De bom a melhor

De bom a melhor

De bom a melhor

Se todo mundo pudesse escolher a vista de sua casa de campo, provavelmente as janelas dariam para um lugar como Atalanta, em Santa Catarina. A sede do município tem pouco mais de 2.500 moradores. E a poucos minutos do centro, as portas dormem abertas, os vizinhos se reconhecem pelo ronco dos carros, os bugios descem da serra do Pitoco para ver o trabalho no campo e, no sítio de Anita Schäffer, um dos cinco que se adaptaram no município a hospedar forasteiros, a truta que vem à mesa saiu pouco antes de uma nascente de água azulada nos fundos do terreno.

À primeira vista, não há o que consertar num lugar desses. Atalanta, que a prefeitura deu para chamar de “cidade jardim da mata atlântica“, ganhou há pouco um parque municipal, aninhado nos 54 hectares da mata onde funcionava a fábrica de farinha de mandioca de Erich Gropp. Abriu-se ao público uma Reserva Particular do Patrimônio Natural de três hectares numa antiga serraria, com trilha e banho de cachoeira. E, de quebra, há um futuro melhor do que o presente brotando na Apremavi, uma ONG ambientalista que produz por ano 500 mil mudas de árvores nativas e está pronta para provar aos pequenos agricultores da região que paisagem também se planta.

Se depender de Miriam Prochnow, presidente da Apremavi, Atalanta ainda vai melhorar muito. Ela transformou as terras da família numa propriedade modelo, com reserva legal, matas ciliares, horta orgânica, manejo florestal, esgoto filtrado, estrada florida em curva de nível, apicultura, chiqueiro e pasto. Tudo simples e barato, mas cumprindo exemplarmente as leis ambientais. E agora tem pela frente um patrocínio da fundação O Boticário para multiplicar a seu redor a experiência. E, por trás, os 16 anos de teimosia da Apremavi.

A ONG nasceu em 1987, depois que Miriam passou a contar os caminhões de madeireiras que saíam sem parar de uma reserva indígena em Ibirama, ao pé da serra catarinense. Ela era então uma pedagoga. Seu marido, Wigold Bertoldo Schäffer, trabalhava no Banco do Brasil. Os dois recrutaram por ali mesmo 17 simpatizantes para fundar a ONG. Um deles, Philipp Stumpe, ex-colega de Wigold no banco, é hoje engenheiro florestal. A Apremavi já passou da casa dos 300 sócios. E tantas fez o casal de militantes, que há cinco anos Miriam e Wigold tiveram que se mudar para Brasília, onde ela é coordenadora da Rede de ONGs da Mata Atlântica e ele dirige o Núcleo de Mata Atlântica do Ministério do Meio Ambiente. Por essas e outras, toda vez que põe os pés em Atalanta, Miriam suspira fundo. Está em casa. Num ramo onde tudo parece que está sempre começando, a Apremavi é uma ONG histórica.

Mas estreou com uma derrota, na briga contra o desmatamento nas terras dos Xokleng. O processo contra as madeireiras virou uma papelada sem fim, que por ironia foi parar anos mais tarde no gabinete de Miriam, quando ela assumiu o comando da rede. Enquanto o caso rolava na Justiça, a maioria dos índios comprou carros e o comércio da região chegou a vender geladeira elétrica para aldeias onde não havia luz.

Se ficasse só nisso, a história teria um final feliz, embora tipicamente brasileiro. A reserva indígena, que tinha na época 14 mil hectares, depois de encolher por desmatamento, cresceu por decreto. Passou a cobrir 50 mil hectares, derramando-se sobre duas unidades de conservação, uma floresta com oito mil araucárias e 600 propriedades agrícolas. Virou, oficialmente, uma “área de relevante interesse ecológico”, nas mãos de sete aldeias onde vivem cerca de 1.500 Xokleng, caingangues e guaranis.

Mas a Apremavi foi em frente. Miriam e Wigold, além de tudo, são maratonistas. E estão nisso não é de hoje. Menina, ela fazia greve de fome em casa, sempre que o pai, um coletor municipal de impostos, chegava trazendo de caçadas trazendo carne fresca. Wigold, aos cinco anos, rebelou-se contra o corte de árvores na propriedade dos Schäffer. “Quando eu crescer, não vai sobrar nada para mim”, dizia. Ganhou do pai cinco mudas de araucária. Plantou-as num canto do terreno. Hoje, quarentonas, as araucárias estão no meio de um bosque de pinheiros, onde a família cultiva palmito.

Miriam se curou, logo na primeira candidatura, de um desvio que quase a levou à política, quando concorreu à prefeitura de Ibirama pelo Partido Verde, apresentando-se ao eleitorado com uma chapa exclsivamente feminina. Sua vice era a fotógrafa Edith Geisler. Elas visitaram, uma a uma, todas as quatro mil famílias do município. Em vez de comício, faziam mutirões para tirar lixo do rio. “E, claro, tivemos muito pouco voto”, ela resume.

Nos primeiros anos, a ONG teve que disputar espaço num Vale do Itajaí ainda infestado por 450 serrarias. O ex-funcionário do Banco do Brasil Philipp Stumpe, depois de aderir incondicionalmente à causa, circulava com um cartão de visitas que o apresentava como “desempregado e criador de caso”. Mas, com o tempo, a turma foi aprendendo que nem só de luta inglória vive o meio ambiente. “Era preciso também propor alternativas”, diz Miriam.

Daí o viveiro de mudas. E o resto. O que a Apremavi sabe, segundo Miriam, “aprendeu fazendo”. Ela bateu muito mato para fazer laudos, tratando de gravar o que os peritos ensinavam nessas excursões. Hoje a ONG recebe estagiários que vêm de longe, mandados por cursos universitários de engenharia florestal de Viçosa, Blumenau ou Ribeirão Preto, “para ver na prática como se mexe ao mesmo tempo com mudas de 120 espécies diferentes”. O biólogo Carlos Augusto Krieck, por exemplo. Jovem, metido numa camisa onde se lê o slogan “não à extinção”, ele está começando na Apremavi um programa de treinamento que, daqui a um ano, pode levá-lo a uma vaga na equipe. Criado em Rio do Sul, ali perto, ele nunca imaginara usar seu diploma em trabalho de campo, sem sair de sua região.

O viveiro, apelidado de Jardim das Florestas, começou com 18 mudas num fundo de quintal, para fazer a primeira recomposição de matas ciliares. “Tínhamos tão pouca informação”, lembra Miriam, “que fomos perguntar a um madeireiro onde encontraríamos sementes de sassafrás. Ele respondeu que sassafrás não tinha semente. Ou seja, passara a vida cortando madeira no mato e não sabia que o sassafrás, quando dá semente, chega a quebrar o galho de tanto peso”.

Pior foi achar quem se interessasse pelas primeiras mudas do viveiro. Houve época em que Miriam e Wigold promoviam corridas rústicas em cidades da região. Na linha de chegada, distribuíam mudas. “Mas no começo as pessoas vinham aqui, olhavam, e saíam dizendo que árvore nativa não cresce”, diz ela. “Não levavam nem de graça. Saímos plantando árvores até nas praças de Atalanta, Ibirama e Agrolândia. Quando elas começaram a florescer, o pessoal passou a vir aqui, querendo comprar mudas”. Comprar por que? “Porque descobrimos que ninguém valoriza o que é dado”, explica Philipp. “De graça, acabariam levando 100 mudas para plantar 50”.

Se quisesse, a dupla poderia desfiar um rosário de absurdos. Quando a ONG levou a prefeitura a transformar em parque a velha fábrica dos Gropp, enrascada num inventário insolúvel, encontrou-se lá embaixo, ao lado da cachoeira, um depósito clandestino de lixo, que era despejado da borda do cânion, 41 metros acima. No museu do parque, há uma velha foto que mostra como era aquilo no começo do século passado. À frente, no chão limpo, posa o time de lenhadores. Ao fundo, no meio de terrenos pelados, está a cascata. Hoje, o Perau do Gropp fica no fim de uma trilha limpa, entre árvores identificadas. É um passeio como raras cidades do Brasil podem oferecer aos visitantes.

A turma da Apremavi suou muito também para desmoralizar um projeto do governo estadual, que convencera os agricultores a criar peixes em açude, alimentando-os com algo que a população local define tecnicamente como merda de porco. Parecia a invenção do moto-contínuo. Os chiqueiros eram armados em palafitas sobre a água. E os peixes comiam diretamente o maná que caía dom céu. A Apremavi usou um gato doméstico como cobaia e não houve jeito de convencê-lo a provar o tal do “Peixe-Porco”. Depois dessa campanha, o empresário Valdecir Pamplona acabou fechando a fábrica de pescado que tinha montado na beira da BR-470, em Rio do Sul. Atualmente, o galpão industrial processa hambúrguer de carne bovina. “O dono até hoje não gosta da gente”, diz Miriam.

Em compensação, a Apremavi atualmente está cercada por 250 pequenos proprietários que, em 30 municípios ao redor de Atalanta, tomaram gosto por hortas e pomares orgânicos, matas ciliares e apicultura em pé de floresta. Seus vizinhos, que ainda usam em casa, para conversar entre si, um coquetel regional de alemão com português, deixaram de ver os ambientalistas como tipos excêntricos. E podem até não saber disso. Mas estão a um passo do “Planejamento de Paisagens”.

Autor: Marcos Sá Correa.

Jornalista Marcos Sá Corrêa visita a Apremavi

O jornalista Marcos Sá Corrêa foi recepcionado nesta 5a feira no viveiro Jardim das Florestas da Apremavi em Atalanta (SC). Trata-se da primeira de uma série de visitas que Corrêa irá fazer com o intuito de conhecer a Apremavi e dar início prático ao intercâmbio entre a instituição ambientalista e o site O Eco, do qual Corrêa é sócio-fundador.

Corrêa e Miriam Prochnow (presidente da Apremavi) são líderes da Avina. A Avina apoia o intercâmbio das instituições a ela afiliadas, visando entre outros a capacitação e a troca de experiências das mesmas. "Ajuda mútua", mais do que uma combinação forte de palavras, no caso da Avina é uma ação prática.

Miriam, o biólogo Carlos Augusto Krieck e o Eng. florestal Philipp Stumpe mostraram as instalações e a área da instituição em Atalanta, iniciando com uma visita ao cemitério.

Cemitério, talvez isto soe um pouco peculiar… mas "este é o primeiro cemitério de Atalanta", explicou Miriam, "…quando esta propriedade foi adquirida, restava pouco que fizesse lembrar desta gente toda que aqui encontrou seu último repouso. Na consciência da maioria de nós, um cemitério é um lugar triste que geralmente procuramos evitar. Mas além de ser um local onde podemos lembrar de parentes e amigos, um cemitério também é um testemunho histórico. E este é um testemunho particularmente importante para a região… aqui encontra-se um bocado de história da qual procuramos lembrar. Ter consciência do nosso passado ajuda-nos no mínimo a aguçar um pouco da nossa percepção para o futuro."

"Pensar no futuro", nada melhor para ilustrar essa frase do que as "árvores-crianças" que se encontram como que à espera do plantio a poucos metros do cemitério restaurado: as milhares de mudas produzidas pela Apremavi.

"NÃO À EXTINÇÃO", a crase salienta a importância dessa frase estampada às costas da camiseta que Carlos está usando neste dia. O verde das plantas que estão brotando nas sementeiras ou das que estão em fileiras encanteiradas, nas estufas ou ao redor delas, mais do que esperança, esta cor deveria aliar-se também à palavra convicção. A certeza de que é das nossas florestas que depende tanto, não apenas ter os recursos hídricos, a qualidade de ar e de vida assegurados das gerações futuras.

Futuro, novamente esta palavra. Uma coincidência? Dificilmente, pois não é por acaso que se investe tanto empenho e dedicação à produção de árvores, algumas delas que além de raras, constam da lista oficial do IBAMA de espécies ameaçadas de extinção: canela-preta (Ocotea catharinensis), araucária (Araucaria angustifolia, o pinheiro-do-Paraná) e imbuia (Ocotea porosa, que é a árvore símbolo de Santa Catarina), são apenas três de cerca de 120 espécies de mudas de essências nativas das quais se produzem perto de 500.000 a cada ano no Jardim das Florestas.

Um número que impressiona, se considerarmos que são apenas árvores nativas, e em tão grande diversidade de espécies. Mas pouco, ante a riqueza de espécies tão característica da Mata Atlântica. Poucos milhares de árvores-crianças, já que a situação não é preocupante: é alarmante em que estado se encontra e o que se passa neste bioma brasileiro que está cada vez mais ameaçado.

Ameaçado, sim, de desaparecer. E ameaçada está toda essa biodiversidade que no passado estava presente em cada palmo quadrado de chão e no que crescia por cima dele, e que hoje encontramos representado em poucos fragmentos florestais, dos quais a maioria estão fortemente alterados. Alterados pelo corte irracional. Alterado, exaltado, irritado fica quem olha por trás dessa cortina verde das matas, onde plantas invasivas se aproveitaram do dano que os madeireiros causaram no passado. Onde árvores eram derrubadas, taquaras e cipós tomaram conta, impedindo que a floresta pudesse se regenerar. Um passado ainda presente, uma vez que o desmatamento, este pesadelo, continua.

Um sonho bom porém é o projeto "Planejamento de Paisagens", que irá tornar-se realidade ainda no mês de setembro. Corrêa pretende acompanhar detalhadamente este trabalho, que conta com o apoio da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e da Fundação Interamericana, e que será realizado em parceria com a TNC.

Este trabalho visa o planejamento de propriedades rurais, oferecendo uma chance de incremento de renda aliado ao que se poderia chamar de conformidade com as leis ambientais. Ou simplesmente bom-senso, como se pode ver na prática da agricultura orgânica na propriedade modelo, que se encontra junto à R.P.P.N., os dois pontos seguintes na visita de Corrêa, que pôde ver novas fileiras, desta vez linhas alternadas de hortaliças livres de agrotóxicos, além da cachoeira, não por último um ponto estonteantemente bonito de se visitar.

O antepenúltimo local de visita foi o Parque Mata Atlântica, onde os visitantes foram recepcionados pela bióloga Juliana Laufer, também funcionária da Apremavi. Como nos dias anteriores chovera bastante, a cachoeira Perau do Gropp ofereceu um espetáculo de águas. Do parque seguiu-se para a propriedade Paraíso das Trutas, para ver exemplos de modelos agroflorestais.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e fotógrafo. Formou-se em História. Escreve no site NoMínimo e no portal AOL. Foi editor de Veja e de Época, diretor do JB, de O Dia e do site NO. É pai de Rafael Corrêa, colunista de O Eco.


Alunos no Parque

Alunos da Escola Agrotécnica Federal de Rio do Sul (SC) foram recepcionados por Juliana Laufer e Leandro Casanova, em visita realizada ao Parque Mata Atlântica nesta 5a feira dia 26.

Juliana (bióloga e Trainee em Meio Ambiente e Leandro (Eng. Florestal) são funcionários da Apremavii.

Os alunos do terceiro ano do curso Técnico Florestal da Escola Agrotécnica estavam sendo orientados pelas professoras Maria Medianeira Possebon e Luciana Esbert, organizadoras do encontro. A visita é uma das atividades práticas da disciplina "meio ambiente e desenvolvimento", que está sendo ministrada nesse ano letivo. Dentro dessa matéria estão sendo enfocadas as UC‘s (Unidades de Conservação), assim que o tema "Zoneamento" interessou aos alunos em especial.

Juliana explica:

    O objetivo do zoneamento de uma UC é dividir uma área silvestre em parcelas, para que possam ser alcançados os objetivos estabelecidos para a área protegida. De acordo com os distintos graus de proteção e intervenção desejados, cada zona é capaz de atender a um ou vários objetivos em particular.

    O Zoneamento faz parte do plano de manejo do parque, definindo como serão usadas e/ou manejadas da melhor forma possível e menos impactante possível, para cada tipo de área do parque.

    O estabelecimento de zonas é um pré-requisito definido pelo SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) para a aprovação de um plano de manejo de uma UC.

    Assim, foram definidas as seguintes zonas para o O Parque Mata Atlântica 2000:

    • intangível
        (áreas que merecem especial proteção, com objetivos específicos )
    • de recuperação
        (que precisam ser recuperadas)
    • histórico-cultural
        (manifestações históricas ou arqueológicas, servindo à pesquisa científica e educação)
    • de uso extensivo
        (áreas de transição)
    • de uso especial
        (áreas de instalações e manutenção)
    • de uso intensivo
        (áreas de visitação, de certo grau de intervenção humana)

Como parte da visita, Leandro guiou os alunos pelas duas trilhas do Parque.

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