmações de biólogos que atuaram na região a serviço da empresa Bourscheid S.A. Engenharia e Meio Ambiente. Foi a Bourscheid que efetuou os estudos de fauna para o empreendimento hidrelétrico executado pela BAESA – Energética Barra Grande S.A.

Estudos de fauna são um dos pré-requisitos para obter o licenciamento de obras impactantes ao meio ambiente e integram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), estudo este que deve de ser apresentado ao Ibama para a obtenção da Licença de Implementação. Curiosamente, o gavião-de-penacho não é listado nesse EIA. Apesar, ou talvez justamente por constar da lista oficial do Ibama de Aves ameaçadas de extinção, bem como do apêndice II da Convenção Internacional Para a Proteção de Espécies Ameaçadas (CITES), da qual o Brasil é signatário. Nesse apêndice constam as espécies que poderiam estar "globalmente ameaçadas, se não se promovem medidas de proteção para seu habitat".

Mais uma irregularidade que se junta às demais feito pérolas numa corrente de omissões. Além da floresta que não se conseguiu ver, não se "viu" essa ave.

É uma ave enorme e tão bela, que vendo sua foto, muitos podem pensar que ela nem existe de verdade. De tão bonito que o bicho é, nem existe. Pelo menos não quando se trata de liberar uma obra de tamanho porte.

Recapitulando os fatos: o Ministério do Meio Ambiente (MMA) assiste inerte à liberação da Licença de Operação (LO) por parte do Ibama , que autoriza definitivamente o alagamento e destruição de um dos últimos e melhores fragmentos de floresta com araucárias e conseqüentemente a extinção da bromélia endêmica Dyckia distachya. Pela primeira vez na história deste país, se extingue (comprovadamente) uma espécie de forma consciente, ou seja, apesar de detalhadas informações prévias e a despeito de insistentes avisos de cientistas sobre a iminente ameaça de extinção. Se fossem outros órgãos que não aqueles que deveriam zelar pelo patrimônio natural, o MMA e Ibama, seria menos triste e revoltante vermos liberar uma obra como essa e pôr literalmente por água abaixo tamanha riqueza natural. Dessa forma, desse jeito deliberado, é imperdoável.

Que a Engevix Engenharia SA (contratada pelas empresas interessadas em construir a hidrelétrica, e que posteriormente viriam a formar o consórcio Baesa realizou o EIA e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) omitindo a existência dessas espécies, agindo com isso aparentemente de má fé (10), pode estranhar a alguns… Assim como é curioso que o presidente do Ibama, Sr. Marcus Barros, que tem por obrigação cuidar do meio ambiente do país, não tenha visto nem a bromélia, nem o gavião nos inúmeros documentos mencionados.

Falsificar documento público é crime punido com até cinco anos de cadeia pelas leis brasileiras.

Até agora ninguém foi preso ou punido, a não ser as araucárias que estão sendo cortadas, a bromélia que está sendo afogada e o nosso gavião-de-penacho, que vai ter que procurar outro lugar pra morar… Porém, sabemos que não existe outro lugar. É por isso que ele se encontra nessa região, que não tem como ser compensada com um reflorestamento (previsto em Termo de Referência que procura dar legitimidade a todas essas ilegalidades) uma vez que um plantio não conterá toda a biodiversidade de fauna e flora necessária para que esta espécie consiga sobreviver. Biodiversidade esta que é resultado de um processo evolutivo de milhões de anos e que o homem nunca vai conseguir reconstruir de forma equivalente.

* Carlos é biólogo voluntário da Apremavi e mestrando em Ecologia e Conservação na Universidade Federal do Paraná.

ONGs querem Polícia Federal

A Engevix Consultoria Ambiental e o Ibama que se preparem para o chumbo grosso que deve vir nas próximas semanas. Um documento assinado por 100 entidades ambientalistas de São Paulo será entregue nesta semana à Polícia Federal. Nele pedirão a instauração de inquérito policial para investigar supostas irregularidades cometidas pela empresa paulista e pelo órgão ambiental no episódio da aprovação do EIA-Rima da Usina Hidrelétrica de Barra Grande que está sendo construída entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A moção foi assinada na última terça-feira (19 de julho) na sede do Sindicato dos Advogados de São Paulo e também será entregue à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A iniciativa, segundo Carlos Bocuhy, do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, tem por objetivo solicitar a investigação policial do caso, através da instauração de inquérito para apuração de facilidades que teriam viabilizado o processo, além de pedir a cassação das licenças profissionais dos técnicos da Engevix que elaboraram o EIA-Rima.

As ONGs vão além, elas querem também o afastamento imediato dos técnicos do Ibama que foram responsáveis pela vistoria de campo. Segundo os ambientalistas, o Ibama deveria comprovar as verdadeiras condições ambientais do local e mais o levantamento de todos os processos de licenciamentos já aprovados e ou em andamento sob a responsabilidade da Engevix.

De acordo com o documento, o EIA-Rima apresentado pelo consórcio Baesa – Energética Barra Grande S/A (formado pelas empresas Camargo Corrêa, Votorantim, Bradesco, Alcoa e CPFL; sucessor do GEAB – Grupo de Empresas Associadas de Barra Grande) – em 2001 mostrou falsas informações ao afirmar que a cobertura vegetal da área que ficaria embaixo dágua seria ambientalmente insignificante.

A moção mostra que, baseado no documento que apresentava fraude, o Ibama, sem cumprir com exigências legais que eram de sua incumbência, emitiu a Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI). Além disto, quando foi construída a barragem, o Ibama exigiu, para emitir a Licença de Operação (LO), o Projeto de Supressão de Vegetação, no qual apurou que mais da 50% da área a ser inundada – 4.236 hectares – é composta por Mata Atlântica primária e secundária. Dados afirmam que a Usina Hidrelétrica de Barra Grande formará um lago de 93,4 Km2, inundando parte do território de cinco municípios de Santa Catarina (Anita Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto e Lages) e de quatro do Rio Grande do Sul (Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus).

Conforme Bocuhy, é inadmissível que mais de quatro mil hectares de Mata Atlântica sejam exterminados para encher o lago da represa de uma empresa privada. — A falta de coerência nesse caso viabiliza crime ambiental e leva à obrigatoriedade da investigação do comportamento das pessoas envolvidas-, afirma.

Histórico de ações na Justiça

O Caso de Barra Grande já tem três ações civis públicas ajuizadas em Florianópolis que requerem a paralisação das atividades e do corte da mata. Outra ação ajuizada em Caxias do Sul (RS), posteriormente remetida para a capital catarinense requer a suspensão dos efeitos do Termo de Compromisso (TC), a produção antecipada de prova com vistoria da área atingida e a punição dos signatários do TC.

Ainda em abril deste ano, outra ação cautelar de produção antecipada de provas solicitou a vistoria imparcial do local do dano e que, embora tenha sido deferida em primeiro grau, o Tribunal Regional Federal da 4° Região suspendeu a decisão, que em julho foi ajuizado o enchimento do lago da hidrelétrica, que pelo mesmo motivo e na mesma data, foi ajuizada outra ação cautelar na qual o juiz considerou prejudicado o pedido liminar. A Justiça ainda determinou que a Baesa junte aos autos, em 10 dias, relatório das providências referentes ao resgate das plantas e animais da área a ser inundada, bem como a indicação de equipe técnica para fiscalizar os trabalhos de resgate.
(Com informações da Proam)
Fonte: Ambiente Já – www.ambienteja.com.br – RS – 25/07/05

Araucárias caem

É na confluência do Rio Vacas Gordas com o Rio Pelotas. Ouvem-se motosserras, e árvores gigantes a cair. Na área que será inundada pela Usina Hidrelétrica de Barra Grande estão sendo derrubadas árvores centenárias.

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O Presidente do Ibama, Marcus Barros, concedeu a Licença de Operação no dia 04.07.2005, listando 76 "condicionantes". No entanto, estranhamente, a autorização para a supressão da vegetação primária e em estágio avançado de regeneração da Floresta Ombrófila Mista não faz parte dessas condições, e até o presente momento a Apremavi não dispõe de nenhuma informação que confirme a autorização desse desmatamento.

Também não se tem notícias sobre a autorização específica para as espécies ameaçadas, já que madeiras como araucária, canela preta, imbuia e canela sassafrás não podem ser comercializadas. Ao ser indagado hoje pela Apremavi, Marcelo Kammers, chefe da fiscalização do Ibama de SC declarou não ter conhecimento do desmatamento na área, bem como da legalidade ou não do mesmo. Kammers disse que iria encaminhar uma equipe de fiscalização à área. "A indagação que fica é se a Baesa está fazendo o desmatamento de espécies ameçadas, como este que foi flagrado ontem e hoje, com autorização específica, pois se estiver desmatando sem autorização é mais um crime ambietal e motivo suficiente para suspender a LO", diz Miriam Prochnow, coordenadora geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica.

Adriano Becker, vice-presidente do Núcleo Amigos da Terra Brasil (Porto Alegre), fotógrafo profissional, esteve na região acompanhado do ornitólogo Glayson Bencke e do agricultor atingido Ataídes Telles. Ontem dia 20.07 documentaram a derrubada:

    "as motoserras estão a todo o vapor, e as araucárias, açoita-cavalos e canelas centenárias estão sucumbindo perais abaixo, com estrondos que ecoam pelo vale como os mais fortes trovões nas mais severas tempestades. Foi uma das cenas mais tristes e revoltantes que já presenciei."

Mais uma irregularidade? Delas já dá para encher alguns sacos e juntar aos milhares de outros já amarrotados e jogados em algum monte. Sacos cheios de plantas: é o que a Baesa provavelmente chama de "resgate". Uma das condicionantes da LO é o resgate da Dyckia distachia, uma bromélia prestes a ser extinta.

O Diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz, informou ontem (20.07) à RMA (Rede de ONGs da Mata Atlântica) que 30.000 plantas já foram coletadas. "Muito mais do que bromélias que existem na área de inundação em questão. Tudo leva a crer, que um batalhão de gente saiu arrancando tudo que encontravam pela frente, para poder justificar o cumprimento dessa condicionante da LO", comenta Miriam Prochnow.

É um absurdo! Pois a LO foi concedida antes mesmo que estudos, ainda em andamento e conduzidos por uma equipe de técnicos do próprio Ibama e do Ministério do Meio Ambiente, também envolvendo especialistas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, estivessem finalizados. Estudos que deveriam verificar as informações contidas no Relatório 2 da UFSC, que já em maio deste ano comprovavam que a bromélia Dyckia distachya, endêmica da Bacia do Rio Uruguai, irá extinguir-se caso o Ibama viesse a autorizar o enchimento do lago.

Sobre o assunto, o professor da UFSC Ademir Reis, um dos autores do estudo indicado acima, comenta:

    "Em reuniões em Brasília onde estiveram presentes representantes do IBAMA E MMA, deixamos claro que uma das primeiras coisas que o Ibama devia tomar providências é a de que não mais arrancassem plantas, pois num trabalho de resgate, e nós nos prontificamos a fazer isto, pois faz parte de nosso projeto, deve-se primeiro entender a estrutura demográfica da espécie, quantificar seus estádios de tamanho e conhecer a variabilidade genética no sentido de saber quantas plantas seriam necessárias e a forma que deveria ser feito o resgate. Isto foi acordado entre as partes e o Ibama assumiu publicamente que iria comunicar à BAESA para que não mais interferisse nas populações.

    Isto foi antes da LO. Parece que eles agora se sentem no poder de fazer as coisas de qualquer jeito e infelizmente com respaldo do IBAMA que tem conhecimento, pois soube desta notícia com informações provenientes diretamente do IBAMA. Acho que agora será ainda mais difícil programar um resgate que possa fazer um conservação ex situ de forma a manter a variabilidade genética da espécie. A espécie será extinta da natureza e será feita uma conservação ex situ porcalhona. Minha tristeza ainda se torna maior pois ainda apregoam que estão fazendo um resgate com base nos dados colocados no relatório por nós enviado. Mais uma das inverdades que o IBAMA tem utilizado neste processo de Barra Grande".

"Não é possível entender a pressa do Presidente do Ibama em conceder a LO, visto que este processo sempre foi recheado de irregularidades e omissões. Agora somos mais uma vez surpreendidos com a informação de que a licença foi concedida antes da equipe técnica do MMA e do Ibama ter concluído os estudos sobre a Dyckia distachya e que por si só já prova a falta de compromisso ambiental do Presidente do Ibama com relação à extinção de uma espécie. Será que ele achou que a equipe formada era só uma formalidade e que uma espécie de bromélia não tem importância suficiente para agir com precaução?", comenta Miriam Prochnow.

A Natureza de luto

Infelizmente a luta dos ambientalistas, dos mais diversos recantos do Brasil, contra a efetiva implantação da Usina Hidrelétrica de Barra Grande parece estar chegando ao seu final. E o que é pior, a um triste final. Em 5 de julho de 2005 o IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, emitiu a licença ambiental de operação (LO) para o empreendimento. Imediatamente a empresa Baesa, dona do empreendimento, iniciou o fechamento das comportas da barragem, dando inicio à inundação do reservatório que afogará cerca de 5.000 hectares de floresta atlântica com araucárias.

Todos aqueles que tomam conhecimento das entranhas desse processo de licenciamento ambiental fraudolento se revoltam, mesmo sem sequer conhecer a magnitude da região. Já aqueles que puseram seus pés na região que será inundada, e viram com seus próprios olhos a grandiosidade da floresta atlântica existente e a mega biodiversidade da região, experimentam sensações ainda piores: desolação, enorme tristeza e uma profunda indignação e descrença na "justiça dos homens".

Casos como o de Barra Grande, demonstram que o direito ambiental ainda está longe de ser efetivo em nosso país, pois é em situações como esta, de grande dimensão e magnitude que se aufere a sua real efetividade. Multar ou condenar pequenos degradadores, demolir pequenas construções irregulares, é fácil, e exemplos disso temos vários. Mas quando o caso alcança proporções infinitamente maiores, como o caso de autorizar a construção de uma Usina Hidrelétrica, orçada em mais de um bilhão de reais, lastreada em um Estudo de Impacto Ambiental fraudolento, como se mostra a efetividade do direito ambiental? A resposta, infelizmente, é uma só: não há efetividade.

No caso de Barra Grande, nem os devidos processos legais foram respeitados, eis que inúmeras ações civis públicas ainda tramitam em fase inicial e a prova maior da fraude havida no Estudo de Impacto Ambiental será destruída, pois a prova é a própria floresta e esta será inundada. Com a inundação se retira completamente a efetividade dos processos em tramitação, pois repetimos, a prova será destruída antes que se pudesse quantificar a real extensão do dano ambiental causado à sociedade brasileira, e por que não dizer, a todo o planeta.

E iniciativas não faltaram de parte de ONGs ambientalistas: inúmeras ações civis públicas, ações cautelares, mandados de segurança, recursos, pedidos de reconsideração, etc., foram interpostos, inúmeros laudos técnicos comprovando a fragilidade, tanto dos estudos realizados na região, quanto das medidas compensatórias adotadas, foram anexados aos processos. Os fatos foram levados ao conhecimento do Poder Judiciário. O direito também foi amplamente demonstrado. O direito chegou a ser reconhecido pelo Poder Judiciário, tanto é que duas medidas liminares foram concedidas na primeira instância processual. Mas claro, as conseqüências da efetiva aplicação do direito ambiental nesse caso seriam onerosas demais para o Poder Público, e assim, muito mais fácil é ver no empreendimento o seu "lado bom", maquiando nele um irreal interesse público que serviu para amparar decisões judiciais favoráveis a continuidade do empreendimento mesmo diante da fraude flagrante e reconhecida. E assim aconteceu. Em sede de recurso, junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) foram cassadas as medidas judiciais liminarmente deferidas em primeira instância processual, e a continuidade da consumação da tragédia não foi obstada, nem mesmo para que se realizasse prova pericial na área. Ou seja, subtraiu-se o direito que toda parte em um processo possui de produzir sua prova.

No caso de Barra Grande, a verdade é que a máquina estatal conspirou como um bloco monolítico contra as ações de setores da sociedade civil organizada. O Governo Federal herdou um problema, a fraude no Estudo de Impacto Ambiental e expedição das primeiras licenças ambientais, ocorreram ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, mas isso não exime o atual Governo, pois este ao invés de enfrentar o problema, optou por "jogar a sujeira pra baixo do tapete", dando continuidade ao empreendimento. E isso que temos como Ministra do Meio Ambiente a tão festejada Marina Silva.

Para o Ministério de Minas e Energia o caso Barra Grande se tornou questão de honra, afinal, precisamos infinitamente de energia, e empilhar hidrelétricas é a política energética atual, a questão ambiental é de menor ou nenhuma importância para eles.

O Ministério Público Federal, fiscal da lei, optou pelo caminho mais tranqüilo, o da compensação, e pôs sua rubrica num termo de compromisso extremamente frágil tecnicamente, se dando por satisfeito. Mesmo quando fatos novos, posteriores as medidas de compensação estabelecidas, surgiram, como a notícia de que a inundação afetaria uma unidade de conservação de proteção integral, o Parque Municipal de Encanados em Vacaria/RS, ou ainda, a descoberta de pesquisadores catarinenses de que na área do reservatório se encontram as últimas três populações da espécie de bromélia Dichya distachia e que a inundação levaria esta espécie à extinção, nada fez o Ministério Público Federal.

Mas e o que dizer do Poder Judiciário, que através do TRF da 4ª Região, rapidamente derrubou as medidas liminares obtidas pelas ONGs, e para julgar recursos movidos pelas mesmas ONGs se tornou extremamente moroso e desinteressado. Recursos que postulam a não concessão da Licença de Operação para o empreendimento ainda estão pendentes de julgamento e a licença já foi concedida!

Do lado inverso, se postaram as organizações não-governamentais, com seus militantes e advogados voluntários, setores da imprensa, estudantes, professores e pesquisadores da área ambiental, numa luta extremamente desigual em busca da efetividade do direito ambiental e da Justiça. Os inúmeros processos que ainda tramitam na Justiça Federal prosseguirão, buscando agora uma indenização pecuniária pelos danos ambientais, que também não poderá ser devidamente quantificada devido à destruição da prova, mas uma coisa é certa, o verde perdeu essa batalha e a natureza está de luto. Mas no país do mensalão e da corrupção, o que se podia esperar? Infelizmente a efetividade do direito ambiental em nosso país ainda está distante, sendo hoje um sonho que projetamos para o futuro como um filme de ficção.

Rogério Rammê é advogado Especialista em Direito Ambiental, assessor jurídico voluntário do Núcleo Amigos da Terra Brasil.

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