Dia Nacional da Caatinga

A caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro. Ocupa cerca de 11% do território do país e é o predominante da região nordeste, sendo também o menos conhecido dos nossos biomas. Mesmo assim, é uma região extremamente importante para a biodiversidade, porque muitas espécies da flora e fauna somente ocorrem ali. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente e da Conservação Internacional, nessa região são encontradas 932 espécies de plantas, 148 de mamíferos e 510 de aves .

Na caatinga vivem quase 28 milhões de pessoas. Pelo fato de viverem numa região semiárida, boa parte delas é carente e precisa dos recursos naturais para sobreviver. Esse fato aliado à implantação de grandes projetos, como a exploração da vegetação nativa para produção de carvão, são fatores que fazem com que grande parte de seus ecossistemas já tenham sido alterados de alguma forma, por conta dos processos de ocupação, desmatamentos e queimadas.

Em 2008, a vegetação remanescente da área era de apenas 53,62%. O monitoramento do desmatamento no bioma, realizado pelo MMA, entre 2002 e 2008, revela que, neste período, o território devastado foi de 16.576 km2, o equivalente a 2% de toda a área, ou seja: o índice de desmatamento na Caatinga é alarmante, especialmente tendo em vista que a região é uma das mais afetadas pela mudanças climáticas por conta dos processos de desertificação.

Para se ter uma ideia da gravidade do problema, basta olhar alguns números. No Brasil, 62% das áreas vulneráveis à desertificação estão em zonas originalmente ocupadas por caatinga. Esse processo de desertificação traz prejuízos econômicos enormes ao país.

A criação de unidades de conservação, o uso racional dos recursos naturais e o combate à desertificação são fundamentais para a conservação da caatinga.

Mas apesar dos dados alarmantes a caatinga tem um grande potencial para o uso sustentável da sua biodiversidade. Inúmeras espécies se destacam para vários usos, desde madeira, forragem e medicinais. As espécies prioritárias para madeira e forragem existem a catingueira, o pau d’arco, o sabiá, o angico, o pau-ferro e o juazeiro. Já as espécies medicinais são, a aroeira (adstringente), o araticum (antidiarréico), o velame e o marmeleiro (antifebris). Do caroá e do sisal são extraídas fibras para artesanato e o cajueiro e o umbuzeiro são utilizados para fabricação de doces.

É na caatinga também que se encontram os sítios arqueológicos mais importantes do Brasil, como os localizados no interior do Parque Nacional da Serra da Capivara, representados em sua maioria por pinturas e gravuras rupestres, nos quais se encontram vestígios extremamente antigos da presença do homem (50.000 anos antes do presente – Dados da Fundação do Museu do Homem Americano).

Uma das ações para conservação da Caatinga que a Apremavi vem apoiando, junto com a Rede de ONGs do Piauí, é a criação do Parque Nacional da Serra vermelha. A área, que fica no sul do Piauí e que também abriga remanescentes de Cerrado e Mata Atlântica, está em estudo desde 2007 e corre o risco de ter sua vegetação cortada para projetos de produção de carvão vegetal. No Dia da Caatinga espera-se que o governo federal cumpra sua promessa de proteger a região, criando essa Unidade de Conservação. 

Para saber mais detalhes da importância da Serra Vermelha e das disputas que giram em torno de sua conservação, veja o artigo em anexo.

Fotos: Miriam Prochnow

{%GALERIA%}

Serra Vermelha novamente em perigo

O movimento ambiental do Piauí reagiu incrédulo a atitude do governador Wellington Dias em pedir ao Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc,  que não crie o Parque Nacional da Serra Vermelha.  “A impressão é que o governador está comprometido com a empresa JB Carbon, responsável pela destruição de rica biodiversidade da região”, criticou o Coordenador da Rede Ambiental do Piauí (REAPI), Avelar Amorim.

Para Avelar, diante do crime comprovado que a JB vinha praticando na área e contrariando estudos realizados pelo Ministério do Meio Ambiente, na gestão de Marina Silva, que apontam a necessidade de proteger a área, não justifica o governador ficar contra a preservação dos ecossistemas que ali vinham sendo ceifados para virar carvão e abastecerem as siderúrgicas nacionais.

Francisco Soares, presidente da ONG Fundação Rio Parnaíba (Furpa), demonstra sua indignação e diz não querer acreditar que o governador do Piauí teve uma atitude tão retrógada, ficando contra a criação de uma unidade de conservação na Serra Vermelha, onde está a maior floresta do semi-árido do Nordeste. “Só pode existir um jogo de interesse muito grande. Não justifica querer impedir a proteção de uma área que já foi alvo de vários processos judiciais, todos impedindo a continuidade do projeto”, disse o ambientalista. Vale ressaltar que a Companhia Siderúrgica Nacional, foi uma das doadoras da campanha do governador em 2006 disponibilizando 150 mil reais, bem como a JB Carbon. As informações são do Tribunal Superior Eleitoral, disponível no site Congresso em Foco.

Justiça

Soares se refere a uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal do Piauí, onde a JB perdeu. Também há um parecer da Procuradora Federal, Selene Almeida, da 2° Vara da Justiça Federal, em Brasília, que decidiu pelo fim do projeto e a conservação da floresta, além de outra Ação do Ministério Público Estadual, através da Curadoria do Meio Ambiente.  Sem falar nos fortes indícios de grilagem das terras, onde a empresa não consegue provar que as mesmas não são públicas devolutas.

Se não bastasse, uma nota técnica do Ministério do Meio Ambiente, que já foi transformada em lei, assegura a existência da vegetação de Mata Atlântica na Serra Vermelha. Felizmente, uma lei bastante em vigor no país protege a Mata Atlântica. No caso da região são três os biomas presentes: cerrado, caatinga e mata atlântica, caracterizando a última floresta do Piauí e do nordeste que forma o ecótono.

De acordo com Soares, todas estas provas serão encaminhadas ao ministro Carlos Minc, que, segundo ele, certamente nada sabe do que está por trás da tentativa do governo e empresários em querer destruir vários ecossistemas. Além de a região ser rica do ponto de vista biológico, ainda está em avançado processo de desertificação. “Nesse caso, com tantas irregularidades e ameaças ao futuro daquela região, parece loucura querer deixar os interesses econômicos sobrepor aos ambientais”, comentou.

O Caso

A problemática da Serra Vermelha teve início em 2006 quando ambientalistas constataram que a empresa carioca JB Carbon estava transformando em carvão a última floresta do semi-árido nordestina, de aproximadamente 300 mil hectares. A ação chamou a atenção da imprensa nacional e o IBAMA em Brasília mandou suspender o projeto imediatamente.  Diante do escândalo, a Procuradoria da República entrou com uma Ação Civil Pública para acabar de vez com o projeto.

O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, autorizou estudos objetivando salvar o que ainda restava na área. Tão logo obteve o levantamento, a então ministra Marina Silva, determinou a criação de um Parque Nacional na região e ainda duas reservas extrativistas para garantir emprego e renda as famílias tradicionais da região que vinham sendo escravizadas pela indústria do carvão com seus subempregos.

O movimento ambiental do Piauí acredita que a JB Carbon, embora proibida, nunca desistiu do projeto de produzir carvão na Serra Vermelha e que estaria terceirizando áreas para o fim. Um exemplo é a Carvoaria Rocha, na Serra Negra, vizinha a Serra Vermelha onde 200 mil hectares estão se transformando em carvão com licença ambiental expedida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente-Semar.

Dados da Curadoria do Meio Ambiente apontam que o órgão já licenciou mais de 3000 mil fornos no Sul do Estado, em áreas de mata nativa. “Não vamos mais tolerar essa situação. Estamos solicitando o apoio da Polícia Federal para ajudar a combater o crime”, diz Francisco Soares, acrescentando que tem esperança em que, diante de tão rico patrimônio, o governador volte atrás e passe a defender o meio ambiente, sob o risco de entrar para a história como um incentivador da destruição da natureza.

Manifestação da RMA

No dia 03 de setembro, a Coordenação da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), encaminhou o ofício abaixo solicitando a tomada de providências por parte do Ministério do Meio Ambiente.

A Sua Excelência a Senhora
IZABELLA MONICA VIEIRA TEIXEIRA
Ministério do Meio Ambiente
Brasília – DF

Assunto: Solicita criação do Parque Nacional de Serra Vermelha – PI

Prezada Senhora,

O Conselho de Coordenação Nacional da Rede de ONGs da Mata Atlântica, reunido em Brasília nos dias 2 e 3 de setembro de 2008, solicita e reivindica a continuidade do processo de criação do Parque Nacional da Serra Vermelha, no Piauí. A criação do Parque foi um dos temas tratados em reunião com o Senhor Ministro do Meio Ambiente, a partir do ofício nº025/08/RMA enviado no último dia 16 de junho, e assinado pela RMA e outras 18instituições.

Essa reivindicação do movimento ambientalista se iniciou em janeiro de 2007, após a identificação de desmatamentos na área a partir do projeto EnergiaVerde.

É importante lembrar que quase toda a área da Serra Vermelha integra o Bioma Mata Atlântica, conforme definição dada pelo Decreto 750/93 e mantida pelanova Lei da Mata Atlântica, sancionada em dezembro de 2006:

Art. 2o  Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.

Para maior conhecimento da historicidade deste processo, encaminhamos em anexo, os entendimentos e ofícios mantidos com o Ministério do Meio Ambiente sobre o assunto em questão.

Certos de contar com o apoio desta administração, ante a relevância da criação desta unidade de conservação para o bioma Mata Atlântica,despedimo-nos, e colocamos à disposição para o caso de dúvidas.

ELIZETE SHERRING SIQUEIRA
Coordenadora Geral

C/C
Maria Cecilia Wey de Brito – Secretária de Biodiversidade e Florestas do MMA
Joao de Deus Medeiros – Diretor do DAP/SBF/MMA
Rômulo José Fernandes Barreto Mello – Presidente do ICMBio

Por que salvar a Serra Vermelha?

Cerca de 78 mil hectares de matas nativas de Carrasco – uma mescla de Caatinga, Cerrado e do que resta de Mata Atlântica no Piauí – estão virando carvão no Sul do Estado. Uma decisão unânime do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) sugere que a área deveria formar o Parque Nacional da Serra Vermelha. No entanto, um projeto ironicamente denominado Energia Verde, incentivado pelo Ministério do Meio Ambiente e aprovado pelo Ibama, autoriza a empresa JB Carbon S/A, do Rio de Janeiro, a derrubar a última floresta do semi-árido brasileiro para produção de carvão.

O objetivo do empreendimento é abastecer as indústrias siderúrgicas do país e do exterior. No primeiro momento o carvão vegetal produzido na Serra Vermelha está sendo consumido por duas siderúrgicas, a Ferguminas, em Minas Gerais, e Fergumar, no Maranhão, alimentando os fornos que produzem ferro gusa. A meta é ultrapassar quatro milhões de toneladas de carvão nos 13 primeiros anos do projeto. Entre os investidores do negócio, aparecem empresas como a JBW Partners Comércio, Importação e Exportação.

Para o biólogo Francisco Soares, presidente da Fundação Rio Parnaíba (FURPA), o empreendimento é responsável pelo maior crime ambiental do Nordeste e um dos maiores do país. "É um grande desmatamento camuflado de plano de manejo", disparou. Já o proprietário da empresa JB Carbon, João Batista Fernandes, afirma que o projeto é de Manejo Florestal Sustentável – um dos maiores do mundo em volume de biomassa. "Fizemos um cronograma de desmate em 13 lotes alternados que serão explorados anualmente. Em 14 anos a floresta estará maior do que a atual", disse o empresário carioca ao rebater as criticas ao projeto.

Falando em nome do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, o diretor do departamento técnico, Carlos Antônio de Moura Fé, disse haver uma confusão entre desmatamento e manejo florestal. "O manejo permite que você corte a árvore deixando parte do seu caule para a rebrota. No momento, a JB Carbon possui uma licença para manejar 5,9 mil hectares e uma nova aérea só será autorizada depois de duas vistorias no local. Após o corte de uma área, ela ficará intocada por 13 anos, tempo suficiente para a recomposição da floresta", garantiu.

"Um Plano de Manejo Florestal Sustentável, não permite o corte raso, com a utilização de toda madeira acima de 2cm no limite aprovado, com a intensidade de corte de 100% da produção florestal. A retirada das árvores teria que ser de forma seletiva e seria necessário ainda outras exigências técnicas. Diante da dimensão do projeto, não foi elaborado o Estudo nem o Relatório de Impacto Ambiental, e, para piorar, não foram realizadas audiências públicas", acusa o biólogo Francisco Soares.

No começo do ano, os procuradores federais Tranvanvan Feitosa e Carlos Wagner Barbosa Guimarães, ambos do Ministério Público Federal, que já tinha alertado o Ibama sobre as deficiências do empreendimento, ingressaram com uma ação civil pública na Justiça Federal, solicitando a suspensão do projeto Energia Verde. Alguns dias depois o juiz federal Clodomir Sebastião Reis, decidiu citar o Ibama e a empresa JB Carbon para que forneçam maiores informações sobre o projeto.

Localizado a mais de 800 km da capital Teresina, numa grande chapada da Serra Vermelha , ocupando áreas dos municípios de Morro Cabeça no Tempo, Curimatá e Redenção do Gurguéia, o projeto Energia Verde fica dentro do condomínio Chapada do Gurguéia, que tem área de 114 mil hectares, divididos em 38 fazendas, entre 19 proprietários. Existem suspeitas sobre a legalidade das terras na região. Em 2005 o Interpi (Instituto de Terras do Piauí) iniciou três ações discriminatórias para investigar a origem das propriedades na área. Num desses processos os técnicos do órgão tentam devolver ao patrimônio imobiliário do Estado do Piauí pelo menos 25 mil hectares.

A área aprovada para manejo florestal pelo projeto Energia Verde, cerca de 77.948 hectares, é maior do que muitos Parques Nacionais, a exemplo de Sete Cidades no Piauí e Ubajara no Ceará. Além disso, a região foi indicada entre as 900 áreas prioritárias para a Conservação da Biodiversidade Brasileira, conforme Relatório Nacional para Convenção sobre Diversidade Biológica, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente.

"Os brejos de altitudes e vários mananciais que descem da Serra Vermelha contribuem para formar as nascentes do rio Rangel, além de outros córregos e mananciais que alimentam a bacia do rio Gurguéia. A cobertura vegetal exerce um papel importante na recarga dos aqüíferos e do lençol freático", explica Francisco Soares. Para ele, a produção de carvão vegetal vai comprometer a bacia dos rios Rangel, Curimatá e Gurguéia, podendo secar riachos e lagoas e até alterar o clima da região, aumentando a própria temperatura local.

Pesquisas lideradas pela equipe do biólogo Hussam Zaher, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, no Parque Nacional Serra das Confusões e na Estação Ecológica Uruçuí-Una – duas reservas localizadas nas proximidades da Serra Vermelha – indicam que a região abriga uma das maiores biodiversidades do interior nordestino, com espécies desconhecidas pela ciência.

Segundo os procuradores, Tranvanvan Feitosa e Carlos Guimarães, o Ministério do Meio Ambiente precisa rever o projeto e suas implicações ecológicas. "O Ibama desconsiderou a biodiversidade da Serra Vermelha e o potencial da floresta para o mercado de créditos de carbono, optando pela utilização mais fácil e de retorno imediato com a produção de carvão. No ritmo aprovado, as florestas do Piauí vão virar cinza em pouco tempo" afirmaram os representantes do Ministério Público Federal.

O deputado federal José Francisco Paes Landim (PTB), em discurso na Câmara dos Deputados, denunciou que o empreendimento estava destruindo uma área que futuramente poderia ser parte de uma reserva natural. O parlamentar enfatizou a necessidade de criação do Parque Nacional Serra Vermelha tendo em vista que "um grande desmatamento compromete a integridade da natureza e pode dificultar a intenção do governo brasileiro em criar essa nova unidade de conservação no Piauí". Já o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), solicitou que o presidente do Ibama, Marcus Barros, seja ouvido na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados para dar explicações sobre o caso.

A forte repercussão do impacto ambiental do projeto tem chamado a atenção dos veículos de comunicação do Brasil e do exterior. A maior emissora brasileira de televisão mandou seus repórteres para a região e uma equipe de tv italiana gravou reportagem sobre o caso. Em Teresina, a Fundação Rio Parnaíba, com apoio de várias ONGs lançou a campanha "ajude a salvar a Serra Vermelha" pedindo que as pessoas telefonem ou enviem e-mails para linha verde do Ibama solicitando a criação do Parque Nacional Serra Vermelha e a paralisação do projeto Energia Verde.

MANEJO POLÊMICO

O Projeto Energia Verde faz parte do Plano de Desenvolvimento da Bacia do Rio Parnaíba (Planap), através da Companhia de Desenvolvimento do Vale dos Rios São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Aprovado pela Secretaria do Meio Ambiente do Piauí, é um empreendimento que comercializa lenha e carvão para atendimento da demanda energética de diversos setores da economia, tanto do mercado interno como para exportação.

A técnica de exploração utilizada é a do corte raso sem destoca em unidades de produção anual (UPAs) que terão 100% do material lenhoso acima de 2cm aproveitado. "Apenas 4,2% da área total é utilizada anualmente para desmate sob forma de manejo e as áreas de corte foram desenhadas de forma alternada para assegurar o fluxo da fauna", explicou Alessandro Fernandes, diretor da JB Carbon e filho do empresário João Batista Fernandes.

Liderado pela empresa carioca, o projeto está sendo executado no condomínio Chapada do Gurguéia, formado por mais de 30 propriedades. O negócio tem financiamento do Banco do Nordeste e ganhou isenção fiscal do Governo do Piauí por 12 anos. "Nosso objetivo era plantar soja, porém, terminamos convencidos a transformar o projeto num manejo florestal sustentável", explicou o engenheiro Elizeu Rossato Toniolo. "Firmamos parcerias com várias instituições, entre elas o Programa Nacional de Florestas e o Projeto de Conservação e Uso Sustentável da Caatinga" – um programa financiado pelo PNUD, órgão das Nações Unidas.

Apesar da polêmica envolvendo o projeto Energia Verde, o funcionário do Ibama e coordenador do programa de Conservação e Uso Sustentável da Caatinga, Francisco Campelo, aparece em informe publicitário da empresa JB Carbon promovendo o empreendimento que tem fins lucrativos. "Como funcionário público federal, principalmente de um órgão ambiental, ele não poderia defender um negócio que tem interesses comerciais", denuncia o presidente da Furpa. Por coincidência, o irmão de Francisco Campelo, engenheiro florestal Ricardo Campelo, é um dos responsáveis técnicos pelo empreendimento.

Além do apoio governamental, tanto na esfera federal através do Ministério do Meio Ambiente e Ibama ou via governo do Estado do Piauí, a empresa JB Carbon ainda conseguiu duas autorizações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para prospectar minério de ferro nas proximidades da Serra Vermelha. A JB Carbon também aparece como uma das doadoras de recursos para campanha de reeleição do governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

Em recente fiscalização na fazenda onde o projeto Energia Verde vem sendo executado, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PI) encontrou uma série de irregularidades trabalhistas. A empresa foi multada em 50 mil reais por danos coletivos e obrigada a pagar cerca de 200 mil reais a título de indenização aos trabalhadores. Cada empregado vai receber cerca de R$ 1.400. Como a empresa alegou não dispor de numerário suficiêncte, os funcionários receberam R$ 100,00 em espécie e R$ 1.300,00 em cheques.

PARQUE AMEAÇADO

A criação do Parque Nacional Serra Vermelha pode ficar comprometido com o desenvolvimento do projeto Energia Verde. Com planos para desmatar 78 mil hectares, o empreendimento vai causar uma enorme ferida na mata. A densa floresta que cobre o lugar levou séculos para chegar em seu estágio atual. "O desmatamento vai descaracterizar sua formação, causando riscos e prejuízos em toda cadeia natural. Esses parâmetros não foram mensurados e, o mais grave, não existe projeto piloto que demonstre que a mata vai se regenerar", explicou o biólogo Francisco Soares.

Na área da botânica o lugar é um desafio para os pesquisadores. Não existe bibliografia sobre a região. Ocupada por formações de Caatinga arbórea – plantas com porte de árvores – que permanecem com sua copa verde o ano inteiro, o local também tem elementos do Cerrado e da Mata Atlântica, formando uma cadeia de alta diversidade biológica e importante funções ambientais numa região com reduzida interferência humana.

Pesquisas da Fundação Museu do Homem Americano, liderados pela arqueóloga Niéde Guidon, definem a Serra Vermelha como área de provável passagem dos povos pré-históricos que habitaram o Nordeste há mais de 50 mil anos. Pinturas e gravuras rupestres, muitas delas sequer catalogadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), podem ser encontradas na fronteira entre a Serra Vermelha e a Área de Proteção Ambiental do Rangel, uma reserva estadual com dezenas de sítios arqueológicos.

DESERTIFICAÇÃO PODE AUMENTAR

Segundo a ONU, a região de Gilbués, no Sul do Piauí, abriga o maior núcleo de desertificação da América Latina e um dos mais críticos do mundo. A pequena cidade de Gilbués é a mais afetada, ilhada pela erosão. Para o Ministério do Meio Ambiente, os municípios vizinhos de Monte Alegre, São Gonçalo do Gurguéia, Barreiras, Corrente, Riacho Frio e Curimatá também estão incluídos na área afetada pelo processo de degradação ambiental.

Teoricamente esses municípios deveriam ser assistidos tecnicamente pelos órgãos oficiais, controlando as interferências humanas e pesquisando suas características naturais. Ao contrário, a implementação do projeto Energia Verde no município de Curimatá parece contradizer todo esse diagnóstico. "O desmatamento nas chapadas da Serra Vermelha vai contribuir para o avanço do processo de degradação", confirma o biólogo Francisco Soares.

NOVAS ESPÉCIES

No passado, parte da América do Sul tinha um tipo de vegetação que hoje os cientistas chamam de Carrasco. São áreas no alto de chapadas, cobertas por uma mistura de floresta seca e relativamente densa com uma savana mais aberta – quase uma mescla de Cerrado e Caatinga. Em alguns lugareshouve contato entre essas formações e a Mata Atlântica. É o que parece ter acontecido na Serra Vermelha, sul do Piauí.

Recentemente uma espécie de cágado ainda desconhecida foi encontrada no local. O animal se encontra no Museu de Zoologia da USP sendo descrito por pesquisadores da equipe de Hussam Zaher. "A possibilidade de existir animais novos é muito alta", diz o biólogo Luis Fábio da Silveira, que esteve na região.

Somando-se a esse importante achado, a descrição de duas novas espécies de lagartos, o Stenocercus quinarius, no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, e Stenocercus squarrosus, no Parque Nacional Serra das Confusões, publicada na revista científica "South American Journal of Herpetology" confirmam a alta biodiversidade do Carrasco, rico em espécies endêmicas e com características geomorfológicas e de vegetação que o diferem das fisionomias típicas do Cerrado e da Caatinga.

Para os cientistas, o Carrasco pode ser o remanescente de um domínio anterior aos atuais, modificado por processos naturais – climáticos e geológicos. As duas novas espécies têm distribuição aparentemente restrita, ou seja, exclusivas de regiões especiais no Cerrado e seu contato com a Caatinga, áreas prioritárias para a conservação, revisadas recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente.

"As áreas de Carrasco guardam informações biológicas antigas e únicas. Não se sabe quais as origens deste tipo de ambiente já bastante impactado", alerta Cristiano Nogueira, analista de biodiversidade da (CI). Segundo ele, a destruição da vegetação ressalta o risco que as novas espécies correm no exato momento em que "nascem" para a ciência: como todo o resto do Cerrado, da Caatinga e das Florestas Estacionais, seu habitat sofre com o desmatamento, que alimenta as carvoarias e o avanço da fronteira agrícola.

Fotos: Andre Pessoa

Terras Griladas

Pelo menos cerca de 40 mil hectares do condomínio Chapada do Gurguéia, responsável pelo projeto Energia Verde, podem ser, com muita probabilidade,terras públicas. A documentação apresentada pela empresa JB Carbon S/A junto à Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais – Semar, foi definida pelo Interpi (Instituto de Terras do Piauí), como integrantes de um típico caso de grilagem encoberto sob a forma de um condomínio.

Os documentos datados de 1929 e que segundo o empreendimento tem origem em título sesmarial, não demonstram sequer, o nome da Sesmaria. Segundo os técnicos do Interpi a concessão teria ocorrida num Brasil Reinado, o que ultrapassa o período legal desta prática – na época o Brasil já era uma República. As Cartas de Sesmarias foram concedidas no Estado do Pará.

Para o Interpi, nesse período, o território do Piauí estava sob a competência do Governo-Geral de Pernambuco, o que caracterizaria outra irregularidade na documentação. Em 2005, ao tomar conhecimento do relatório emitido pelo Interpi, o Ministério Público do Estado do Piauí recomendou a Semar à anulação de qualquer autorização ou licença ambiental favorável a JB Carbon S/A.

Inconformados com a decisão, a empresa resolveu anexar ao processo outros documentos obtidos junto ao arquivo público estadual. Questionado sobre os novos dados apresentados, o Interpi se posicionou através de um despacho assinado pelo diretor geral do órgão, Francisco Guedes Alcoforado Filho, onde encaminhava o mesmo Parecer Jurídico contrário ao empreendimento.

O estranho é que mesmo diante de tantas evidências de irregularidades, o chefe da Assessoria Judiciária da Procuradoria Geral de Justiça, Erivan José da Silva Lopes, decidiu emitiu parecer favorável a concessão da licença ambiental a JB Carbon S/A, até que o Interpi se manifeste especificamente sobre os novos documentos anexados ao processo.

Foi com essa decisão do Ministério Público do Estado do Piauí que a empresa JB Carbon S/A conseguiu a autorização oficial para implantação do projeto Energia Verde numa área de 114 mil hectares entre os municípios de Curimatá, Morro Cabeça no Tempo e Redenção do Gurguéia. O objetivo do negócio é transformar 78 mil hectares de florestas em carvão vegetal.

IMÓVEIS SOB SUSPEITAS

O condomínio Chapada do Gurguéia, localizado na Serra Vermelha, no Sul do Piauí, é formado por 38 fazendas divididas entre 19 proprietários. O menor imóvel tem área de 650 hectares e o maior 5 mil hectares. Na média, as propriedades tem cerca de 2.500 hectares. Segundo o Interpi, cerca de 74 mil hectares têm como primeiros proprietários Dílson Lustosa e Romoaldo Lustosa e Silva, e não foram objeto de processo de demarcação de terras particulares, não sendo advindas de demarcação em data alguma.

Os documentos que supostamente comprovariam a legitimidade das terras do condomínio foram expedidas pelos oficiais dos registros de imóveis das comarcas de Avelino Lopes e Redenção do Gurguéia, além de certidões translativas de documentos existentes no arquivo público estadual. A dúvida diz respeito à cadeia dominial dos imóveis.

Segundo Erivan Lopes, chefe da Assessoria Judiciária da Procuradoria Geral de Justiça, até que se prove o contrário, os documentos apresentados pela JB Carbon S/A gozam de presunção de veracidade e fé pública. Para ele, sem uma decisão judicial que declare a falsidade ou irregularidade das certidões imobiliárias, não se pode negar a validade e eficácia dos referidos documentos.

"Dando conta da existência dos imóveis e dos respectivos proprietários, a princípio, entende este órgão ministerial que não se deve tolher dos interessados o direito do exercício pleno da propriedade sobre os imóveis em questão, incluindo-se neste exercício dominial o direito de explorá-los economicamente, cumprindo sua função social", argumentou Lopes em seu despacho.

Fotos: André Pessoa

Serra Vermelha perto de virar Parque

Nos dias 12 e 13 de abril, a Rede de ONGs da Mata Atlântica – RMA, com apoio de ambientalistas e instituições do Piauí, realizou, em Teresina, uma série de eventos em prol da defesa da Serra Vermelha.

A notícia mais importante dos eventos e comemorada com muitos aplausos foi o anúncio feito pelo representante do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Mercadante, Diretor de Áreas Protegidas, durante o Painel sobre a situação da Mata Atlântica no Nordeste. Ele abriu o painel dizendo que o MMA está decidido e fortemente empenhado no processo de criação do Parque Nacional da Serra Vermelha, uma reivindicação da comunidade piauiense.

A Serra Vermelha, com cerca de 120.000 hectares, é uma área no sul do Piauí, onde se encontram três importantes Biomas: a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga. Este fato confere à região uma importância extrema, por conta da altíssima biodiversidade que se encontra em seus remanescentes praticamente virgens, intactos e considerada uma floresta relíctual, ou seja, remanescentes de florestas muito antigas.

Entretanto a Serra Vermelha está ameaçada por um projeto chamado “Energia Verde”, autorizado ilegalmente pelo IBAMA Piauí, no ano de 2006, atualmente paralisado, e que pretende através de um suposto “plano de manejo”, realizar o corte raso de 78.000 hectares da vegetação nativa primária, transformando- a em carvão vegetal para alimentar os fornos das siderúrgicas de Minas Gerais.

A notícia dada pelo MMA, sobre a decisão da criaç ão do parque, traz um novo alento, porque desta forma este projeto, que na realidade é um crime ambiental, deverá ser definitivamente cancelado.

Durante o painel sobre a Mata Atlântica no Nordeste foi também feita uma apresentação, pela coordenadora da RMA e Conselheira da Apremavi, Miriam Prochnow, sobre a situação crítica em que encontram os remanescentes da Mata Atlântica nessa região e a necessidade de se implementar ações imediatas para sua proteção e recuperação.

Ainda no painel, o também coordenador da RMA, Kláudio Nunes, falou sobre a Lei da Mata Atlântica e a Diretora do Instituto Socioambiental, Adriana Ramos, apresentou os resultados do último encontro do Grupo Internacional de Conselheiros do PPG7 – IAG, realizado na Mata Atlântica no ano passado.

No dia 13 pela manhã, coordenadores da RMA, ambientalistas e a comunidade realizaram uma caminhada no centro da cidade, para entregar um documento ao Procurador Geral da República, Tranvanvan Feitosa, contendo uma série de informações técnicas e legais sobre a existência da Mata Atlântica na Serra Vermelha e pedindo providências com relação ao caso. Uma cópia do documento foi também protocolada no Palácio do Governo,endereçadaao Governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

Antes da entrega do documento ao Procurador e em frente ao prédio da Procuradoria, a RMA anunciou os vencedores do Prêmio Motosserra de 2007. Os agraciados deste ano são pessoas e instituições que efetivamente contribuíram com a aprovação do projeto Energia Verde, considerado um dos maiores crimes ambientais já cometidos na Mata Atlântica. São eles:

1 – Romildo Mafra – Gerente Regional do IBAMA Piauí, por ter autorizado o projeto Energia Verde.

2 – Carlos Moura Fé – Diretor Técnico do IBAMA, responsável pela aprovação técnica do projeto.

3 – Dalton Macambira – Secretário Estadual de Meio Ambiente do Piauí, por ter concedido a licença estadual para o projeto.

4 – JB Carbon, por ser a empresa autora e implementadora do projeto.

5 – Tasso Azevedo – Ex. Diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, por ter apoiado e incentivado o projeto durante sua gestão no MMA

Além dos eventos acima, coordenação nacional da RMA também aproveitou a aportunidade para fazer sua reunião de preparação para a Semana da Mata Atlântica, que ocorrerá em maio de 2007, na cidade de Porto Alegre.Vale lembrar que este ano a RMA completa 15 anos de existência. Em Porto Alegre serão discutidos vários assuntos importantes sobre o futuro do Bioma, não só no Brasil, mas também no corredor trinacional, que envolve o Paraguai e a Argentina.

Para a Coordenadora Geral da RMA, Kathia Vasconcelos Monteiro,essa ação da Rede foi realmente um sucesso. "Tivemos um apoio fabuloso das pessoas e organizações do Piauí e isso mostrou mais uma vez a importância do trabalho em rede e de que somos capazes de mobilizar e realizar ações efetivas e concretas em prol da Mata Atlântica".

Fotos: André Pessoa, Armin Deitenbach e Miriam Prochnow

Pin It on Pinterest