A Apremavi é uma das organizações que está promovendo o processo chamado O Brasil e seus Rumos, que está estimulando uma discussão em torno de temas socioambientais para levar novas sugestões aos diversos candidatos e depois eleitos, nesta grande eleição que acontecerá em outubro deste ano.

Confira abaixo o texto base sobre a Mata Atlântica.

MATA ATLÂNTICA

“Um lugar onde existe uma grande riqueza de diversidades biológica e ao mesmo tempo sofre uma grande ameaça”

*Miriam Prochnow

A Mata Atlântica é o segundo bioma mais ameaçado de extinção do planeta, só as florestas de Madagascar estão mais ameaçadas. Apesar disso, ela mantém índices altíssimos de biodiversidade (um dos maiores do mundo) que a classifica como um “hotspot”, ou seja, um lugar onde existe uma grande riqueza de diversidades biológica e ao mesmo tempo sofre uma grande ameaça. No Brasil, a Mata Atlântica está presente em 17 estados, alguns totalmente inseridos no Bioma e outros apenas com algum percentual. Existem variações também com relação ao número de remanescentes de um estado para outro. Entretanto, o índice geral utilizado atualmente ainda é o de 1995 aferido no levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica, do Instituto Socioambiental e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que aponta que no Brasil temos apenas menos de 8% de remanescentes da Mata Atlântica.

Estamos aguardando os novos levantamentos que estão sendo realizados por ONGs e pelo Governo Federal mas acredito que este panorama não vá alterar em muito. Dados recentemente divulgados pela fundação SOS Mata Atlântica, para oito estados, apontam que o ritmo de desmatamento diminuiu em alguns estados e que já temos algum sinal de vida para comemorar. Entretanto estados como Santa Catarina, que foi o campeão de desmatamento neste novo levantamento, seguido pelo Paraná, apontam que ainda temos muitos problemas para resolver.

Além disso, é importante destacar que estes 8% não estão distribuídos de forma equilibrada entre as várias fitofisionomias do Bioma. Ecossistemas como a floresta ombrófila mista (a Floresta com Araucárias), as florestas estacionais, os manguezais e as restingas estão muitos ameaçados e continuamos tendo grandes perdas. Da floresta com araucárias, por exemplo, restam menos de 3% de remanescentes. Desta forma, a situação é ainda mais grave pois este é um dos ecossistemas mais a ameaçados, dentro do Bioma mais ameaçado. E é com esta situação que, na realidade, a gente tem que trabalhar seja ONG, governo, empresa ou proprietário privado, no sentido de tentar conservar o que ainda restou e recuperar áreas prioritárias. Um dos grandes desafios é atender uma das metas da Convenção da Biodiversidade que diz que precisamos ter 10% de cada Bioma preservado em unidades de conservação.

Muitos ainda são os fatores que impactam e contribuem com a degradação da Mata Atlântica. Um deles é o avanço das cidades sem que haja um planejamento e à mercê da especulação imobiliária. A maioria das políticas de loteamentos não leva em conta os remanescentes florestais e acham que as cidades não precisam cumprir o código florestal. É claro que na seqüência disso temos a destruição de ecossistemas e desastres como loteamentos inteiros deslizando pelos morros ou então ficando dentro da enchente por que se instalaram em áreas de preservação permanente

Também há a questão dos grandes empreendimentos, em especial, as hidrelétricas. Dois exemplos disso são as hidrelétricas que já foram implantadas e estão ainda previstas na região da bacia do rio Uruguai, na divisa de Santa Catarina com Rio Grande do Sul e as hidrelétricas previstas para a bacia do Rio Ribeira de Iguape, na divisa de São Paulo com Paraná. Na bacia do rio Uruguai, recentemente a questão emblemática foi a de Barra Grande: uma hidrelétrica construída com base num estudo de impacto ambiental fraudado que resultou na perda, para sempre, de cerca de 6.000 hectares de floresta com araucária, com quase 3.000 hectares de floresta primária.

Isto era um fato absolutamente impossível de se pensar que pudesse acontecer e que resultou na extinção consciente, talvez, pela primeira vez, uma extinção consentida ,com documento assinado de uma espécie vegetal na história do Brasil. Com o enchimento do lago de Barra Grande foram inundados os locais das últimas populações da bromélia Dyckia distachya,que foi perdida para sempre da natureza. Lógico que os empreendedores irão dizer que ela foi resgatada e que deve estar em algum banco de germoplasma ou em algum jardim sendo cultivada, mas o fato é que da natureza ela foi extinta. Temos que lembrar que o Brasil, enquanto signatário da Convenção da Biodiversidade jamais poderia ter sido palco de um ato desses.

Temos avaliações ambientais sendo feitas na bacia do rio Uruguai mas os planejamentos foram feitos de tal forma que se todas as obras forem concretizadas, o rio vai virar uma grande seqüência de lagos. O planejamento das hidrelétricas também não leva em conta os outros usos da água e parece até uma brincadeira da natureza, mas o fato é que a estiagem que está acontecendo no sul do Brasil desde o início do ano, fez com que a “grande” Barra Grande não tivesse água suficiente para produzir energia. Seria uma vingança da natureza?

Infelizmente, se nada mudar, este pode ser o futuro previsto para o vale do Ribeira onde hoje está a maior concentração continua de remanescentes florestais da Mata Atlântica, com uma grande concentração também de populações tradicionais e o último rio não barrado do Estado de São Paulo.

Existem ameaças também vindas das atividades de mineração, especialmente, na região sul de Santa Catarina e áreas de Minas Gerais e Espírito Santo. Esta atividade ocupa grandes áreas, o que significa dizer que os impactos ambientais negativos também são de grande monta e já causaram o desaparecimento de grande número de remanescentes florestais.

Uma outra questão importante a ser considerada é o avanço de monoculturas de árvores exóticas e da própria agricultura feita sem planejamento ou ordenamento. Atualmente, ainda temos desmatamentos sendo feitos para o plantio de exóticas e grãos e um descaso dos governos estaduais que não controlam o avanço predatório destas atividades. Precisaríamos, urgentemente, de um zoneamento ambiental e econômico, para que as atividades fosse realizadas de forma ordenada. Precisamos também saber aproveitar os bons exemplos. Na atividade de plantio de florestas exóticas, já existem várias empresas dando ótimos exemplos que deveriam ser difundidos e consolidados.

Mas na área florestal existem também outros problemas como a exploração seletiva de espécies ameaçadas de extinção. Os Estados do Paraná, Santa Catarina e Bahia são exemplos disso. Recentemente os órgãos ambientais estaduais ainda licenciavam o corte de espécies como a imbuia, a canela preta e a araucária. Na Bahia existe um verdadeiro industrianato (indústria do artesanato) que usa espécies ameaçadas de extinção como matéria prima e para piorar, usa também a mão de obra barata de populações tradicionais.

Na questão de manguezal e restinga temos empreendimentos que geram impactos negativos como a carcinicultura predatória que é a criação de camarão em manguezais e restingas, que acabam substituindo o ecossistema natural mas também limitando a atuação da população tradicional, por exemplo, que vive da catação de caranguejos. A maioria desses empreendimentos, em grande escala, substitui essas grandes áreas de manguezais e restingas fazendo com que esses ecossistemas associados à Mata Atlântica, estejam simplesmente desaparecendo.

Por fim, ainda falando de impactos, não podemos deixar de mencionar que a Mata Atlântica ainda não está livre do tráfico de seus animais, que continua sendo um problema de difícil controle.

Mas nós também temos iniciativas de preservação e recuperação da Mata Atlântica que mereceriam um destaque maior, talvez, sendo aplicadas como políticas públicas. Eu tenho visto com bons olhos todas as parcerias que são realizadas com os ministérios públicos estaduais e federais no sentido de fazer cumprir o código florestal ou de implantar alguns termos de ajustamento de conduta para tentar reverter um pouco o passivo ambiental que temos no Brasil, principalmente, no que diz respeito à reserva legal e áreas de preservação permanente. Há uma iniciativa importante agora no estado de São Paulo com relação à reserva legal que só será possível através de parcerias.

Temos também iniciativas importantes do governo federal com a criação de novas unidades de conservação, o que é absolutamente fundamental para a Mata Atlântica. Houve toda uma discussão, inclusive, com diversos setores da sociedade civil para definir quais seriam as áreas prioritárias para fazer os estudos e para criar as unidades. Eu acredito que o fato de ter sido elaborado um mapa que contém as áreas prioritárias para conservação da Mata Atlântica, já em 1999, fez com que uma série de políticas, em nível nacional, tenha se norteado com esses dados. Esse mapa está sendo atualizado agora. Acho que vai ser uma ferramenta ainda mais importante e precisamos que ela de fato seja utilizada no planejamento e na implementação das políticas públicas que atuam nessas áreas fragilizadas. Esta ferramenta também será importante para os setores que concentram suas ações na Mata Atlântica.

Existem alguns programas mais pontuais que também estão sinalizando alternativas. Um deles é o PDA Mata Atlântica que é um programa dentro do Programa Piloto para Proteção de Florestas Tropicais no Brasil (PPG7) e que apóia projetos de ONGs, seja de preservação, de recuperação ou de uso sustentável. Assim, nós temos espalhados por toda a Mata Atlântica, centenas de projetos de ONGs indicando novos caminhos e esses projetos têm toda a condição de serem replicados ou aplicados em escalas maiores.

Uma outra parceria importante que já tem algumas iniciativas acontecendo e tem um grande potencial é com o setor privado. Lógico que nessa análise do setor privado é necessário também que se tenha um mapa de quem de fato está degradando, poluindo e as empresas que estão com investimentos sérios no controle dos seus impactos e, mais do que isso, investem seriamente em meio ambiente. No Brasil a gente já tem uma grande quantidade de empresas que trata o meio ambiente no limite da lei, no entanto temos também uma série de outras empresas que vão além. Eu acho que as parcerias com essas empresas que vão além vão fazer uma diferença para o futuro da Mata Atlântica.

Uma questão muito importante e que tem um déficit grande no Brasil é a fiscalização. Temos um órgão nacional de fiscalização ambiental, que apesar de alguns avanços, tem deficiências e ao mesmo tempo temos governos estaduais não comprometidos com a causa ambiental. Em Santa Catarina, por exemplo, que foi o estado campeão de desmatamento no novo levantamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica, há uma gestão permissiva por parte do governo e dos órgãos ambientais, que acabou tendo esse resultado vergonhoso para o estado.

Assim, seria fundamental que nós tivéssemos uma política séria e clara que permitisse envolver diretamente a sociedade civil na fiscalização e monitoramento da Mata Atlântica. Os atuais programas de “fiscais voluntários” são insuficientes. Seria importante adaptar para a Mata Atlântica, por exemplo, o mesmo sistema que existe hoje em alguns estados da Amazônia, onde o monitoramento é auxiliado por satélite. Não precisaríamos que num primeiro momento fosse para todo o Bioma. Se houvesse um programa para as áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, já seria um grande passo.

Para recuperar a Mata Atlântica precisamos investir um pouco mais na questão de serviços ambientais. O Brasil é signatário do protocolo de Kyoto mas ainda não conseguiu uma ferramenta adequada para, por exemplo, estimular o plantio de espécies nativas para seqüestro de carbono. Os projetos que têm hoje e que usam o mecanismo do desenvolvimento limpo para ter recursos através do seqüestro de carbono ainda não são oficiais. Nós não temos essas ferramentas de modo oficial. Assim, as iniciativas que existem são por que quem está comprando esse carbono que está sendo seqüestrado nas árvores plantadas são empresas que esperam poder se beneficiar com isso no futuro.

Na questão da conservação da Mata Atlântica eu não sou partidária de que toda e qualquer ação de recuperação ou conservação tem que ter um retorno econômico. Isso virou uma mania. Eu não concordo com isso e acho que a gente tem que conservar e recuperar a natureza por compromisso e não porque vai ter algum retorno financeiro. Embora acho importante que incentivos possam ser dados para as pessoas que preservam ou recuperam. É importante conseguirmos agregar isso ao compromisso que a pessoa tem que assumir. Tem um programa, por exemplo, no Paraná que se chama Adoção de Áreas que pretende exatamente estimular os proprietários rurais a preservarem a sua floresta através de recursos que são repassados por empresas associadas ao programa. Assim há um estimulo para que isso aconteça. Tem outros projetos que trabalham com proprietários rurais apresentando um cardápio de ações de uso sustentável para sua propriedade, oferecendo insumos como o fornecimento de mudas de árvores frutíferas, assessoria para a agricultura orgânica e capacitação para turismo. Em contrapartida aquele proprietário deve recuperar sua nascente, sua mata ciliar, sua reserva legal, ou seja, existe uma troca, uma mão ajudando a outra. Acho que estes são exemplos importantes.

No Brasil, há uma série de conselhos, grupos de trabalho, comissões e comitês em nível municipal, estadual e federal que abrem à possibilidade da participação da sociedade civil. No entanto, na maioria desses espaços nós ainda somos minoria, porque os espaços não são paritários e em alguns casos, quando o são, os ambientalistas dividem a cadeira da sociedade civil com setores responsáveis pela degradação, ou seja, o meio ambiente sai perdendo.

Acredito que um dos desafios que as ONGs têm na participação efetiva nesses espaços é de buscar, cada vez mais, a qualificação. Nós temos conselhos onde a participação é muito boa, mas também temos conselhos onde a participação ainda é muito inócua e aí entra a importância das redes.

No caso, a Mata Atlântica tem a Rede de ONGs da Mata Atlântica, mas no Brasil temos também o Grupo de Trabalho Amazônico, a Rede Cerrado, a Rede Pantanal e outras. Enfim, essas representações têm sempre um guarda-chuva de entidades apoiando a representação dessa instituição ou dessa pessoa e seria, muito importante, se a gente conseguisse de fato ter um programa de capacitação de representantes junto a esses conselhos de políticas públicas. A sociedade civil hoje tem bagagem suficiente para apresentar modelos no sentido de conservar, recuperar e usar de forma sustentável. Precisaria ter um mecanismo para dar a dimensão, ampliar, difundir e consolidar. Talvez o grande desafio é o pulo do gato que a gente teria que dar, nos próximos anos, para contribuir com mais eficiência nas coisas que a gente tem feito hoje.

Em termos de políticas públicas de forma geral, a sociedade civil tem tido um papel fundamental nas ações em prol da aprovação da legislação ambiental brasileira. Fora o caso do projeto de lei da Mata Atlântica, que se eu fosse deputada ou senadora teria vergonha de mencionar, porque o projeto está há 14 anos no Congresso, conseguimos trabalhar pela aprovação de várias leis importantes como a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e a lei de crimes ambientais. As ONGs também tem trabalhado duro para que avanços como o Código Florestal não caiam por terra.

Faltam pernas, talvez, para acompanhar um pouco a implementação porque, na realidade, para isto a gente ainda é minoria. O fato é que havendo algum governo, seja municipal, estadual ou federal com vontade de trabalhar pelo meio ambiente, as ONGs sempre serão parceiras importantes para a execução dessas políticas. Elas estão capacitadas para isso e sabem trabalhar. Na maioria das vezes, o que falta é uma oportunidade.

Outro ponto interessante é buscar a transversalidade dentro do governo para a questão ambiental. Eu acho que esse é mais um grande desafio que fica para as próximas gestões em nível de governo federal. Conseguiu-se, já na época do governo anterior, fazer alguma coisa nesse sentido. Acho que o governo atual também avançou, porém ainda há ministérios que são muitos refratários à questão ambiental. O Ministério de Minas e Energia, de Planejamento e da Agricultura, por exemplo, têm uma blindagem com relação à questão ambiental. Então, furar esta blindagem é um verdadeiro desafio.

Existem outras blindagens, em outros setores que precisam ser furadas para que a questão ambiental seja tratada de forma adequada e acredito que só a formação de parcerias sérias e efetivamente comprometidas poderão fazer a verdadeira diferença

Miriam Prochnow – Pedagoga, especialista em Ecologia Aplicada na área de Mata Atlântica. É coordenadora de Desenvolvimento Institucional e Presidente do Conselho Consultivo da Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí – APREMAVI e Coordenadora Geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica – RMA.

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