O mundo hoje assiste a muitos desastres que poderiam ser evitados ou minorados: a escassez de água potável, o aquecimento global, o desaparecimento de espécies. O ser humano continua a destruir a terra que o alimenta e o rio que mata sua sede. A sociedade humana continua a imaginar que tais recursos são infinitos.
Em Santa Catarina a insensatez de construir em áreas de preservação permanente e de arrancar as florestas de proteção de montanhas e de cursos d’água resultou, recentemente, em morte e sofrimento de seres humanos que talvez não soubessem que estavam ocupando áreas que deveriam protegidas. Isso porque os órgãos públicos, que deveriam informar sobre tal proteção e fiscalizar as atividades urbanísticas e agrícolas, não agiram.
Aprovar legislação que permite construções em áreas de grande declividade e à beira de rios ou nascentes é bem mais do que falta de bom senso: é assumir a responsabilidade pelas vidas que poderiam ter sido salvas e que se perderam.
Os levantamentos realizados em Blumenau e no tristemente lembrado Morro do Baú, indicam que a supressão da vegetação nativa e a ocupação das áreas de preservação permanente com construções e com reflorestamentos com espécies exóticas foram os principais responsáveis pelo enormidade da tragédia de 2008. O excesso de chuvas pode matar, mas mata mais em áreas de risco e em locais degradados.
Qual a resposta das autoridades catarinenses?
Alguns meses depois de tanta tragédia, na capital onde em todo verão falta água potável e metade das praias está poluída por coliformes fecais, discute-se o projeto de lei do Código Ambiental de Santa Catarina. Com qual finalidade? Proteger os rios e as florestas, assim protegendo a vida? Proteger o patrimônio natural de todos e a perene possibilidade de produzir alimentos e riquezas? Não exatamente.
Para melhor compreender a questão, faz-se necessário um pequeno resumo da estória do projeto de lei aqui comentado.
Como muitos sabem, Santa Catarina possui um importante remanescente da Floresta Atlântica, considerada como uma das mais importantes para a diversidade biológica de todo o planeta e Reserva do Patrimônio Natural da Biosfera (UNESCO).
Exatamente para ajudar o Estado a proteger o que resta de tal floresta, uma agência alemã vem colaborando financeiramente com projetos da Fundação Estadual do Meio Ambiente a FATMA. É doação: dinheiro que infelizmente não evitou que o Estado fosse considerado o maior desmatador de mata atlântica nos últimos anos.
Pois bem, a FATMA propôs aos alemães o custeio da elaboração de um anteprojeto-de-lei de código ambiental, sob o argumento de que tal legislação seria importante para proteger a mata atlântica (!).
Aprovada a proposta, técnicos da Fundação e consultores contratados trabalharam e discutiram as diversas regras legais que deveriam constar do novo documento. Também discutiram com alguns segmentos da sociedade (não com o Ministério Público). O documento foi levado com festa ao Palácio do Governo. Segundo afirmam os técnicos da FATMA, lá foi trocado por outro, o qual foi encaminhado à Assembléia Legislativa.
O projeto de lei, portanto, tem origem estranha, não serve ao objetivo de proteção ambiental e diverge, em pontos essenciais, da Constituição e da legislação federais, bem como afronta a Constituição do Estado de Santa Catarina.
A Constituição Federal, além do capítulo de proteção ao meio ambiente – inspirado em textos semelhantes das constituições modernas do mundo -, também define expressamente, em seu artigo 24, a competência concorrente da União e dos Estados para a elaboração de leis ambientais. Havendo legislação federal, portanto é o caso do Código Florestal, da Lei da Mata Atlântica, da Lei do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e da Convenção da Biodiversidade, entre outras -, a legislação estadual pode apenas complementá-la, sempre de forma mais protetora. Em resumo: regras estaduais menos protetoras do meio ambiente do que as regras federais não tem validade, não podendo gerar efeitos.
Assim, dizer que futuro Código Ambiental de Santa Catarina vai legalizar o desmatamento de áreas de preservação, é induzir em erro a população. Como também é induzir em erro não esclarecer aos agricultores e pecuaristas catarinenses sobre todas as possibilidades de utilização e de manejo produtivos das reservas legais, áreas de preservação permanente e remanescentes de mata atlântica, especialmente a partir da regulamentação do Código Florestal pela Resolução 369 do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA.
A mistificação que vêm sendo feita é impressionante, notadamente através de publicações na imprensa. A falta de exatidão é tanta que em um único texto pode-se facilmente chegar a contas absurdas de até 160% do território catarinense!! Em outro texto afirmou-se que 35% das margens de rios catarinenses não possuem qualquer vegetação de proteção. Isso quer dizer que 65%, ou seja, a maioria dos homens do campo, preservam o meio ambiente e continuam produzindo (é esse o bom modelo).
E porque o Estado não auxilia os demais a regularizarem sua situação, incentivando a recuperação com espécies que possam ser economicamente aproveitadas e estabelecendo áreas para dessedentação de animais e para outros usos típicos e permitidos das margens dos cursos d’água? Por que não investir realmente em ajudar a população do campo? Por que não investir em um futuro viável para todos? Por que não aproveitar a oportunidade e criar incentivos fiscais para a preservação dos recursos naturais, como o ICMs ecológico e o pagamento pela preservação?
Há exemplos importantes de atuação sustentável no Brasil: São Paulo anuncia um grande investimento para despoluir litoral e nascentes, ao tempo em que proliferam outros programas de apoio técnico e de incentivo à recuperação florestal.
A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) indica que o número de pessoas com problemas para conseguir água chegará a 3,9 bilhões em 2030, isto é, metade da população do mundo. Um exemplo desse problema é visível no oeste catarinense, onde são necessários poços de grande profundidade para buscar a água que não existe mais na superfície (desmatou-se, matando rios e nascentes!).
No dia 28 de março do corrente cerca de 1 bilhão de pessoas participaram da Hora do Planeta, um ato simbólico para demonstrar sua preocupação com o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Vamos esperar que os legisladores catarinenses dêem sua contribuição, afastando do projeto do Código Ambiental as regras da degradação.