A três meses do segundo aniversário do novo Código Florestal, uma séria divergência entre os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura faz mais do que atrasar o processo de regularização ambiental das propriedades. Travada nos bastidores, a disputa pode comprometer o tamanho da recuperação de vegetação nos imóveis rurais do país.
A disputa reproduz parte da queda de braço entre ruralistas e ambientalistas durante a votação do Código Florestal no Congresso. Está concentrada num dos artigos da Instrução Normativa preparada pelo Ministério do Meio Ambiente, que trata do conceito de imóvel rural.
A publicação desse documento dará início oficialmente à contagem do prazo de dois anos que todas as 5,4 milhões de propriedades rurais do país terão para entrar no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Segundo o texto proposto pela equipe da ministra Izabella Teixeira, imóvel rural é uma ou mais propriedades ou posses rurais, contínuas, pertencente à mesma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, em regime individual ou comum, que se destine ao uso econômico, à conservação e à preservação dos recursos naturais renováveis.
O Ministério da Agricultura alega que o Meio Ambiente mudou o conceito de imóvel rural definido por lei desde os anos 60, no Estatuto da Terra, e reiterado numa lei federal de 1993 (número 8.629). De acordo com essa lei, imóvel rural é o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativista vegetal ou agroindustrial.
Nossa consultoria jurídica defende a tese de que uma Instrução Normativa não tem o poder de alterar uma lei, argumenta o ministro da Agricultura, Antônio Andrade. Entendemos que o conceito de imóvel rural é o disposto no inciso I do artigo 4º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, respondeu o ministro ao Observatório do Código Florestal.
Na avaliação do Ministério do Meio Ambiente, a Instrução Normativa apenas interpreta o conceito de imóvel rural presente na lei, sobretudo do termo áreas contínuas. O Meio Ambiente entende que deve considerar como um único imóvel áreas contínuas de um mesmo proprietário, ainda que estas áreas tenham matrículas ou registros diferentes. Este mesmo entendimento já vem sendo aplicado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na prática, faz muita diferença na hora de contabilizar os passivos ambientais das propriedades rurais.
O Observatório do Código Florestal teve acesso a uma simulação dos impactos da aplicação dos dois entendimentos. Uma propriedade rural considerada grande (com área superior a 10 módulos fiscais), de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, pode ser transformada em várias propriedades menores, onde as exigências de recuperação de Áreas de Preservação Permanentes e de compensação de Reserva Legal estabelecidas pelo Código Florestal são menores.
Considere a hipótese de um imóvel rural de 4.200 hectares localizada em município em que cada módulo fiscal corresponde a 100 hectares. Trata-se de um imóvel rural grande, pelos critérios do Ministério do Meio Ambiente. Veja a simulação do CAR desta propriedade:
Já para o Ministério da Agricultura, com apoio da parlamentares ruralistas, a mesma área deve ser tratada como vários imóveis, dependendo do número de matrículas. Os imóveis pequenos, com áreas de até quatro módulos fiscais, simplesmente ficam dispensados de recuperar Reserva Legal, mesmo que tenham desmatado mais do que o limite estabelecido por lei, que varia de acordo com os biomas. A recuperação de Áreas de Preservação Permanentes também poderia ser reduzida à metade, em alguns casos. O Código Florestal prevê que a recuperação da vegetação às margens de rios, por exemplo, varia de acordo com o tamanho da propriedade, no que ficou conhecido como a regra da escadinha: quanto menor a propriedade, menor a exigência. Na simulação por matrículas, o mesmo imóvel teria o direito a fazer quatro cadastros com menos de quatro módulos, como na figura abaixo:
Conversão de multas
Outro tema que provoca divergências na Esplanada dos ministérios trata da possibilidade de conversão de multas aplicadas a proprietários rurais que tenham desmatado até 22 de julho de 2008 dentro dos limites previstos pela lei (80% da propriedade no bioma Cerrado, fora da Amazônia Legal, por exemplo), mas sem a exigida autorização do órgão ambiental. Essa possibilidade de conversão de multas está prevista no artigo 42 do Código Florestal e depende de regulamentação.
A proposta de decreto em análise no Palácio do Planalto prevê que as formas de conversão dessas multas serão definidas pelo Ministério do Meio Ambiente, com o apoio da Advocacia Geral da União. O Ministério da Agricultura defende uma espécie de anistia para essas multas, com a sua conversão em advertência. O do Meio Ambiente rejeita essa proposta.
Nossa proposição é que esse novo decreto traga claramente como isso [a conversão de multas] será realizado, para dar segurança jurídica ao produtor rural, afirma o ministro Antônio Andrade.
As divergências na edição do decreto com normas complementares do Código Florestal já impõe uma demora no início da regularização ambiental das propriedades rurais do país. Em maio, o novo Código Florestal completa dois anos sem que a regularização tenha saído do papel.
Matéria originalmente publicada no site do Observatório do Código Florestal, do qual a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) é integrante.