O novo projeto de zoneamento de uso do solo, de autoria do poder executivo e que foi aprovado em uma seção tumultuada da Câmara de Vereadores de Itajaí, no final de agosto, permite a construção de prédios e a urbanização completa do Canto do Morcego, na Praia Brava, considerado de preservação permanente.

O projeto provocou a indignação da comunidade, mas mesmo assim foi aprovado pelos vereadores. Em manifestação no dia 01 de setembro de 2008, a comunidade "abraçou" o Canto do Morcego, com o objetivo de chamar a atenção das autoridades e pedindo a revogação do projeto.

As organizações da sociedade civil também já entraram em contato com os representantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, solicitando o questionamento da legalidade das medidas aprovadas. O questionamento se faz em especial para o cumprimento da Lei 11.428/2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica e que não permite o tipo de ocupação aprovada pelos vereadores.

Seguem os nomes e votos dos vereadores (Lista repassada por integrante da comunidade presente à votação):

PISSETI (DEM) A FAVOR
DALVA (DEM) CONTRA
LAMIM (PMDB) A FAVOR
ROGÉRIO RIBAS (PP) A FAVOR
CLAYTON (PR) A FAVOR
VEQUI (PT) A FAVOR
NICOLAS (PT) A FAVOR
ELÓI (PMDB) A FAVOR
MAURÍLIO (PDT) A FAVOR
MARCIO (PMDB) A FAVOR
HEREVAL (PP) FALTOU
PAULINHO (PDT) NÃO VOTA

Abaixo artigo de Leonardo Rörig, Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Código de Zoneamento de Itajaí – uma pequena análise técnica (e filosófica)

Não por acaso, o Código de Zoneamento, Parcelamento e Uso do Solo no Município de Itajaí (projeto de Lei Complementar n° 23/2008), tornou-se uma das maiores polêmicas dos últimos tempos em nossa região. Povo de um lado, políticos e certos empresários de outro.

A abordagem norteadora de quem elaborou o projeto é especulativa e economicista. Não leva em consideração a maioria dos preceitos técnicos modernos de planejamento e reestruturação das cidades para uma vida mais equilibrada, sustentável, saudável das populações.

O Código nitidamente estimula para Itajaí o que todos os dias é notícia negativa na imprensa nacional e internacional, quando técnicos questionam os equívocos históricos que levam o caos às cidades: a verticalização, a impermeabilização, o adensamento, o desmatamento, o comprometimento dos recursos hídricos, os alagamentos urbanos, a imobilidade urbana, a perda de qualidade de vida, a desfiguração dos espaços, a poluição atmosférica, a instabilidade estrutural do ambiente urbano.

Que tipo de mente ou de intenção cria leis para reproduzir modelos ultrapassados de estruturação urbana? Que forças tentam ressuscitar modelos condenados em uma ampla massa de dados e publicações científicas precisas e imparciais?

O Código não estimula, por exemplo, áreas de proteção ambiental em zona urbana, contrapondo as tendências modernas. As cidades mais sustentáveis e com melhores conceitos de qualidade são as que têm as zonas urbanas permeadas por mosaicos de contenção da impermeabilidade, da poluição, do aquecimento, como são as áreas verdes.

Deveriam ser previstas de forma específica áreas de preservação em meio à urbe. Para que persistir no erro histórico das grandes cidades. Porque não seguir os modelos ideais já propalados pela ciência que dizem que uma cidade não deve evoluir para a verticalização e impermeabilização?

O que dizer-se da mobilidade urbana – tema de grande debate atualmente no país? O Código de Itajaí cai como um dardo paralisante. Estimula o adensamento em função da verticalização, criando novos gargalos para o deslocamento automotor e complicando a vida das pessoas. Quando se estimula a verticalização, se multiplica por 8, 10, 12 ou mais a densidade demográfica. Os prédios vão subindo e olhos desatentos não percebem que o movimento vai crescendo.

Quando se dá por conta, a cidade “não se move mais”, como São Paulo em certos dias e locais ou, mais perto, Balneário Camboriú no verão, citada em vários fóruns técnicos como exemplo de como não deve evoluir uma cidade. Imaginem Cabeçudas com 8 vezes mais carros e pessoas… Isso é desenvolvimento urbano sustentável??

O adensamento proposto por esse Código também será nefasto para o saneamento e para a qualidade dos recursos hídricos locais. Estimula-se o crescimento e adensamento urbano antes mesmo que se comece a resolver um problema histórico de nossa cidade e região: a canalização e o tratamento dos esgotos urbanos. Só pra citar um exemplo, pelos estudos da UNIVALI, as águas dos ribeirões que escoam ao Saco da Fazenda e do Ribeirão de Cabeçudas, todos rebaixados a condição de vala por conterem mais esgoto que água, estão entre as mais tóxicas e contaminadas de toda a Bacia do Itajaí.

O que ocorrerá após o aumento da carga poluidora em locais como esses? A ecotoxicologia tem a resposta, mas quem deveria fazer essa pergunta simplesmente não quer saber.

O código também estimula o incremento da impermeabilização urbana, autorizando crimes ambientais como a ocupação de áreas de preservação permanente e ampliando a “taxa de aproveitamento” em vários setores já insalubres da nossa cidade. Infelizmente, o que é tema de preocupação intensa em locais onde há planejamento para a sustentabilidade, aqui sequer é levado em consideração: as águas de escoamento superficial (no inglês simplesmente runoff).

Quando se constroem mais prédios, quando se faz mais asfaltamento e quando se reduzem e/ou ocupam mais áreas de cobertura vegetal, como estimula esse Código, se aumenta em mais de 3 vezes o chamado coeficiente de escoamento superficial numa cidade. Técnicos desatualizados diriam: “- ótimo, as águas pluviais escoam mais rápido”! Erro crasso! Maior impermeabilidade, menos água percolando no solo, mais água escoando superficialmente, mais fluxo de tempestade, drenagem incapaz. Resultado: mais, muito mais alagamentos.

Já não temos demais? Pois se preparem para um futuro encharcado e insalubre. O incremento das águas de escoamento superficial não só causa alagamentos, perdas econômicas, despesas públicas, transtornos diversos, mas também polui mananciais e dissemina doenças, uma vez que tais águas carregam uma gama de microrganismos e substâncias tóxicas, sendo às vezes mais perigosas que os próprios esgotos. O tipo de drenagem que necessitaria ser feita para compensar esse problema é inviável para uma cidade litorânea como a nossa, além de extremamente dispendioso. O dinheiro seria público, mas os que lucrarão com isso tudo são bem privados… Governos sérios têm estabelecido metas de aumento de áreas verdes e desocupação de cotas mais elevadas e margens de corpos hídricos. Aqui, além de tudo, e a pedido de empresários, se retirou por emenda supressiva de vereadores os parágrafos que obrigavam “os empreendedores” a recuperarem áreas degradadas. Suprimiram talvez o único traço de coerência que existia no código.

Por que não amadurecemos e aproveitamos esses momentos para fazer algo realmente novo e melhor? Por que não se mudam as tendências que estão nitidamente nos levando a um futuro de incerteza? Porque usar o aparato do Estado para favorecer alguns setores e transferir os problemas para as populações de hoje e de amanhã?

Perdem-se excelentes chances nesses momentos, pois em geral a especulação econômica é de uma mediocridade nauseante. Os setores que enxergam os ambientes com olhos de cifrão, são nefastos ao desejável equilíbrio do mundo, carecem de erudição para compreender o avanço das ciências, ou, pior ainda, não querem ver as coisas com a objetividade que a ciência oferece.

O texto, em momentos, é enfadonho ao tentar imbuir-se de espírito enciclopédico para prever todas as possíveis atividades que a criatividade humana pode gerar, correndo o risco de olvidar algo, complicando a exeqüibilidade do processo. O próprio CNAE (Cadastro Nacional de Atividades Econômicas) reconhece que a cada ano surgem diversos novos ramos de atividades econômicas a serem enquadradas. Já existem critérios nacionais e internacionais inteligentes de enquadramento de atividades.

O Código de Zoneamento de Itajaí não planeja e sim oficializa uma miscelânea de atividades em localização incoerente. Ou seja, ao invés de analisar o terreno com suas aptidões ou vocações reais com base em critérios ambientais, como faz o mundo moderno, analisa o que existe nas áreas e determina a vocação das áreas pelo que ela já é. Legalizam-se erros… Para isso não é necessário planejamento e zoneamento, nem esse teatro que estamos presenciando, basta deixar as cidades crescerem sem intervenção nem critérios.

É como o triste caso de um pai que, impotente diante da opção do filho pelo crime, proclama que essa é a vocação do rebento e passa a avalizar os atos do mesmo, num errôneo gesto de alienação, a fim de amansar do modo mais fácil a sua consciência.

Planejamento urbano, quando conduzido seriamente, à luz da ciência, deve prever – além da incorporação de novos conceitos aos modelos tradicionais de uso do solo – mudanças de atitude, recuperação ambiental, revitalização de córregos e rios urbanos e até deslocamento, a prazos coerentes, de empreendimentos e assentamentos equivocadamente localizados. Para isso é necessário conhecimento, honestidade, coragem, ética, discussão técnica e discussão pública, mas parece que esses itens estão em falta nos nossos poderes…

Mas o mais absurdo é sem dúvida uma emenda que vereadores fizeram ao Código. Não bastasse a imposição sem discussão, o desrespeito aos movimentos da sociedade civil e a repulsa à Audiência Pública, esses senhores conseguiram piorar e tornar mais nefasto o que já era contra-senso. Ampliaram para a cota de 100m as possibilidades de ocupação em Áreas de Preservação Ambiental. Esse crime hediondo decretará a destruição de milhares de hectares da tão necessária Mata Atlântica de nosso município e, entre outras conseqüências negativas, promoverá o aumento das incidências de alagamentos, o incremento do assoreamento de canais e córregos urbanos, a extinção ou comprometimento da maior parte das nascentes e fontes que servem muita gente com água de boa qualidade e alimentam os já comprometidos recursos hídricos locais e instabilizará ainda mais o microclima urbano.

Não se estabelece ocupação apenas pela cota altimétrica. Já existem leis e normas técnicas que definem os critérios para isso e elas incluem também restrições quanto a declividade dos terrenos, o que em nenhum momento é citado no código. Gente que parece não conhecer o tema e as leis que já regem esse tema, propõe emendas contendo barbaridades como essa… É assustador do ponto-de-vista técnico e ético. É tão medonho como tripudiar sobre um cadáver.

Itajaí não merece esse destino. Essa “rede” há de ceder. Algum poder há de conter sua onda destrutiva.

Comunidade quer Mata Atlântica e praia preservadas. Foto: Amélia Pellizzetti

Pin It on Pinterest